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Direitos humanos: significado, história e teoria

- 6 min leitura

Segundo pesquisa realizada no Brasil em 2018 pela Ipsos, quando perguntados “o que significa direitos humanos para você”, mais de 20% dos brasileiros responderam que são “direitos que defendem criminosos.” O restante associa direitos humanos à não discriminação segundo classe, raça, sexo, direito à saúde, à educação, à moradia e direitos de ir e vir.

Qual desses grupos está correto? Qual o significado dos direitos humanos? Quais são os direitos humanos? O que os direitos humanos têm a ver com a filosofia? No texto abaixo vamos abordar todas essas questões.

O que são direitos humanos?

Na história da humanidade, muitos tipos de leis já foram criadas para organizar o convívio em sociedade. Essas leis estabeleciam garantias como direito à vida, propriedade, algumas liberdades, punições para crimes etc. Em certo sentido, elas estabeleciam alguns “direitos humanos” para as pessoas que viviam sob tais leis.

Porém, o conceito de direito humano não é simplesmente uma lei que garanta a vida e a liberdade para um conjunto de pessoas determinado.

Os direitos humanos possuem três características que os definem. Se faltar uma dessas características, não estamos falando de direitos humanos.

Os direitos humanos são naturais

Os direitos humanos devem ser naturais, isso quer dizer que são direitos morais que qualquer pessoa possui simplesmente pelo fato de ser um ser humano.

Existem alguns direitos que não são naturais. Em alguns países as pessoas têm o direito de trafegar pela esquerda, o que no Brasil é proibido. Esse pode ser considerado um direito artificial, ou seja, criado pelo próprio Estado, e assim não é um direito humano, mas um direito de um cidadão de um país particular.

Pelo fato de os direitos humanos serem naturais, mesmo que um país não reconheça esses direitos em suas leis, os cidadãos desse país ainda assim possuem tais direitos. Suponha um país que não aceita a liberdade religiosa. Todas as pessoas são obrigadas a seguir a religião oficial estabelecida pelo Estado. De acordo com a ideia de direitos humanos, essas pessoas devem ter liberdade religiosa, pois são seres humanos, independente do país em que vivem.

Os direitos humanos são universais

Dizer que os direitos humanos são universais significa dizer que deveriam ser aplicados em qualquer lugar onde existam seres humanos. Assim, mesmo que um país qualquer não reconheça em suas leis os direitos humanos, deveria reconhecer, pois esses direitos são universais.

Os direitos humanos são iguais

Os direitos humanos são iguais para todos. Isso quer dizer que não pode haver discriminação de categorias de pessoas. Considere o exemplo da liberdade religiosa. Uma lei que estabelecesse que todas os católicos e espíritas têm liberdade religiosa, mas os umbandistas não, estaria infringindo essa ideia básica de que direitos humanos são iguais para todos. O mesmo é válido para qualquer tipo de discriminação: de gênero, classe social, racial etc.

Quais são os direitos humanos?

Os direitos humanos são direitos mínimos necessários e imprescindíveis para uma vida digna.

A ideia de qualquer ser humano, pelo simples fato de pertencer à espécie humana, tem direitos humanos passou a ser adotada na legislação de alguns países no final do século XVIII. Desde então, o que é considerado um direito humano foi sofrendo uma série de acréscimos.

A primeira declaração de direitos humanos ocorreu na  Declaração de Independência americana em 1776. No entanto, a mais conhecida é a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, na França, durante a Revolução Francesa.

A declaração de 1789 assegurava uma série de direitos como a liberdade religiosa, de pensamento e expressão, direito à propriedade, à participação política, e a garantia de que ninguém será punido por um crime exceto nos casos em que a lei determinada. Tais direitos são conhecidos como direitos civis e políticos.

Depois da Segunda Guerra Mundial, com a criação da ONU, uma nova carta de direitos foi criada. Promulgada em 1948, além dos direitos civis e políticos já reconhecidos no século XVIII, novos direitos passaram a ser vistos como indispensáveis à vida humana.

Entre eles estão o direito ao trabalho, à remuneração igual por trabalho igual, a uma remuneração justa, ao descanso, férias periódicas, à educação a um padrão de vida capaz de garantir saúde, alimentação, habitação e direitos à segurança em casos de velhice, viuvez, invalidez ou perda dos meios de subsistência. Esses são os direitos sociais.

Teoria dos direitos humanos

A ideia de um direito natural, universal e igualitário foi desenvolvida na filosofia política e moral e, em alguns aspectos, surgiu ainda na Grécia antiga, com os primeiros filósofos.

Porém, é na filosofia moderna que vários filósofos vão defender o conceito de direitos humanos. Tradicionalmente, John Locke (1632 – 1704) é considerado o primeiro a adotar essa concepção de direitos.

