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Empirismo de Locke

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Embora as raízes do empirismo estejam na antiga Grécia, foi o filósofo inglês John Locke (1632–1704) quem lançou as bases do empirismo moderno. Um homem de muitos talentos e interesses diversos, Locke estudou teologia, ciências naturais, filosofia e medicina na Universidade de Oxford. Por dezessete anos, serviu como médico pessoal e conselheiro de lorde Ashley. Locke era ativo em assuntos políticos e, além de ocupar vários cargos públicos, ajudou a redigir uma constituição para as colônias americanas em 1669.

É comum dizer que o Iluminismo começou com a publicação do livro de Locke Ensaio sobre o entendimento humano em 1690. Com a possível exceção da Bíblia, nenhum livro foi mais influente no século XVIII do que o Ensaio de Locke. De acordo com seu próprio relato, a ideia para o trabalho começou quando ele e cinco ou seis amigos estavam envolvidos em um vigoroso debate sobre questões relativas à moralidade e à religião. Locke logo percebeu que essas questões muito difíceis nunca poderiam ser resolvidas até que primeiro se fizesse uma avaliação das capacidades e limites da capacidade de conhecer dos seres humanos. Como disse Locke: “Se pudermos descobrir até que ponto o entendimento pode estender sua visão; até que ponto tem faculdades para alcançar a certeza; e em que casos ela só pode julgar e adivinhar, podemos aprender a nos contentar com o que é atingível por nós nesse estado.”

Locke sobre a possibilidade de conhecimento

Locke pensou que era óbvio que a experiência nos dá conhecimento que nos permite lidar com sucesso com o mundo externo às nossas mentes. Portanto, Locke não é um cético sobre nossa capacidade de conhecer a realidade a nossa volta.

O conhecimento está localizado em nossas mentes e, para entender como ele é gerado e seus limites, devemos analisar os conteúdos de nossa mente. De acordo com Locke, os blocos de construção de todo o conhecimento são o que ele chama de ideias. É importante entender o significado único que Locke dá a esse termo porque difere do significado que ele tem para nós hoje. Ele diz que uma ideia é qualquer coisa que seja “o objeto imediato de percepção, pensamento ou compreensão”. Ele nos oferece uma coleção aleatória de exemplos para ilustrar o que ele quer dizer com “ideia”. Ideias são o tipo de coisa expressa por palavras como “brancura, dureza, doçura, pensamento, movimento, homem, elefante, exército, embriaguez e outros”.

Como um químico analisando um composto em seus elementos mais simples, Locke tenta encontrar as unidades básicas que compõem o nosso conhecimento. Os átomos de pensamento mais fundamentais e originais são ideias simples. A mente não pode inventar uma ideia simples, novinha em folha ou conhecer uma ideia que não tenha experimentado. Por exemplo, um dicionário definirá amarelo como a cor de um limão maduro. O dicionário pode referir-se apenas aos elementos da sua experiência para tornar a ideia clara.

Existem dois tipos de ideias simples. O primeiro tipo consiste em ideias de sensação, que são as ideias que temos de qualidades como amarelo, branco, calor, frio, suave, duro, amargo e doce. Tais ideias têm origem na observação do mundo ao redor. A segunda categoria de ideias simples são as ideias de reflexão, que são obtidas da nossa experiência de nossas próprias operações mentais. Assim, temos ideias de percepção, pensamento, dúvida, crença, raciocínio, conhecimento e desejo, bem como das emoções e outros estados psicológicos. Porque podemos observar a mente trabalhando, podemos pensar sobre o pensamento (ou qualquer outra atividade ou estado psicológico).

No entanto, essas ideias são sons únicos, cores e outros fragmentos isolados de sensação. Onde obtemos as ideias de objetos unificados, como livros e elefantes? Locke acreditava que, embora a mente não possa originar ideias simples, pode transformá-las em ideias mais complexas. Ideias complexas são combinações de ideias simples que podem ser tratadas como objetos unificados e recebem seus próprios nomes. Locke classifica as ideias complexas de acordo com as três atividades da mente que as produzem: composição, relação e abstração.

