Argumento do designio
O Argumento do Desígnio (também conhecido como Argumento Teleológico) parte do fato de que o universo comporta toda a espécie de padrões ou de regularidades, tão diferentes como os intrincados padrões dos flocos de neve, a lei da atração universal e a maravilhosa complexidade do corpo humano. Algumas espécies de ordem (como, por exemplo, a ordem num mecanismo de um relógio de pulso ou na construção de uma represa por um castor) são explicadas pelo homem ou por outros animais. Mas muitas regularidades não podem ser explicadas dessa maneira; por exemplo, a ordem dos cristais ou a constância do ponto de fusão de cada uma das diferentes espécies de elementos. O argumento do desígnio postula um deus para explicar essas espécies de ordem que não são explicadas de outra maneira. Eis uma versão do argumento do desígnio:
- Há ordem no universo.
- Mas a ordem não pode existir sem desígnio. (Isto é, sem um projetista).
- ∴ Logo, tem de haver um projetista: Deus.
A força psicológica e apelativa do argumento é óbvia. A estonteante e maravilhosa complexidade de algo como o corpo humano parece exigir um projetista — um ser que calculou como funcionaria e depois o compôs. Nem a teoria da evolução satisfaz esta necessidade, dado que os detalhes de tais teorias dependem de leis da física e da química que, elas mesmas, exibem maravilhosas regularidades. No entanto, o argumento tem deficiências sérias ou mesmo fatais.
Objeções ao Argumento do Desígnio
A objeção mais óbvia é a de que, no melhor dos casos, o argumento do desígnio apenas prova que há um projetista e não um Deus comum, tal como o argumento da causa primeira apenas provaria que há uma primeira causa. O projetista, claro, não precisa ser um Deus comum; poderia muito bem ser o diabo, muitos deuses, outro deus ou, talvez, um deus já morto. Mas o argumento do desígnio nem sequer prova tanto porque a sua segunda premissa (a de que a ordem não poderia existir sem um ordenador) é duvidosa, para não dizer pior. Porquê assumir que a ordem não pode existir sem um organizador?
Afirma-se muitas vezes que podemos justificar a existência de um projetista por um método chamado indução. Verifica-se que muitas coisas que manifestam ordem (relógios de pulso, por exemplo) foram deliberadamente compostas por projetistas humanos ou animais. Já vimos muitos relógios que sabemos que são projetados por humanos, mas nunca vimos um que, sendo investigado, provasse não ter sido projetado desse modo. Portanto, se agora descobrirmos um relógio de pulso na areia de uma praia deserta, pressupomos (por indução) que também foi projetado por humanos.
Os flocos de neve, as leis da natureza e o corpo humano manifestam ordem (apesar de, claro, nunca termos visto um projetista, humano ou não, a projetá-los). Sabemos, claro, que os seres humanos (ou noutros animais) não podem tê-los ordenado, pelo que concluímos, por indução, algum organizador não-animal, nomeadamente Deus, deve tê-los feito assim.
Mas esta conclusão não está justificada. Quando concluímos por indução que o relógio de pulso encontrado na areia não se ajeitou sozinho ou que não apareceu completo por acidente, e que, portanto, teve de ter sido projetado por seres humanos, estamos seguros. O nosso argumento assemelha-se a isto:
- Já foram observados muitos relógios de pulso, e todos os que foram examinados foram projetados por humanos.
- ∴ Este relógio teve de ter sido projetado por seres humanos.
Podemos, inclusive, argumentar em termos mais gerais e, portanto, de uma maneira mais poderosa, assim:
- Muitos dispositivos mecânicos foram já observados, e de todos os que foram examinados se concluiu que foram projetados por humanos.
- ∴ Este dispositivo mecânico (que, por acaso, é um relógio de pulso) teve de ter sido projetado por seres humanos.
Veja-se agora quão mais geral um argumento teria de ser para nos levar até um projetista de flocos de neve, leis da natureza ou seres humanos:
- Muitas das coisas organizadas têm sido observadas e de todas as que foram examinadas se concluiu que foram projetadas por humanos.
- ∴ Esta coisa organizada (que, por acaso, é um floco de neve, uma lei da natureza ou um ser humano) teve de ter sido projetada por um projetista.
O argumento é claramente defeituoso porque a sua premissa é obviamente falsa. Há um grande número de coisas ordenadas para as quais não descobrimos um projetista ou um organizador — flocos de neve, arco-íris, cristais e seres humanos são algumas delas. (Se há um deus que projetou todas essas coisas, então, para observarmos o projetista de flocos de neve a trabalhar, teríamos de apanhar Deus no ato de os moldar a partir de H2O, ou, talvez, de o apanhar no ato de criar as leis da física de que resulta que H2O se compõe a si mesmo em flocos de neve).
O ponto é o de que as coisas que manifestam ordem parecem cair em duas classes distintas: aquelas que nós (ou outros animais) ordenaram; e aquelas que não ordenamos. Já verificamos e encontrámos muitos itens da primeira classe que são projetados por humanos. Mas nunca encontrámos um projetista para um só membro da segunda classe. Portanto, não estamos autorizados a concluir por indução que toda a ordem implica um organizador ou um projetista. Logo, o argumento pelo desígnio não pode ser apoiado pelo raciocínio indutivo. Se estamos prontos para o aceitar, tem de estar a fazê-lo sem razão, isto é, pela fé.
Texto traduzido de Kahane, Howard. Thinking About Basic Beliefs. Wadsworth, Belmont, 1983, pp. 6-9.