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O homem é o lobo do homem

- 4 min leitura

“O homem é o lobo do homem” é uma expressão do filósofo Thomas Hobbes que quer dizer que, se não existir um Estado que imponha leis, o ser humano se se torna o maior inimigo de si mesmo e vive numa “guerra de todos contra todos”.

Thomas Hobbes foi um filósofo inglês do século XVI defensor das  monarquias absolutistas. Para justificar sua escolha por essa forma de governo, desenvolveu toda uma reflexão sobre o homem no estado de natureza e sobre a violência que caracteriza seu comportamento nessa condição.

Para compreendermos o pensamento de Hobbes podemos recorrer a um filme brasileiro muito conhecido: cidade de Deus. No filme acompanhamos a história de Buscapé, um fotógrafo que está iniciando sua carreira. Mas o que nos interessa aqui é a história que serve de pano de fundo: o conflito entre gangues rivais da Cidade de Deus.

Como seria viver numa sociedade sem Estado? Sem leis, sem governo, sem polícia? Seríamos capazes de manter uma relação pacífica com outras pessoas? Ou viveríamos em conflito constante?

Se considerarmos o filme cidade de Deus, optaríamos naturalmente pela segunda opção: sem o Estado, viveríamos em conflito constante. Era essa a opinião de Hobbes. Para ele, numa situação em que chamava de estado de natureza (um conceito que se refere a uma sociedade sem Estado, sem leis) prevalecia uma guerra de todos contra todosSe voltássemos a um passado remoto, antes de a humanidade criar governos e outras formas de controlar a liberdade dos indivíduos, veríamos que os maiores inimigos do homem  não eram os animais selvagens ou a natureza. Hobbes dizia que, no estado de natureza, o homem é o lobo do homem. 

O estado de natureza hobbesiano nos é bastante familiar se considerarmos comunidades no Brasil controlados pelo tráfico de drogas, como a Cidade de Deus do filme.

Mas podemos ir além dessa constatação e tentar entender: por que afinal os homens entram em conflito na ausência de Estado?

A origem da violência

Hobbes tem uma explicação para isso. Segundo nosso autor, há, “como tendência geral de todos os homens, um perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder, que cessa apenas com a morte”.  O motivo pelo qual o homem deseja mais poder é garantir sua sobrevivência no estado de natureza. Como ele não tem qualquer garantia de que não será atacado por outra pessoa mais forte e ter sua comida, mulher, filhos roubados, é racional se tornar o mais forte possível para poder defender suas propriedades e pessoas que ama. O que o faz desejar mais poder não é uma natureza inata, mas a lógica da anarquia que prevalece no estado de natureza.

O desejo de poder faz com que os seres humanos se encontrem numa situação de desconfiança mútua e possíveis conflitos. Isso porque uma das formas óbvias de aumentar o próprio poder no estado de natureza é roubando outros homens e fazendo com que trabalhem para você, seja em troca de algum benefício (um salário, proteção) seja como escravo, já que não há nada no Estado de natureza que proíba isso.

Outro fator que contribui para a guerra de todos contra todos da qual fala Hobbes é a lógica do ataque preventivo. Ou seja, antes que meu vizinho invada minha propriedade e se apodere de minhas coisas, me antecipo e o ataco. Poderíamos usar a seguinte analogia para entender isso. Imagine que você, enquanto dorme, se acorda com um barulho de alguém forçando a porta de sua casa e entrando para roubá-lo. Você pega uma pistola na gaveta do criado mudo e vai ao encontro do assaltante que também está com uma arma na mão. Quando se veem, ambos pensam: “eu não quero matar essa pessoa, mas se não fizer isso ela vai me matar. Talvez seja melhor disparar nele antes que dispare em mim.” E assim, para evitar ser atacado, você será tentado a atacar primeiro, mesmo que, no fim das contas, o assaltante não tivesse qualquer intenção de te matar, mas apenas fugir ileso.

Ambas as situações, tanto o desejo de mais poder para garantir a sobrevivência quanto o ataque preventivo são situações que podemos observar na Cidade de Deus. No filme  Zé Pequeno representa o desejo ilimitado de poder do qual nos fala Hobbes. Em função disso, toma o controle de todas as “bocas de fumo” da cidade, com exceção da “boca” do Cenoura. E,  depois de vários acontecimentos e motivado pela perspectiva de tomar o controle de todo o tráfico da Cidade de Deus e acabar com qualquer possibilidade de perder seu posto de poder, trava uma guerra contra a gangue de Cenoura.

Portanto, o estado de anarquia (ausência de governo) leva, segundo Hobbes e a partir do que observamos na Cidade de Deus, a uma situação insustentável de violência e barbárie.

Como solucionar esse problema e tornar a convivência humana mais harmoniosa e tolerável?

O contrato social

Para Hobbes a resposta era uma só. Precisamos atribuir a uma pessoa o direito ao uso legítimo da força e renunciar ao nosso direito natural de auto proteção Precisamos de um governo que acabe com a lógica da anarquia. E esse governo deve ser um governo com poderes absolutos pensava nosso autor. Ou seja, uma pessoa que tem poder total sobre todas as demais. Encarregado de criar as leis e zelar para que elas sejam cumpridas, punindo aqueles que as desrespeitarem.  Fazendo com que a punição seja certa, não há vantagens em atacar o vizinho. E com a segurança de não ser atacado, não faz mais sentido o ataque preventivo. Portanto é apenas através do governo que é possível superar a lógica da anarquia que prevalece no estado de natureza.

Referências

Steven Pinker. Tábula rasa. São Paulo: Compainha das Letras, 2004

Rúrion Soares Melo. Manual de Filosofia Política. São Paulo: Saraiva, 2018.