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Os sofistas

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Os sofistas foram um grupo de professores que viveram na Grécia Antiga, nos séculos V e IV a. C., que ganhavam a vida ensinando aos seus alunos como usar a linguagem para convencer as pessoas de qualquer coisa.

Por isso que sofista significa “profissional da astúcia”, uma referência ao fato de que eles eram muito bons em usar a linguagem de forma ardilosa para persuadir.

Para que serve um sofista?

Os sofistas podem ser considerados os primeiros filósofos que fizeram disso uma profissão remunerada. Se você pensar em outros filósofos da antiguidade, como Platão, Sócrates, Aristóteles, Demócrito, todos fizeram filosofia não como uma fonte de renda. Buscavam o saber unicamente pelo saber, sem receber um salário para isso. Os sofistas buscavam o conhecimento, sobre os mais diversos assuntos, para poder trabalhar como professores de retórica, a arte de convencer as pessoas.

Os sofistas viveram em Atenas, no período em que essa era uma democracia. A participação política era extremamente valorizada nesse contexto e a única forma de se destacar na multidão era sabendo fazer bom uso da linguagem. Se você vivesse em Atenas e desejasse aprovar ou revogar uma lei, teria que convencer os demais cidadãos de que isso seria uma boa ideia. É aí que entram os sofistas. Esses professores prometiam ensinar como convencer as pessoas de qualquer coisas que se desejasse.

Os sofistas, então, serviam para um grupo de pessoas com desejo — e dinheiro suficiente — de ser influente na vida política da cidade. Hoje, há todo um grupo de profissões que são um pouco “sofista”, como a advocacia, relações públicas, publicidade e propaganda. Em todos os casos, se faz uso de uma série de estratégias da arte de convencer.

A arte de convencer: o poder das palavras

Qual o poder das palavras? É possível convencer qualquer pessoa daquilo que desejamos? Os sofistas faziam propaganda enganosa?

Os sofistas acreditavam que a linguagem era poderosa. Górgias, por exemplo, escreveu um discurso com o título de Elogio a Helena sobre um tema curioso: “em defesa da mulher mais perversa da história.” Trata-se de Helena de Troia, mulher de Menelau, que foge com Páris para Troia e deixa um filho de nove anos, o que se torna um dos motivos para a guerra de Troia.

Górgias queria fazer o impossível, defender o indefensável, mostrar que Helena não foi responsável por suas ações ao fugir. Mas o texto também ilustra o poder das palavras, comparado às drogas e à força física.

O raciocínio de Górgias em seu discurso parte de uma verdade aceita por qualquer pessoa. Ninguém culparia uma mulher que foi subjugada pela força física e raptada. Essa não foi uma escolha sua, portanto não têm qualquer responsabilidade pelo que aconteceu. Em seguida, Górgias tenta mostrar que o poder das palavras é tão grande quanto o poder da força física e, assim, uma pessoa que é convencida a fugir, como Helena, também não deve ser culpada.

Escreve Górgias

Com efeito, como os diferentes remédios expulsam diferentes humores do corpo, e uns cessam a doença, outros a vida, assim os discursos, uns afligem, outros deleitam, outros atemorizam, outros dispõe os ouvintes à confiança, e outros por meio de uma persuasão maligna envenenam e enfeitiçam a alma. Que ela [Helena], então, se pelo discurso foi persuadida, não cometeu injustiça, mas foi infeliz.

Górgias tem razão ao afirmar que Helena é inocente? Para sua defesa ser bem sucedida ele teria que mostrar que a linguagem é tão irresistível quanto a força física. Porém esse não parece ser o caso. Mesmo a melhor propaganda não é totalmente eficaz. As pessoas submetidas a ela ainda podem refletir e escolher se irão acreditar ou não. O mesmo não acontece, por exemplo, quando uma pessoa é raptada através do uso da força física.

No entanto, a discurso de Górgias é um bom alerta sobre os efeitos do discurso e da propaganda. Fenômenos históricos como o nazismo servem para nos lembrar do quão poderosa pode ser a linguagem.

