A Sociedade do cansaço de Byung-Chul Han
A síndrome de burnout é um distúrbio emocional caracterizado por um estado de esgotamento físico e mental relacionado ao trabalho. Em janeiro de 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu oficialmente o burnout na Classificação Internacional de Doenças (CID-11), reconhecendo-o como uma doença ocupacional.
Os principais sintomas do burnout incluem exaustão extrema, sensação de esgotamento mental, distanciamento do trabalho e redução na eficácia profissional. A pessoa acometida pela síndrome frequentemente experimenta um sentimento de desgaste constante e perda de energia. Relatos como o de Juliana Ramos de Castro, “comecei a sentir um cansaço fora do normal, onde mesmo descansando o fim de semana todo, não me recuperava”, descrevem bem esse problema.
No Brasil, os números relacionados a essa condição são significativos. De acordo com a Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt), cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros apresentam sintomas de burnout. O país ocupa a segunda posição mundial em casos diagnosticados, com um aumento de mais de 1000% nos afastamentos do trabalho por essa razão na última década.
A pergunta que fica diante dessa situação é porque estamos ficando esgotados de trabalhar num mundo no qual a tecnologia é cada vez mais capaz de executar trabalhos humanos. Ainda assim, trabalhamos cada vez mais. Por quê? O filósofo Byung-Chul Han desenvolveu um conceito para explicar esse fenômeno: segundo ele, vivemos em uma "sociedade de desempenho".
Han é um filósofo sul-coreano, nascido em Seul em 1959, que atualmente leciona na Universidade de Artes de Berlim, na Alemanha. Autor de diversas obras que analisam a sociedade contemporânea, ele é conhecido por suas reflexões críticas sobre temas como tecnologia, cultura digital e trabalho. Seu livro A Sociedade do Cansaço, publicado em 2010, no qual discute as razões pelas quais esse esgotamento mental afeta tantas pessoas e como resistir a esse processo.
Da sociedade disciplinar à sociedade de desempenho
Para compreender o conceito de sociedade de desempenho, é necessário primeiro entender do que nos afastamos. O filósofo Michel Foucault desenvolveu a ideia de "sociedade disciplinar", que caracterizava a organização social dos séculos XIX e início do XX. Byung-Chul Han parte dessa análise para mostrar como nossa sociedade se transformou.
Em seu livro A Sociedade do Cansaço, ele estabelece a seguinte comparação:
"A sociedade disciplinar de Foucault, feita de hospitais, asilos, presídios, quarteis e fábricas, não é mais a sociedade de hoje. Em seu lugar, há muito tempo, entrou uma outra sociedade, a saber, uma sociedade de academias de fitness, prédios de escritórios, bancos, aeroportos, shopping centers e laboratórios de genética. A sociedade do século XXI não é mais a sociedade disciplinar, mas uma sociedade de desempenho."
Na sociedade disciplinar, o objetivo fundamental das instituições era tornar as pessoas produtivas através da disciplina. Para alcançar esse fim, elas se organizavam com base em regras rígidas, hierarquias bem definidas e sistemas de vigilância constante. A escola tradicional é um exemplo claro desse modelo: os alunos devem seguir horários fixos, usar uniformes padronizados e manter a postura correta nas carteiras enfileiradas. A hierarquia se manifesta na relação professor-aluno e na própria disposição espacial da sala, com o professor à frente, supervisionando constantemente. O sistema de notas, chamadas e boletins funciona como um mecanismo de vigilância permanente do desempenho e do comportamento.
A sociedade de desempenho, em contraste, opera de maneira diferente. Tome como exemplo as academias de fitness e os laboratórios de genética, dois espaços emblemáticos dessa nova era. Na academia, não se trata mais de disciplinar o corpo para seguir normas rígidas, mas de otimizá-lo continuamente, buscando sempre maior força, resistência e produtividade. Os laboratórios de genética representam um passo além nessa busca por otimização: através da ciência, procura-se "aperfeiçoar" o ser humano, ultrapassando limites biológicos para maximizar seu potencial.