O primeiro tipo de ideias complexas é formado pela combinação ou união de duas ou mais ideias simples. Podemos combinar várias ideias do mesmo tipo. Por exemplo, podemos combinar nossas experiências limitadas de espaço para formar a ideia de espaço imenso  mencionado pelos astrônomos. Também podemos combinar várias ideias diferentes. A ideia que temos de uma maçã é a combinação das ideias mais simples de vermelho, redondo, doce e assim por diante.

Ao relacionar uma ideia com outra, podemos apresentar ideias complexas. Por exemplo, a ideia de mais alto só poderia acontecer relacionando e comparando nossas ideias de duas coisas. Marido e esposa, pai e filho, maior e menor, causa e efeito são exemplos de ideias que não são experimentadas sozinhas, mas derivam da observação de relações.

Finalmente, abstrair elementos comuns em uma série de experiências particulares nos fornece ideias gerais. Locke diz que podemos formar a ideia geral de livro abstraindo todas as qualidades que os livros em particular têm em comum e ignorando suas distinções individuais. Por exemplo, livros individuais vêm em cores e tamanhos específicos, mas todos os livros, em gera,l são objetos retangulares contendo páginas com escrita ou imagens. Quando nos referimos a cães, seres humanos, edifícios ou quaisquer outros grupos de coisas, estamos abstraindo as propriedades comuns encontradas em nossas experiências de indivíduos particulares.

Locke e tábula rasa

Filósofos racionalistas, como Descartes, acreditavam que a razão por si só era capaz de revelar como o mundo é. Isso porque a razão humana já possui algumas ideias inatas, ou seja, ideias que já nascem com a pessoa. Empiristas como Locke, por outro lado, acreditam que não podemos descobrir como o mundo é simplesmente raciocinando sobre ele. Todo conhecimento sobre o mundo deve passar pela experiência.

Locke atacou a noção de ideias inatas. Em contraste com a teoria dos racionalistas de que a mente naturalmente contém certas ideias, Locke propõe que a mente humana ao nascer é uma tábula rasa, uma expressão latina que significa “folha em branco”. Ao longo do tempo, a partir da sensação, a pessoa vai adquirindo uma quantidade muito grande de ideias. Em outras palavras, sem experiência, a mente não teria conteúdo.

Entretanto, uma vez que tenhamos algumas experiências, a razão pode processar esses materiais compondo, relacionando e abstraindo nossas ideias para produzir ideias mais complexas. Portanto, a razão por si só não pode nos dar conhecimento além da experiência.

Uma disputa importante entre os racionalistas e empiristas diz respeito à origem de nossas ideias. Ambos concordariam que nossa ideia de “banana” tinha que vir da experiência com bananas. No entanto, e a nossa ideia de perfeição? Esta questão é comparável à pergunta: O que veio primeiro, a galinha ou o ovo? Os racionalistas pensam que a ideia de perfeição é inata dentro da mente e, a partir dessa ideia fundamental, derivamos a ideia de imperfeição. Um dos argumentos de Descartes para a existência de Deus foi baseado na noção de que a ideia de perfeição tinha que ser plantada na mente por um ser perfeito, uma vez que não poderia ter vindo da experiência. No entanto, Locke diz que chegamos primeiro ao conceito de imperfeição a partir das coisas que experimentamos e depois removemos imaginativamente essas imperfeições até formarmos o conceito de perfeição. Por exemplo, estou ciente que meu conhecimento de computadores é limitado. Mas meu entendimento está crescendo continuamente à medida que minha ignorância é substituída por conhecimento. Assim, posso imaginar um ser cujo conhecimento não tenha nenhuma das lacunas que o meu possui, e essa imagem seria o conceito de conhecimento perfeito. Assim, a partir de nossa experiência, podemos raciocinar sobre coisas que não experimentamos.

Os empiristas pensam que a nossa ideia de infinitude, semelhante à nossa ideia de perfeição, pode começar com a nossa ideia do finito (tirado da nossa própria experiência limitada), da qual derivamos a ideia do infinito. Alcançamos esse conceito, diz Locke, repetindo imaginativamente e compondo nossas experiências de espaço, duração e número limitados, continuando esse processo de pensamento sem fim. Da mesma forma, podemos derivar a ideia de Deus imaginando-nos repetindo e infinitamente compondo nossas experiências finitas de existência, duração, conhecimento, poder, sabedoria e todas as outras qualidades positivas até chegarmos à nossa complexa ideia de Deus. Locke acreditava na existência de Deus, mas quando procura demonstrar que Ele existe, Locke recorre à evidência empírica tradicional presente no argumento cosmológico e no argumento do design inteligente.