Direitos desiguais

É importante entender que ao longo da história existiram vários conjuntos de leis que contribuíram para organizar a sociedade. Nesse sentido, também estabeleciam direitos. Porém, muitas delas não eram igualitárias. Um exemplo notável disso foram as monarquias europeias do século XVI, XVII e XVIII. Nessas sociedades, a lei não era igual para todos. O caso mais emblemático é a figura no rei, que muitas vezes é considerado inviolável e não pode ser processado ou condenado por crimes. Ele está acima da lei e não está submetido a ela da mesma forma que o restante da população.

O trabalho de Locke sobre direitos humanos surge de uma discussão com Robert Filmer (1588 – 1653), um dos defensores da  monarquia. Esse pensador vê na monarquia a própria vontade de Deus, faz parte da ordem natural do mundo. Ele raciocina assim: inicialmente Deus deu o poder de governar todas as coisas à Adão. Os filhos de Adão deviam total obediência ao pai, a sua vontade era a lei. Com sua morte, um dos filhos herdou o poder de governar o mundo, e assim sucessivamente, de modo que todos os reis são, de alguma forma, descendentes de Adão, e são representantes de Deus na terra. É vontade de Deus que eles governem, assim como é Sua vontade que os demais obedeçam pacificamente às ordens e leis criadas pelos reis.

Nesse contexto, toda a população de um Estado é vista como súdita, já nasce tendo que obedecer ao pai e ao Rei. Nessa concepção, há uma desigualdade natural de direitos. Isso é justamente o contrário do que propõe os direitos humanos a dizer que todos nascem livres e iguais. Em primeiro lugar, ninguém nasce livre. Todos devem obedecer ao pai e ao rei. Em segundo lugar, há uma desigualdade natural: alguns nascem para mandar, outros para obedecer.

Para criticar essa concepção política de Filmer, Locke vai partir da ideia de que todos nascem livres, iguais e possuidores de uma série de direitos, como o direito à vida, à liberdade e à propriedade. Temos aí a base dos direitos humanos.

O contratualismo e a igualdade

Uma teoria crítica à ideia do direito divino do rei governar e defensora de que os seres humanos nascem livres e iguais é o contratualismo.

John Locke é um contratualista e foi a partir dessa concepção que criticou Robert Filmer. Os contratualistas pensam sobre a legitimidade do governo a partir do conceito de estado de natureza. Se voltarmos um pouco na história, vamos perceber que as sociedades do passado eram menos complexas que as nossas: eram menos populosas, usavam uma tecnologia menos desenvolvida, possuíam um nível de organização menos complexo. Se voltarmos mais ainda no tempo, provavelmente chegaríamos a um momento do desenvolvimento histórico no qual não existiria qualquer sociedade. Havia apenas alguns bandos e indivíduos isolados, vivendo de acordo com sua vontade, totalmente livres, sem dever obediência a um líder ou a um governo. Isso é um estado de natureza.

Nessa condição, argumenta Locke, todas as pessoas eram livres e iguais. Essa liberdade era total, na medida em que não havia o dever de obedecer a ninguém. Além disso, todos eram iguais, pois não existia qualquer distinção entre as pessoas.

No entanto, mesmo não existindo leis nessa condição, os seres humanos possuem uma série de direitos. O direito à vida, o direito à liberdade, à propriedade. Esses são direitos humanos naturais, universais, eternos. Eles são inerentes a todo indivíduo porque indispensáveis para que seja possível levar uma vida digna. Faz parte da ordem natural das coisas os seres humanos nascerem com esses direitos.

Porém, embora os seres humanos tivessem direitos no estado de natureza, eles nem sempre eram respeitados. Ocorre que algumas pessoas mais fortes poderiam pensar ser uma boa ideia obrigar outras a trabalhar para si. Assim, reduziam o direito à liberdade de alguns indivíduos. Ou então esperavam que produzissem através do trabalho alguma coisa e depois se apropriavam dos frutos desse trabalho.

Portanto, o estado de natureza há uma situação de insegurança pelo fato de não haver garantias reais de que os direitos naturais serão respeitados e, caso sejam violados, haja algum tipo de reparação, através de uma punição para aqueles que o desrespeitam.

É para resolver esse problema de insegurança e falta de garantias de que os direitos serão respeitados que os seres humanos fazem um contrato social. Através desse contrato, criam um Estado responsável por garantir da melhor forma possível o respeito aos direitos humanos naturais.

Assim, Locke argumenta que as pessoas nascem livres e iguais e criam o Estado como forma de garantir seus direitos. Ao contrário do que considera Filmer, ao defender que todos já nascem submetidos a um rei. Seu trabalho foi bastante influente no pensamento político foi bastante influente no século XVIII, nas revoluções francesa e americana, momento no qual muito daquilo que considerava um direito natural passou a se tornar lei e mudar os rumos da política e das ideias morais.

Referências e leitura adicional

“Human Rights,” por Andrew Fagan, The Internet Encyclopedia of Philosophy, ISSN 2161-0002, https://www.iep.utm.edu/.

Hunt, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. Curitiba: A Página, 2012.

Locke, John. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.