Esta transformação marca uma mudança fundamental: passamos da imposição externa de regras para a busca interna por maximização de resultados. Como observa Han, os habitantes dessa nova sociedade "não se chamam mais 'sujeitos da obediência', mas sujeitos de desempenho e produção". O indivíduo torna-se, simultaneamente, supervisor e supervisionado, sempre em busca de otimizar seu próprio desempenho.
Do excesso de negatividade ao excesso de positividade
Uma das principais diferenças entre a sociedade disciplinar e a sociedade de desempenho é a mudança de um regime de negatividade para um regime de positividade. Para entender essa transformação, precisamos analisar como o poder opera em cada modelo.
Na sociedade disciplinar, o poder se exercia principalmente através de proibições e punições. O cotidiano era marcado por comandos negativos: "não faça isso", "não vá ali", "obedeça às regras". Na escola tradicional, por exemplo, havia regras claras sobre não conversar durante a aula, não circular pelos corredores sem autorização, não chegar atrasado. A disciplina funcionava estabelecendo limites, criando barreiras e regulando o comportamento por meio de normas que definiam principalmente o que não podia ser feito.
Em contraste, a sociedade de desempenho se caracteriza pelo excesso de positividade. O poder não opera mais pela proibição, mas pelo incentivo constante. As mensagens mudaram: "Você pode!", "Just do it", "Seja o melhor", "Supere seus limites". Nas empresas modernas, por exemplo, não há mais um chefe dizendo o que não fazer, mas metas de produtividade a serem alcançadas, projetos para desenvolver, habilidades para aperfeiçoar. O trabalhador é incentivado a ser "proativo", "empreendedor de si mesmo", "multitarefa".
Este novo modelo parece, à primeira vista, mais libertador. Afinal, não há mais alguém impondo regras diretas ou vigiando constantemente. No entanto, Han argumenta que essa aparente liberdade esconde uma forma mais sutil e eficiente de controle. O sujeito do desempenho internaliza as demandas por produtividade e se torna seu próprio supervisor. Em vez de um chefe exigindo horas extras, é a própria pessoa que decide trabalhar até mais tarde para "aproveitar o momento" ou "se destacar".
A pressão não vem mais de fora, mas de dentro. O indivíduo se cobra constantemente: precisa estar sempre produzindo, sempre se atualizando, sempre em movimento. Nas redes sociais, por exemplo, não há ninguém obrigando a postar conteúdo ou responder mensagens imediatamente, mas muitas pessoas sentem uma compulsão interna para estar sempre "online" e "engajadas". O mesmo ocorre com estudantes que, mesmo sem cobranças diretas, sentem que precisam estar sempre estudando mais, fazendo mais cursos, acumulando mais certificados.
O resultado desse excesso de positividade é paradoxal: em vez de mais liberdade, temos mais pressão; em vez de mais satisfação, temos mais ansiedade. Como observa Han, essa sociedade produz um novo tipo de violência: a auto exploração. O sujeito do desempenho é, ao mesmo tempo, agressor e vítima, executor e executado. Ele se esgota na busca constante por mais produtividade, mais eficiência, mais realização, sem nunca sentir que fez o suficiente.
Esta transição da negatividade para a positividade ajuda a explicar por que, mesmo em uma época com tantos recursos tecnológicos para facilitar o trabalho, as pessoas estão cada vez mais exaustas. Não é o excesso de proibições que nos cansa, mas o excesso de possibilidades e a pressão interna para aproveitá-las todas.
Referências
CARVALHO, Rone . Burnout: o Brasil enfrenta uma epidemia de exaustão no trabalho? - BBC News Brasil. BBC News Brasil. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/articles/cnk4p78q03vo>. Acesso em: 23 out. 2024.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: Nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2014.
HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Rio de Janeiro: Vozes, 2015.
JORNAL DA USP. Síndrome de burnout acomete 30% dos trabalhadores brasileiros. Jornal da USP. Disponível em: <https://jornal.usp.br/radio-usp/sindrome-de-burnout-acomete-30-dos-trabalhadores-brasileiros/>. Acesso em: 23 out. 2024.