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Hipárquia

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Hipárquia é notável por ser uma das poucas mulheres filósofas da Grécia Antiga. Atraída pelas doutrinas e dificuldades auto-impostas pelo estilo de vida cínico, Hipárquia viveu na pobreza com o marido, Crates. Embora nenhum texto dos cínicos existente seja diretamente atribuído à Hipárquia, os relatos anedóticos registrados enfatizam tanto sua retórica direta quanto sua não-conformidade aos papéis tradicionais de gênero.

Se casar é um papel social tradicional que os cínicos normalmente rejeitariam. Mas com seu casamento com Crates, Hipárquia elevou as expectativas culturais gregas em relação ao papel das mulheres no casamento, assim como a própria doutrina cínica. Com o marido, Hipárquia incorporou publicamente os princípios cínicos fundamentais. Especificamente, que o caminho para a virtude era viver de acordo com a natureza, evitar o materialismo convencional e abraçar a auto-suficiência. Relatos sobre a vida de Hipárquia referiam-se em particular à sua falta de vergonha ou anaideia, e a sua acuidade retórica nos simpósios gregos tradicionalmente frequentados apenas por homens. Com Crates, Hipárquia é considerada uma influência direta na filosofia estoica.

Hipárquia nasceu em Maroneia na Trácia. Ficou famosa por seu casamento com Crates, o cínico, e infame por supostamente consumar o casamento em público. Provavelmente nasceu entre 340 e 330 a.C., e estava em sua adolescência quando decidiu adotar o manto cínico. Ela pode ter sido apresentada à filosofia por seu irmão, Metrocles, que foi aluno no Liceu de Aristóteles e depois começou a seguir Crates. A maior parte de nosso conhecimento sobre Hiparquia vem de anedotas e ditos repetidos por autores posteriores.

Uma dessas anedotas afirma que Hipárquia estava tão ansiosa para se casar com Crates que ameaçou se matar se ele não aceitasse. Embora Crates já fosse um homem idoso, ela rejeitou seus pretendentes jovens porque se apaixonou pelos discursos e pela vida de Crates.

Seus pais imploraram a Crates que a convencesse a mudar de ideia e ele recorreu a todo que pode para isso. Vendo que não era bem-sucedido, tirou toda a roupa diante dela e disse: “eis o futuro esposo e aqui estão seus bens; decide, portanto, pois não poderás ser minha consorte se não se adaptares ao meu modo de viver”. Não é possível saber até que ponto essa história é verdadeira. De qualquer forma, sabemos que Hipárquia escolheu se casar com Crates e compartilhar suas atividades filosóficas.

A decisão de Hipárquia de se tornar uma cínica foi surpreendente, por causa do desrespeito cínico pelas instituições convencionais e pela extrema dificuldade de seu estilo de vida. Os cínicos tentaram viver “de acordo com a natureza” rejeitando convenções sociais artificiais e recusando todos os luxos, incluindo quaisquer itens não absolutamente necessários para a sobrevivência. Eles desistiram de suas posses, usavam apenas um simples manto e um deles até vivia num barril. O ideal de vida cínico era a autossuficiência.

A disposição de se casar com Crates também era incomum, considerando que o casamento é uma instituição social do tipo normalmente rejeitado pelos cínicos, e os cínicos anteriores, como Diógenes e Antístenes, sustentavam que o filósofo nunca se casaria.

Alguns autores relatam que Hipárquia e Crates fizeram sexo em um pórtico público. Se o conto é exato ou não, eles eram conhecidos por se comportarem em todos os aspectos de acordo com o valor cínico de anaideia, ou falta de vergonha. A história do casamento cínico de Hipárquia rapidamente se tornou o primeiro exemplo dessa virtude, que é baseada na crença cínica de que quaisquer ações virtuosas o suficiente para serem feitas em particular não são menos virtuosas quando realizadas em público.

A relação de Hipárquia e Crates influenciou seu pupilo Zenão de Cítio, o fundador do estoicismo. Ele irá defender a igualdade dos sexos, o exercício e treinamento público conjunto entre homens e mulheres e uma versão de “amor livre” em que aqueles que desejam ter sexo simplesmente satisfarão seus desejos onde quer que estejam no momento, mesmo em público.

Segundo alguns relatos, Hipárquia e Crates tiveram um filho, Hipárquia, gerado e criado de acordo com seus valores cínicos. Quaisquer que fossem os detalhes reais de suas práticas, seu exemplo influenciou as atitudes cínicas posteriores em relação à gravidez e à educação dos filhos. Por exemplo, uma das cartas atribuídas a Crates sugere que Hipárquia deu à luz “sem problemas” porque ela acreditava que o “trabalho de parto é a causa de não trabalhar”. O parto foi mais fácil porque ela continuou a trabalhar “como um atleta” durante a gravidez, o que o autor nota que é incomum. As cartas também mencionam o uso de um berço de casco de tartaruga por Hipárquia e água fria para o banho do bebê.

Hipárquia também é famoso por uma discussão com Teodoro, o Ateu, um filósofo cirenaico que havia desafiado a legitimidade de sua presença em um simpósio. Ele questionou sua presença citando um verso de Eurípides,

“quem abandonou a lançadeira junto ao tear?”

E Hipárquia respondeu:

“fui eu, Teodoro, mas acreditas que tomei uma decisão errada se dediquei à minha educação o tempo que teria dedicado ao tear?”

No antigo contexto cultural grego, as mulheres de sua classe social normalmente se ocupavam em tecer e organizar os criados domésticos, e a rejeição de Hiparquia das expectativas convencionais para as mulheres era bastante radical.

Hipárquia é a primeira filósofa sobre a qual temos alguns registros históricos além do nome. Já na antiguidade seu valor e contribuição foram reconhecidos. Segundo relatados, sua cidade natal teve o nome alterado em sua homenagem.

Referências e leitura adicional

Diógenes Laércio. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1988.