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As emoções segundo Descartes

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Introdução

Os excertos selecionados de “As Paixões da Alma” de René Descartes oferecem uma visão detalhada da perspectiva do filósofo sobre as emoções humanas ou paixões, que ele considera cruciais tanto para a compreensão do ser humano quanto para a interação com o mundo. Descartes explora a natureza das paixões, sua origem, e o papel que desempenham na vida e na conduta humanas.

Texto 1

Descartes inicia argumentando que, apesar de as paixões serem um tema comum de estudo e parecerem fáceis de entender por serem experiências pessoais, os tratamentos anteriores foram insatisfatórios. Ele estabelece a diferença entre “ação” e “paixão”, explicando que ambas podem ser a mesma coisa, mas vistas de dois pontos de vista diferentes – o do agente e do paciente. Este ponto de vista dualista é crucial para entender como Descartes percebe as interações entre corpo e mente, e como as influências externas podem afetar nosso estado interno.

Texto 2

Este segmento detalha vários tipos específicos de paixões. Descartes discute como as paixões são provocadas por objetos que afetam os sentidos e são importantes por sua capacidade de prejudicar ou beneficiar o indivíduo. Ele descreve várias paixões como admiração, amor, ódio, desejo, alegria e tristeza, e como cada uma se relaciona com nossa percepção de bem e mal, presente e futuro. Este tratamento das paixões é significativo porque mostra como Descartes acreditava que as paixões poderiam ser tanto guias úteis quanto forças enganosas.

Texto 3

Aqui, Descartes propõe um “remédio geral” contra os excessos das paixões, aconselhando a cautela contra as ilusões da imaginação que as paixões podem provocar. Ele sugere que reconhecer a natureza enganosa das paixões e ponderar racionalmente sobre suas influências pode ajudar a controlá-las. Descartes conclui que, embora as paixões possam trazer tanto doçura quanto amargura à vida, a sabedoria e o controle adequado dessas paixões podem aumentar o prazer e minimizar o sofrimento.

Os trechos refletem a visão de Descartes de que entender e gerenciar as paixões é crucial para o desenvolvimento moral e intelectual do indivíduo. Ele aborda as paixões não apenas como fenômenos psicológicos, mas também como componentes essenciais que influenciam a capacidade de raciocínio, a tomada de decisão, e a busca pelo conhecimento verdadeiro. Este trabalho é fundamental para entender a abordagem cartesiana da filosofia da mente e da emoção.

Textos de Descartes

Texto 1

(…) embora [a ciência das paixões] seja uma matéria cujo conhecimento foi sempre muito procurado, e ainda que não pareça ser das mais difíceis, porquanto cada qual, sentindo-as em si próprio, não necessita tomar alhures qualquer observação para lhes descobrir a natureza, todavia o que os antigos delas ensinaram é tão pouco, e na maior parte tão pouco crível, que não posso alimentar qualquer esperança de me aproximar da verdade, senão distanciando-me dos caminhos que eles trilharam. (. ..) e, para começar, considero que tudo quanto se faz ou acontece de novo é geralmente chamado pelos filósofos uma paixão em relação ao sujeito a quem acontece, e uma ação com respeito àquele que faz com que aconteça; de sorte que, embora o agente e o paciente sejam amiúde muito diferentes, a ação e a paixão não deixam de ser sempre uma mesma coisa com dois nomes, devido aos dois sujeitos diversos aos quais podemos relacioná-la.

DESCARTES, René. As paixões da alma, Parte primeira, Art. 12.

Textos 2

Art. 52. Qual é o emprego das emoções e como podemos enumerá-las.

Observo (.. .) que os objetos que movem os nossos sentidos não provocam em nós diversas paixões devido a todas as diversidades que existem neles, mas somente devido às diversas formas pelas quais nos podem prejudicar ou beneficiar, ou então, em geral, ser importantes; e que o emprego de todas as paixões consiste apenas no fato de disporem a alma a querer coisas que a natureza dita serem úteis a nós, e a persistir nessa vontade afim de enumerá-las Ias paixões], cumpre apenas examinar, por ordem, de quantas maneiras diferentes que nos importam podem os nossos sentidos ser movidos por seus objetos (…).

