Uma abordagem moderada para o melhoramento genético
Desenvolvimentos revolucionários na ciência biomédica, particularmente na genética, podem levar a novas curas ou terapias preventivas para uma ampla variedade de doenças humanas. Quase todo mundo concorda que isso seria uma coisa boa. No entanto, os mesmos tipos de desenvolvimentos que podem ser usados para combater a doença também podem ser usados para o melhoramento humano – isto é, para tornar as pessoas “melhores do que bem de saúde”.
Considere testes genéticos, por exemplo. Testes genéticos de embriões produzidos por fertilização in vitro (FIV) podem nos permitir detectar sequências genéticas conhecidas por estarem associadas a uma ampla variedade de doenças antes que os embriões sejam implantados no útero da mãe. Os casais podem, assim, aumentar a probabilidade de ter filhos saudáveis, optando por implantar apenas os embriões que não possuam doenças genéticas. À medida que aumenta o conhecimento sobre a relação entre genes e características humanas, seremos capazes de detectar também sequências genéticas associadas a uma ampla variedade de características desejáveis. Muitos pais podem então querer selecionar características como altura, inteligência, força, beleza e assim por diante, com o objetivo de dar a seus filhos vidas de melhor qualidade. Os limites dependeriam da extensão em que uma base genética para tais características fosse eventualmente demonstrada pela ciência genética. Podemos imaginar um futuro em que cada embrião produzido via FIV receba um “boletim genético”, indicando predisposições a um grande número de traços humanos vantajosos e desvantajosos.
Possibilidades semelhantes podem surgir via engenharia genética. Quando as doenças são causadas pela ausência em uma pessoa de determinado conjunto de genes importantes ou pela presença de uma sequência genética causadora de doença, pode eventualmente ser possível inserir a sequência em falta ou substituir a sequência patogênica por uma sequência normal, por meio de “terapia genética”. Se e quando esses procedimentos forem aperfeiçoados, também poderá ser possível alterar o genoma de um indivíduo apenas para fins de melhoramento. Sequências genéticas associadas à estatura normal, por exemplo, podem ser substituídas por aquelas associadas à estatura maior que a média, ou mesmo excepcional; sequências genéticas associadas à capacidade cognitiva normal podem ser substituídas por aquelas associadas à capacidade cognitiva superior à média, ou mesmo excepcional, e assim por diante. Os limites dependerão, novamente, da medida em que as relações entre genes e traços humanos são eventualmente demonstradas pela ciência genética e, neste caso, também na medida em que se torna tecnicamente possível fazer mudanças precisas nos genomas humanos.
Isso, obviamente, levanta questões sobre se as intervenções genéticas orientadas para o aprimoramento não terapêutico são ou não moralmente permissíveis, e se devem ou não ser permitidas legalmente. A maioria das pessoas concorda que o uso desses procedimentos para reduzir doenças seria relativamente pouco problemático, pelo menos se esses procedimentos puderem ser seguros e eficazes. Por outro lado, muitos se opõem à ideia de usar a tecnologia biomédica para fins de melhoramento. Mas por que isso deveria ser assim?
O bem dos indivíduos versus o bem da sociedade
Os defensores do melhoramento muitas vezes defendem que esse é, por definição, uma coisa boa. “Melhorar” significa “deixar melhor, aperfeiçoar”. Então, quando estamos falando de melhoramento, estamos necessariamente falando de tornar as pessoas melhores do que elas teriam sido em termos de bem-estar geral. No caso da triagem genética no contexto da fertilização in vitro, estamos falando de pais escolhendo embriões que, com base na melhor informação disponível, esperam ter a vida mais saudável ou mais feliz. O que, alguém se pergunta, poderia estar errado com isso?
