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O quarto chinês: o que significa ter uma mente?

- 4 min leitura

Antes de vermos como funciona o experimento do quarto chinês e a conclusão à qual leva, temos que entender a discussão que deu origem a ele. Existe na filosofia da mente um debate sobre se computadores podem ou não pensar. Alguns filósofos acreditam que sim, outros que não. Searle, através de seu experimento, procurou mostrar que os computadores, tal como são construídos atualmente, não serão capazes de pensar realmente.

O experimento mental do quarto chinês

Experimente você mesmo essa versão simplificada do quarto chinês. Começaremos assumindo que você não tem conhecimento da língua chinesa. Agora, imagine que você está em uma sala com um livro de regras bastante grande que dá instruções (em português) sobre como responder, em chinês, as perguntas que serão feitas a você. O manual de instruções não contém frases prontas, pois não há como prever quais sentenças você precisará processar. Além disso, não explica o significado dos símbolos para você.

Em vez disso, o manual contém regras formais para analisar sintaticamente um conjunto de símbolos chineses e construir outro conjunto de símbolos chineses que um falante nativo reconheceria como uma resposta apropriada. Por exemplo, suponha que você receba a seguinte mensagem: &**%%&&? O manual de instrução que tem em mãos diz que a resposta apropriada para essa pergunta é a seguinte: ¨¨####@! Assim, usando o manual você é capaz de responder de maneira apropriada sem conhecer chinês.

Os chineses que farão as perguntas colocam mensagens por baixo da porta escritas em chinês. Esses papéis contêm várias marcas compostas de linhas retas e curvas, nenhuma das quais você entende. Você olha essas figuras no livro. Em seguida, seguindo as instruções, você escreve outro conjunto de símbolos e passa essa mensagem de volta para os falantes de chinês do lado de fora. Embora você não possa saber, já que não entende inglês, os símbolos que deve processar são perguntas. Graças ao livro de regras, você é capaz de responder a essas perguntas em chinês, de maneira apropriada. Tanto que as pessoas do outro lado da porta são levadas a pensar que você domina a língua. O que não é verdade.

O significado do quarto chinês

Você pode ver que Searle está tentando construir com o experimento do quarto chinês algo como um Teste de Turing para entender o chinês. Nesse ponto, Searle apela para nossas intuições. Você passou no Teste de Turing enganando as pessoas do lado de fora que você é fluente em chinês. No entanto, apesar desse sucesso, você ainda não entende uma única palavra em chinês. Claramente, algo diferente está acontecendo quando você está manipulando símbolos chineses do que quando está recebendo e respondendo mensagens numa língua que você entende, como o português.

Searle afirma que essa manipulação formal de símbolos é comparável ao que acontece no programa de inteligência artificial de um computador. Seu ponto é que, não importa quão efetivo seja um programa de computador em simular conversas, ele nunca produzirá uma compreensão real. Assim, um programa de computador pode simular inteligência, mas não pode duplicá-la. Ao contrário do que pensam os defensores do IA forte, Searle afirma que um programa de computador não é nada parecido com uma mente, porque seus estados são diferentes de nossos estados cognitivos.

Mente e intencionalidade

Para usar um termo técnico da filosofia, os computadores não têm intencionalidade. Intencionalidade é uma característica de certos estados mentais (como crenças) pelos quais eles são direcionados para objetos ou estados de coisas no mundo. A intencionalidade é definida em termos de conteúdo e não de relacionamentos formais. Por exemplo, se você acredita que um objeto em particular é uma maçã, não apenas você está em um certo estado psicológico, mas esse estado está direcionado a um objeto específico no mundo.

Vamos aplicar a preocupação da Searle sobre a intencionalidade ao caso do livro de regras chinês. Suponha que o livro de regras lhe diga que a resposta ao símbolo #### é o símbolo &&&&. Mas para você, esses símbolos não têm nenhum significado. Em outras palavras, eles não se referem a nada externo a eles mesmos (falta de intencionalidade). Por outro lado, o símbolo “cachorro” é mais que um conjunto de marcas para você, ele possui uma referência. Produz um estado mental que se refere a um certo tipo de criatura peluda.

Se você perguntar a um computador que esteja executando um programa de inteligência artificial, “os cachorros podem voar?”, ele pode não ter nenhuma resposta programada. Mas a partir das informações em seu banco de dados de que “os cães não têm asas” e “a maioria das coisas que voam têm asas”, pode ser capaz de inferir a resposta e gerar a frase “os cães não voam.” Ao produzir essa resposta, o computador está manipulando e gerando símbolos exatamente como você estava na sala chinesa. Portanto, os estados do computador não possuem intencionalidade. O símbolo “cão” em sua memória está relacionado a outros símbolos, mas não se refere ao mundo real.

Apenas uma mente com intencionalidade, como a sua, é capaz de usar esse símbolo para se referir a outra coisa. Segue-se da posição de Searle que, na melhor das hipóteses, passar no Teste de Turing pode ser uma evidência de que o produtor das respostas aparentemente compreensíveis é capaz de simular uma mente, mas esse feito por si só não garante que de fato possua uma mente.

Searle usou o experimento do quarto chinês para argumentar contra o behaviorismo e o funcionalismo. É interessante notar que o próprio Searle é fisicalista. Ele acredita que os nossos estados mentais são causados pelos poderes causais únicos do nosso cérebro. Seu ponto é que um programa de computador que meramente manipula símbolos nunca poderia ter os poderes causais de produzir entendimento. Assim, Searle afirma que o behaviorista e o funcionalista estão errados porque ignoram os poderes causais únicos do cérebro físico em sua filosofia da mente. No entanto, os dualistas usaram seu exemplo para argumentar não apenas contra o behaviorismo e o funcionalismo, mas também contra o fisicalismo.

Referências e leitura adicional

Eric Matthews. Mente: conceitos chave em filosofia. Porto Alegre: Artmed: 2007.