#3 Agir por dever e em conformidade com o dever
A ética deontológica de Kant continua a ser uma das alternativas principais ao utilitarismo. Este filósofo desenvolveu suas ideias em diversas obras, como a Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785).
Uma das ideias principais de Kant é que, na avaliação moral das ações, interessa sobretudo determinar o motivo do agente, e não as consequências daquilo que ele faz. Por vezes fazemos o que está certo, mas pelos motivos errados, o que, segundo Kant, faz a nossa ação não ter qualquer valor moral. Um comerciante que não engana os seus clientes, por exemplo, procede corretamente, mas terá a sua conduta valor moral? Isso, pensa Kant, depende daquilo que o leva a proceder assim. Se o comerciante não engana os seus clientes porque receia perdê-los, a sua conduta não tem valor moral, pois resulta de um desejo ou inclinação egoísta. Mas se, em vez disso, o comerciante procede assim apenas porque julga ter o dever de ser honesto, então a sua conduta tem valor moral.
Kant pensa que só tem valor moral as ações realizadas por dever. Estas se distinguem das ações que estão em mera conformidade com o dever, ou seja, das ações que, embora estejam de acordo com aquilo que devemos fazer, não são motivadas pelo sentido do dever. Kant inclui aqui não só as ações que são manifestamente motivadas pelo interesse pessoal, mas também todas as ações que resultam de sentimentos louváveis, como a compaixão. Vejamos, por exemplo, o que diz Kant sobre os que ajudam os outros por compaixão:
“Ser caridoso quando se pode sê-lo é um dever, e há além disso muitas almas de disposição tão compassiva que, mesmo sem nenhum outro motivo de vaidade ou interesse, acham íntimo prazer em espalhar alegria à sua volta e podem alegrar-se com o contentamento dos outros, enquanto este é obra sua. Eu afirmo, porém, que neste caso uma tal ação, por conforme ao dever, por amável que ela seja, não tem contudo nenhum verdadeiro valor moral, mas vai emparelhar com outras inclinações, como o amor das honras, que, quando por feliz acaso coincidem com aquilo que é efectivamente de interesse geral e conforme ao dever, são consequentemente honrosas e merecem louvor e estímulo, mas não estima; pois à sua máxima falta o conteúdo moral que manda que tais acções se pratiquem, não por inclinação, mas por dever.”
Depois de afirmar, nesta passagem, que quem ajuda os outros por compaixão não está realizando um ato com valor moral, Kant contrasta os que procedem assim com alguém que, embora seja “por temperamento frio e indiferente às dores dos outros”, também ajuda quem precisa, mas só porque sabe que tem o dever de ajudar. Para Kant, só quem é exclusivamente motivado pelo dever quando ajuda os outros faz algo com valor moral.
Um conceito importante na ética kantiana é o de máxima. As pessoas agem segundo máximas – um comerciante que não engana os clientes pode agir segundo a máxima “Devemos ser honestos”, mas também pode agir segundo a máxima “Não enganes os outros se não quer perder clientes”. As máximas são assim as regras ou os princípios que nos indicam o motivo dos agentes.
Podemos então reformular a tese de Kant, dizendo que o valor moral de uma ação depende da máxima que lhe subjaz. Deste modo, só fazemos algo com valor moral quando agimos segundo máximas ditadas pelo nosso sentido do dever, como “Mantém as tuas promessas” ou “Ajuda quem precisa”.
Mas no que se baseia o nosso sentido do dever? Na razão, pensa Kant. Assim, quando agimos por dever estamos a agir racionalmente. Quando agimos por outros motivos – por inclinação, como diz Kant – estamos agindo em função de desejos não racionais, desejos esses que, como vimos, tiram todo o valor moral às nossas ações.
Texto retirado e adaptado do livro A arte de Pensar Filosofia 10° Ano, de Desiderio Murcho et. al.