A melhor objeção ao melhoramento humano apela para potenciais consequências sociais adversas. Em outras palavras, pode ser bom para indivíduos que se submeterem a tais terapias médicas, mas ruim para a sociedade como um todo. Em particular, espera-se que a prática do melhoramento humano leve a um aumento da desigualdade social. Se os tipos de tecnologias genéticas discutidos acima forem de fato desenvolvidos, então eles presumivelmente estarão disponíveis apenas para pessoas que tenham dinheiro para pagar. É difícil imaginar que eles seriam disponibilizados gratuitamente a todos através de sistemas universais de saúde, que, devido a restrições de recursos, muitas vezes são incapazes de fornecer serviços médicos necessários a todos os que deles necessitam. Assim, os relativamente ricos serão capazes de melhorar a si mesmos e a seus filhos, enquanto os relativamente pobres e seus filhos permanecerão sem melhorias. Os ricos geneticamente melhorados terão vantagens competitivas ainda maiores do que atualmente. A divisão entre os que têm e os que não têm aumentará inevitavelmente e se tornará mais intratável. Ou assim diz o argumento.
Esse tipo de apelo à igualdade é rotineiramente feito por aqueles que se opõem ao melhoramento genético. Defensores do melhoramento genético rotineiramente respondem apontando que já toleramos uma ampla variedade de melhoramentos não-genéticos que promovem a desigualdade. Os ricos enviam seus filhos para escolas especiais, acampamentos esportivos, aulas de música e assim por diante – e essas coisas aumentam as vantagens das crianças que já são favorecidas de outras maneiras. O que, perguntam os defensores do melhoramento genético, poderia ser tão diferente sobre melhorias genéticas que estariam errados, enquanto outros tipos não-genéticos de melhoramentos são perfeitamente aceitáveis? Dado que é difícil imaginar o que poderia ser tão especial e diferente quanto ao melhoramento genético (seguro e eficaz), eles concluem que o melhoramento genético também deve ser aceitável. Os defensores do melhoramento costumam pensar que isso deveria ser um argumento que põem fim à discussão.
No entanto, esse argumento em defesa do melhoramento não é totalmente convincente. Pode ser verdade que não há diferença moral inerente entre o melhoramento genético e os outros tipos de aprimoramentos enumerados acima. Mas pode muito bem haver diferenças importantes em escala. Se um número suficiente de recursos genéticos se tornar disponível, seu uso se tornar suficientemente difundido, e eles se mostrarem especialmente poderosos em seus efeitos sobre as capacidades das pessoas, a extensão de seu impacto na igualdade poderá ser muito maior do que as escolas particulares e aulas especiais atualmente disponível.
Meios não genéticos de melhoria
Segundo alguns autores, a ameaça à igualdade representada pelo melhoramento genético pode ser sem precedentes. Os tipos existentes de aprimoramento podem ser toleráveis porque valorizamos a liberdade dos indivíduos para persegui-los e porque as desigualdades resultantes não são ruins o suficiente para justificar a restrição dessa liberdade. Por outro lado, se as consequências das desigualdades fossem suficientemente ruins, as considerações de liberdade poderiam ser superadas por considerações de igualdade.
Além de ser injusta, a desigualdade profunda pode comprometer a democracia e a estabilidade social. A desigualdade severa pode, assim, piorar significativamente a situação de todos. E o uso de aprimoramento genético poderia ter efeitos adversos na sociedade de outras maneiras. Uma preocupação menos discutida sobre as consequências sociais do melhoramento é que, se se tornar especialmente lucrativo desenvolver e oferecer serviços de melhoramento genético, isso acabará drenando a pesquisa médica e os recursos de prestação de assistência médica do tratamento e prevenção de doenças.
Já nos deparamos com uma situação conhecida como a “divisão de 10/90”: 90% dos recursos de pesquisa médica se concentram em doenças que respondem por 10% da carga global de doenças. Isso ocorre porque a maioria das pesquisas médicas se concentra no desenvolvimento de drogas e outras intervenções que geram mais lucro, em vez daquelas que são mais importantes do ponto de vista da saúde pública global. Podemos imaginar que essa situação só será exacerbada se a prestação de serviços de melhoramento genético for altamente lucrativa. Se ocorrer um esgotamento de recursos, a melhoria de qualidade de vida resultante do aprimoramento podem ser menores do que as obtidas se esses recursos tivessem se concentrado na redução de doenças e na prevenção do sofrimento.
Valores Conflitantes
Questões sobre a ética do melhoramento genético, portanto, giram tanto em questões empíricas não resolvidas quanto em questões filosóficas não resolvidas.