Temas do pensamento sofista

Os sofistas ganhavam a vida ensinando como persuadir as pessoas de qualquer coisa que fosse. Suponha que uma pessoa religiosa e intolerante deseje criar uma lei obrigando todos os demais cidadãos a adotar sua religião.

Para tentar mudar as leis de sua cidade, contrata um sofista para aprender a arte de convencer. Um sofista aceitaria sem problemas o desafio em troca de algum dinheiro.

Você certamente questionaria: mas esses sofistas não têm um código de ética? Eles fazem qualquer coisa em troca de dinheiro? Afinal, ele vai ensinar um intolerante religioso que procura obrigar toda uma cidade a fazer aquilo que ele quer?

Como um sofista responderia a esse questionamento?

O homem é a medida de todas as coisas

A resposta de Protágoras, um dos sofistas mais destacados, seria de que “o homem é a medida de todas as coisas” e assim não existe uma verdade absoluta. Vamos entender melhor isso.

Todas as sociedades criam leis e obrigam que os indivíduos as respeitem. Nossa sociedade, por exemplo, proíbe que as pessoas andem peladas em espaços públicos e quem desrespeitar essa norma está sujeito à punição. Por outro lado, na Grécia Antiga, era prática comum entre os homens fazer exercícios físicos completamente nus em espaços públicos.

Pintura de atletas gregos correndo nus. Na Grécia Antiga, esse comportamento era considerado correto e perfeitamente aceitável. O mesmo não ocorre hoje.

Quem está certo? Nós ou eles?

Para Protágoras, a resposta é: ambos estão certos e errados. Se uso o padrão atual, os gregos da antiguidade estão errados. Se uso o padrão dos gregos, nós é que estamos errados. Então, o que define o certo e o errado é o padrão adotado por um determinado grupo de seres humanos. É por isso que Protágoras diz que o homem é a medida de todas as coisas. Porque somos nós que definimos o padrão de certo e errado, algo será certo ou errado em função da medida que adotarmos.

E o que nos faz adotar um ou outro padrão? Por exemplo, porque não adotamos o padrão segundo o qual é certo andar nu em público?

Para os sofistas, isso tem a ver com a arte de convencer. Em algum momento da história, o grupo que não gostava da ideia de ficar pelado em público foi convencendo mais pessoas de que isso não era apropriado até se tornar o grupo dominante. A partir disso, pode criar novas leis que proibiam que as pessoas andassem nuas por aí. Para os sofistas, então, as leis não têm nada de especial. Elas não passam de convenções sociais adotadas por um determinado grupo.

A pergunta que havíamos feito anteriormente era se um sofista estaria agindo corretamente ao auxiliar uma pessoa intolerante a conquistar novos adeptos. Como “o homem é a medida de todas as coisa”, não há nada de errado em fazer isso. A intolerância religiosa não é incorreta em si mesma. Ela é incorreta porque muitas pessoas a consideram incorreta. Se a pessoa intolerante de nosso exemplo, com a ajuda do sofista, conseguir convencer um grande número de pessoas que não há nada de errado com a intolerância, isso se tornará a nova regra.

Conclusão

Os sofistas foram duramente criticados por Platão e Aristóteles, por cobrarem dinheiro em troca de conhecimento, por serem relativistas, por não acreditarem numa verdade única. Em que medida essas críticas estão corretas ou não é uma questão ainda em aberto. Ainda assim, é importante destacar o seu legado dentro da filosofia.

Os sofistas chamaram a atenção para o poder da linguagem e da propaganda para manipular o comportamento humano. Além disso, colocaram um desafio à crença, presente em todas as épocas e lugares, de que as convenções sociais adotadas por uma sociedade determinada são a última palavra em termos do que é certo ou verdadeiro.

Referência e leitura adicional

Osborne, Catherine. Filosofia Pré-socrática. Porto Alegre L&PM, 2013.