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A virtude nasce do hábito segundo Aristóteles

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Introdução

O trecho selecionado abaixo é da obra “Ética a Nicômaco” de Aristóteles. Neste segmento, ele distingue entre dois tipos de excelência ou virtude: a intelectual e a moral. A excelência intelectual, segundo ele, advém da instrução e requer experiência e tempo para ser desenvolvida. Já a excelência moral, diferentemente, origina-se do hábito e da prática contínua de ações virtuosas.

Aristóteles argumenta que as virtudes morais não são inatas, nem contrárias à natureza humana, mas sim algo que nós temos a capacidade natural de desenvolver através do hábito. Ele usa analogias físicas, como o movimento de uma pedra, para ilustrar que características naturais não podem ser mudadas pelo hábito, mas as disposições morais, que não são naturais no mesmo sentido, podem e devem ser moldadas pela prática repetida.

Este pensamento é aprofundado com a ideia de que aprendemos e adquirimos virtudes morais da mesma forma que aprendemos técnicas artísticas ou ofícios, como a construção ou a música, ou seja, fazendo. Por exemplo, tornamo-nos justos ao realizar atos de justiça e corajosos ao enfrentar situações que demandam coragem.

Aristóteles também aborda o papel dos legisladores na formação das virtudes dos cidadãos, sugerindo que uma boa legislação deve cultivar hábitos virtuosos entre os cidadãos, diferenciando constituições boas de más pela sua eficácia em promover a virtude.

Texto de Aristóteles

Como já vimos, há duas espécies de excelência: a intelectual e a moral. Em grande parte a excelência intelectual deve tanto o seu nascimento quanto o seu desenvolvimento à instrução (por isto ela requer experiência e tempo); quanto à excelência moral, ela é o produto do hábito, razão pela qual seu nome é derivado, com uma ligeira variação, da palavra “hábito”. É evidente, portanto, que nenhuma das várias formas de excelência moral se constitui em nós por natureza, pois nada que existe por natureza pode ser alterado pelo hábito. Por exemplo, a pedra, que por natureza se move para baixo, não pode ser habituada a mover-se para cima, ainda que alguém tente habituá-la jogando-a dez mil vezes para cima; tampouco o fogo pode ser habituado a mover-se para baixo, nem qualquer outra coisa que por natureza se comporta de certa maneira pode ser habituada a comportar-se de maneira diferente. Portanto, nem por natureza nem contrariamente à natureza a excelência moral é engendrada em nós, mas a natureza nos dá a capacidade de recebê-la, e esta capacidade se aperfeiçoa com o hábito.

Além disto, em relação a todas as faculdades que nos vêm por natureza recebemos primeiro a potencialidade, e somente mais tarde exibimos a atividade (isto é claro no caso dos sentidos, pois não foi por ver repetidamente ou repetidamente ouvir que adquirimos estes sentidos; ao contrário, já os tínhamos antes de começar a usufruí-los, e não passamos a tê-los por usufruí-los); quanto às várias formas de excelência moral, todavia, adquirimo-las por havê-las efetivamente praticado, tal como fazemos com as artes. As coisas que temos de aprender antes de fazer, aprendemo-las fazendo-as — por exemplo, os homens se tornam construtores construindo, e se tornam citaristas tocando cítara; da mesma forma, tornamo-nos justos praticando atos justos, moderados agindo moderadamente, e corajosos agindo corajosamente. Esta asserção é confirmada pelo que acontece nas cidades, pois os legisladores formam os cidadãos habituando-os a fazerem o bem; esta é a intenção de todos os legisladores; os que não a põem corretamente em prática falham em seu objetivo, e é sob este aspecto que a boa constituição difere da má.

Ademais, toda excelência moral é produzida e destruída pelas mesmas causas e pelos mesmos meios, tal como acontece com toda parte, pois é tocando a cítara que se formam tanto os bons quanto os maus citaristas, e uma afirmação análoga se aplica aos construtores e a todos os profissionais; os homens são bons ou maus construtores por construírem bem ou mal. Com efeito, se não fosse assim não haveria necessidade de professores, pois todos os homens teriam nascido bem ou mal dotados para as suas profissões. Logo, acontece o mesmo com as várias formas de excelência moral; na prática de atos em que temos de engajar-nos dentro de nossas relações com outras pessoas, tornamo-nos justos ou injustos; na prática de atos em situações perigosas, e adquirindo o hábito de sentir receio ou confiança, tornamo-nos corajosos ou covardes. O mesmo se aplica aos desejos e à ira; algumas pessoas se tornam moderadas e amáveis, enquanto outras se tornam concupiscentes ou irascíveis, por se comportarem de maneiras diferentes nas mesmas circunstâncias. Em uma palavra, nossas disposições morais resultam das atividades correspondentes às mesmas. É por isto que devemos desenvolver nossas atividades de uma maneira predeterminada, pois nossas disposições morais correspondem às diferenças entre nossas atividades. Não será pequena a diferença, então, se formarmos os hábitos de uma maneira ou de outra desde nossa infância; ao contrário, ela será muito grande, ou melhor, ela será decisiva.

Referências

Aristóteles. Ética a Nicômaco. São Paulo: Nova Cultural, 1987.