Finalmente, Locke pensa que a ética pode ser colocada em uma base empírica. Como não temos sensações diretas que correspondam aos conceitos de bem e mal, devemos encontrar algumas outras sensações das quais essas noções podem ser derivadas. Como é típico das teorias morais empiristas, a teoria de Locke começa com nossas experiências de dor e prazer. Ele diz que chamamos de “bom” o que tende a nos causar prazer e “mal” qualquer coisa que tende a produzir dor. Desta forma, a experiência pode nos ensinar que certos tipos de comportamento são moralmente bons (como manter promessas e prevenir danos), porque levam aos resultados mais satisfatórios.

Locke afirma que, apesar de todas as diferenças culturais, os códigos morais da maioria das culturas têm um grande número de semelhanças. Essa semelhança existe porque a moralidade consiste na sabedoria derivada da experiência coletiva da raça humana. A experiência nos ensina que uma sociedade baseada na traição e no engano não será um lugar muito agradável para se viver, nem é provável que ela sobreviva por muito tempo. Mesmo que pensasse que a experiência pode nos ensinar o que precisamos saber sobre a moralidade, Locke tentou tornar essa visão consistente com suas crenças cristãs. Ele acreditava que Deus fez a experiência humana de modo que viver em conformidade com a lei divina produzirá as experiências mais satisfatórias a longo prazo, tanto para o indivíduo quanto para a sociedade.

Como o mundo realmente é?

Como o mundo realmente é? Será que o vermelho que vejo é o mesmo vermelho que você vê? O mundo como o cachorro vê é diferente do mundo como o vemos? Essa é uma questão presente na teoria do conhecimento que recebeu respostas diferentes. Os céticos, por exemplo, negam que possamos conhecer o mundo como ele é. Locke, por sua vez, tinha um pensamento misto sobre essa questão.

Se você comparar sua experiência sobre coisas como alimentos, clima, velocidade com a experiência de outra pessoa notará o seguinte. Algumas propriedades, como tamanho, forma ou movimento, são constantes, enquanto outras propriedades, como cor, temperatura ou sabor, podem mudar de uma circunstância para outra e são percebidas de forma diferente por pessoas diferentes.

Locke explica essa diferença distinguindo entre dois tipos de propriedades que um objeto pode ter. Propriedades que são objetivas, independentes de nós e que fazem parte da composição do próprio objeto são chamadas de qualidades primárias. As qualidades primárias de um objeto são suas propriedades de solidez, extensão, forma, movimento ou repouso e número. Em outras palavras, são as propriedades que podem ser expressas matematicamente e estudadas cientificamente. As propriedades que são subjetivamente percebidas, que são os efeitos que o objeto tem em nossos órgãos dos sentidos e cujas aparências são diferentes do objeto que as produz, são qualidades secundárias. Qualidades secundárias são propriedades como cor, som, sabor, cheiro e textura.

Voltando à questão sobre como o mundo realmente é, nossa experiência de qualidades primárias nos dá conhecimento da realidade como ela realmente é, mas nossa experiência de qualidades secundárias registra como o mundo objetivo afeta nossos órgãos sensoriais específicos. Assim, achamos fácil concordar com o tamanho, o número, a posição e a forma de um copo de chá gelado, porque essas são suas qualidades objetivas ou primárias. No entanto, podemos discordar se o chá é doce demais. Essa discordância é porque a doçura é uma qualidade secundária que não está realmente presente no chá, mas reflete as maneiras subjetivas como o chá afeta diferentes papilas gustativas. Um resultado da visão de Locke das qualidades secundárias é que ela retira do mundo externo todas as características que os artistas representam e os poetas descrevem. O que nos resta é o mundo que a ciência estuda, um mundo de propriedades materiais quantificáveis.