Há questões empíricas não resolvidas sobre (1) a extensão da desigualdade que provavelmente resultaria de uma prática irrestrita de melhoramento humano e (2) o impacto geral que uma prática irrestrita de melhoramento humano teria no bem-estar humano. Não podemos prever tais consequências com certeza, é claro, mas a pesquisa interdisciplinar de ciências sociais, incluindo modelagem sofisticada e assim por diante, poderia lançar alguma luz sobre o impacto potencial do melhoramento genético sob vários cenários. Enquanto isso, é surpreendente e lamentável que tantos filósofos tenham derramado tanta tinta na discussão especulativa sobre as consequências sociais do melhoramento genético – contando histórias sobre por que o impacto do melhoramento genético na igualdade social ou no bem-estar será ou não problemático. Esses filósofos deveriam admitir com mais frequência que as questões sobre o provável impacto do aprimoramento, em última análise, exigem pesquisa empírica por parte daqueles com a perícia apropriada para conduzi-lo. Eles devem parar de fingir que essas questões empíricas são realmente questões filosóficas.
O espectro do melhoramento genético, no entanto, também levanta questões filosóficas importantes e difíceis – mas estas receberam atenção insuficiente, sendo apenas muito raramente abordadas explicitamente na literatura sobre o assunto. As principais questões filosóficas não resolvidas dizem respeito a como o valor da liberdade pessoal deve ser pesado contra a igualdade social e o bem-estar nos casos em que esses valores entram em conflito.
A liberdade é um valor importante, e existem presunções amplamente aceitas em favor de sua proteção, a menos que haja boas razões para interferir nela. A liberdade é justamente considerada especialmente importante no contexto da reprodução em particular. Na medida em que colocamos um valor especialmente alto na liberdade reprodutiva, devemos relutar em restringir as escolhas dos pais em relação ao melhoramento genético de seus filhos.
No entanto, a liberdade não deve ser pensada como tendo prioridade absoluta sobre todos os outros valores. Liberdade, igualdade e bem-estar são importantes, por isso nenhum deve ter prioridade absoluta sobre os outros. Assim, se os custos sociais da prática irrestrita de melhoramento genético forem suficientemente grandes (isto é, desastrosos) para o bem-estar ou a igualdade, então a importância da liberdade individual pode ser superada pela importância desses outros valores. A questão filosófica não resolvida é, portanto: quão prejudicial seria a melhoria social para que a liberdade pessoal fosse justamente superada? Isso aponta para uma necessidade de desenvolvimento teórico nos campos da ética e da filosofia política.
Atualmente, existem três abordagens principais na filosofia moral. Primeiro, os utilitaristas argumentam que o bem-estar agregado é a única coisa que importa para a sociedade, e, portanto, a “utilidade”, o maior benefício para o maior número de pessoas, deve sempre ser promovida, mesmo à custa da liberdade e da igualdade. Em contraste, os igualitaristas frequentemente atribuem peso extremo ao valor da igualdade; e libertários colocam peso extremo no valor da liberdade. Cada uma dessas perspectivas enfatiza um valor importante. Mas cada uma delas também trás consigo algo errado, na medida em que cada uma tende a colocar peso absoluto ou preponderante nos valores que enfatizam. Nesse último aspecto, elas estão desalinhadas com o pensamento ético do senso comum e com o que geralmente é considerado uma boa formulação de políticas. Para resolver questões sobre melhoramento genético e muitas outras questões difíceis na ética prática, precisamos de uma quarta abordagem que forneça uma maneira fundamentada de encontrar um equilíbrio ou fazer concessões entre liberdade, igualdade e utilidade em casos de conflito. O desenvolvimento de uma teoria “pluralista moderada”, como essa, seria necessária para determinar até que ponto os custos de bem-estar coletivo precisariam ser justificados para negar às pessoas a liberdade de melhorar a si mesmas e seus filhos, e até que ponto
Michael J. Selgelid. A Moderate Approach To Enhancement. (Tradução Nossa)
Michael Selgelid é diretor do Centro de Bioética Humana da Universidade Monash, em Melbourne.