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Introdução ao debate filosófico sobre o livre-arbítrio

- 4 min leitura

Em 1924, o advogado criminalista Clarence Darrow defendeu dois adolescentes, Nathan Leopold Jr. e Richard Loeb, acusados de assassinar um menino de 14 anos em Chicago. Ambos os jovens, provenientes de famílias ricas e altamente educados, cometeram o crime como parte de uma “experiência” intelectual, buscando realizar o crime perfeito. A confissão deles gerou grande comoção pública, com muitos clamando pela pena de morte.

Darrow, em sua defesa, argumentou que Leopold e Loeb eram vítimas de sua hereditariedade e do meio ambiente em que cresceram. Segundo ele, os jovens não eram mais responsáveis pelo crime do que pela cor dos seus olhos 1

Eu não sei o que fez esses garotos fazer isso, mas sei que há uma razão para isso. Eu sei que eles não criaram a si mesmos. Sei que qualquer uma de um número infindável de causas, que remontam ao começo de suas vidas, podem estar trabalhando nas mentes desses rapazes.

A natureza é forte e ela é impiedosa. Ela trabalha do seu jeito misterioso e somos suas vítimas.

Com sua defesa, Darrow conseguiu convencer o júri a poupar os dois da pena de morte, resultando em uma sentença de prisão perpétua.

A partir desse exemplo, podemos levantar duas questões filosóficas fundamentais. Em primeiro lugar, Leopold e Loeb tiveram liberdade de escolha ao planejar e executar o assassinato? Ou, como queria seu advogado, eles foram determinados pelo seu meio e hereditariedade? Em segundo lugar, eles deveriam ser responsabilizados e punidos por suas ações, ou foram simplesmente vítimas de circunstâncias além do seu controle? Essas perguntas nos remetem ao debate filosófico sobre liberdade e determinismo: até que ponto somos realmente livres? Podemos ser considerados responsáveis por nossas ações caso elas tenham sido determinadas?

Ao longo da história, essa discussão teve diferentes abordagens. Na antiguidade e até o início da Idade Moderna, o debate girava em torno da possibilidade de livre-arbítrio em um mundo criado por Deus, um ser onisciente que tudo sabe e tudo prevê. O problema era: se Deus já sabe tudo o que vai acontecer, incluindo nossas ações, ainda podemos ser verdadeiramente livres? Esse dilema é conhecido como teodiceia.

Com o desenvolvimento da ciência a partir da Idade Moderna e a noção de leis naturais, o foco mudou: como o ser humano pode ser livre em um universo governado por leis deterministas?

Com o avanço do conhecimento científico, questiona-se se muitas das ações que acreditamos ser fruto de uma escolha consciente não são, na verdade, comportamentos automáticos ou determinados por fatores além de nosso controle. Vamos considerar dois casos como exemplo.

Estudos com gêmeos idênticos

Em 1939, dois bebês idênticos nasceram em Ohio, Estados Unidos, e logo foram separados, sendo adotados por famílias diferentes. Um deles passou a se chamar Jim Springer, e o outro, Jim Lewis. Sem saberem da existência um do outro, ambos cresceram levando vidas incrivelmente paralelas.

Décadas mais tarde, quando já adultos se encontraram, descobriram inúmeras coincidências: além de terem o mesmo nome, altura de 1,80m e peso de 82 kg, ambos eram donos de oficinas de marcenaria em suas garagens. Casaram-se com mulheres chamadas Betty, depois de se divorciarem de esposas chamadas Linda, e compartilhavam hábitos como fumar a mesma marca de cigarros e tinha o mesmo carro: um Chevrolet de cor azul-clara.

Springer e Lewis participaram de um estudo conduzido por Thomas J. Bouchard e seus colegas. Esse estudo, iniciado em 1979, foi conduzido na Universidade de Minnesota e teve como objetivo investigar as influências genéticas e ambientais no desenvolvimento humano. A pesquisa comparou gêmeos idênticos criados em ambientes diferentes com aqueles criados juntos e concluiu que eles tinham uma chance tão grande de serem semelhantes quanto aqueles que cresceram juntos2.

Bouchard e sua equipe descobriram que fatores genéticos têm uma grande influência sobre hábitos comportamentais, inteligência, e interesses pessoais. Por exemplo, eles descobriram que a semelhança nos escores de QI entre gêmeos idênticos criados separadamente era muito alta, com um nível de similaridade em QI de cerca de 70%. Além do QI, os pesquisadores também observaram grandes semelhanças em outros aspectos, como personalidade, interesses e atitudes sociais. Por exemplo, gêmeos separados frequentemente tinham as mesmas preferências políticas, gostos musicais e até padrões de humor semelhantes, indicando que muitos desses traços podem ser influenciados em grande parte pela genética3.

O debate filosófico sobre o livre-arbítrio

Que conclusões podemos tirar de estudos como esses? Será que realmente somos livres para fazer escolhas, ou nossas decisões são inevitavelmente determinadas por fatores como genética e processos inconscientes? E se as ações que tomamos são, de fato, determinadas, como podemos falar em responsabilidade moral? Podemos responsabilizar alguém por suas ações se essas ações foram programadas por forças que escapam ao controle individual?

Na filosofia, há três grandes abordagens para essas questões: determinismo, compatibilismo e libertismo.

De acordo com o determinismo, nossas ações são resultado de uma série de causas que fogem ao nosso controle, como fatores genéticos e ambientais. Dessa forma, não temos uma escolha real e, portanto, não somos moralmente responsáveis por elas.

O compatibilismo tenta conciliar a ideia de que nossas ações são determinadas com a noção de liberdade e responsabilidade. Para os compatibilistas, mesmo que nossas ações tenham causas anteriores, como a genética e o ambiente, ainda podemos ser considerados livres e responsáveis se agirmos de acordo com nossos desejos e intenções.

Já o libertismo defende que nossas ações não são determinadas causalmente e que temos verdadeira liberdade de escolha. Dessa forma, assim como o compatibilismo, defende que somos totalmente responsáveis por nossas decisões e pelas consequências que elas trazem.

Referências

BOUCHARD, Thomas J. et al. Sources of Human Psychological Differences: The Minnesota Study of Twins Reared Apart. Science, 1990. Disponível em: https://www.science.org/doi/10.1126/science.2218526. Acesso em: 06 out. 2024.

BRUNATO, Ingredi. Jim Springer e Jim Lewis: a saga dos gêmeos separados que tiveram vidas idênticas. Aventuras na História, 2020. Disponível em: https://aventurasnahistoria.com.br/noticias/reportagem/jim-springer-e-jim-lewis-a-saga-dos-gemeos-separados-que-tiveram-vidas-identicas.phtml. Acesso em: 06 out. 2024.

Leopold and Loeb: American murderers. Encyclopedia Britanica, 2024. Disponível em: https://www.britannica.com/biography/Leopold-and-Loeb. Acesso em: 06 out. 2024.