Art. 53. A admiração.

Quando o primeiro contato com algum objeto nos surpreende, e quando nós o julgamos novo, ou muito diferente do que até então conhecíamos ou do que supúnhamos devia ser, isso nos leva a admirá-lo e a nos espantarmos com ele; e como isso pode acontecer antes de sabermos de algum modo se esse objeto nos é conveniente ou não, parece-me que a admiração é a primeira de todas as paixões; e ela não tem contrário, porquanto, se o objeto que se apresenta nada tem em si que nos surpreenda, não somos de maneira nenhuma afetados por ele e nós o consideramos sem paixão.

Art. 54. A estima ou o desprezo, a generosidade ou o orgulho, e a humildade ou a baixeza.

À admiração está unida a estima ou o desprezo, conforme seja a grandeza de um objeto ou sua pequenez que admiremos. E podemos assim nos estimar ou desprezar a nós próprios; daí provêm as paixões e, em seguida, os hábitos de magnanimidade ou de orgulho e de humildade ou de baixeza.

Art. 55. A veneração e o desdém.

Mas, quando estimamos ou desprezamos outros objetos que consideramos como causas livres, capazes de fazer o bem ou o mal, da estima procede a veneração, e do simples desprezo o desdém.

Art. 56. O amor e o ódio.

Ora, todas as paixões precedentes podem ser excitadas em nós sem que percebamos de modo algum se o objeto que nos provoca é bom ou mau. Mas, quando uma coisa se nos apresenta como boa em relação a nós, isto é, como nos sendo conveniente, isso nos leva a ter amor por ela; e quando se nos apresenta como má ou nociva, isso nos incita ao ódio.

Art. 57. O desejo.

Da mesma consideração do bem e do mal nascem todas as outras paixões; mas, a fim de colocá-las por ordem, distingo os tempos e, considerando que elas nos levam a olhar o futuro muito mais do que o presente ou o passado, começo pelo desejo. Pois não somente quando se deseja adquirir um bem que ainda não se possui, ou evitar um mal que se julga passível de sobrevir, mas também quando se deseja apenas a conservação de um bem ou a ausência de um mal, que é tudo aquilo a que essa paixão pode estender-se, é evidente que ela encara sempre o futuro.

Art. 61. A alegria e a tristeza.

E a consideração do bem presente excita em nós a alegria, a do mal, a tristeza, quando é um bem ou um mal que nos é representado como nosso.

DESCARTES, René. As paixões da alma, Parte segunda, Arts. 52-7, 61.

Textos 3

Art. 211. Um remédio geral contra as paixões

E agora que as conhecemos todas as paixões, temos muito menos motivo de as temer do que tínhamos antes; pois verificamos que são todas boas por natureza e só devemos evitar o seu mau uso ou os seus excessos (…).

Mas o que sempre se pode fazer em tal ocasião, e que eu julgo poder apresentar aqui como o remédio mais geral e o mais fácil de praticar contra todos os excessos paixões, é, sempre que se sinta o sangue assim agitado, advertir e lembrar-se de que tudo quanto se apresenta à imaginação tende a enganar a alma e a fazer com que as razões empregadas em persuadir o objeto de sua paixão lhe pareçam muito mais fortes do que são, e as que servem para dissuadir muito mais fracas. (…)

Art. 212. Que é somente delas que depende todo bem e todo mal desta vida.

De resto, a alma pode ter seus prazeres à parte; mas, quanto aos que lhe são comuns com o corpo, dependem inteiramente das paixões: de modo que os homens que elas podem mais emocionar são capazes de apreciar mais doçura nesta vida. É verdade que também podem encontrar nela mais amargura, quando não sabem bem empregá-las, e quando a fortuna lhes é contrária; mas a sabedoria é principalmente útil neste ponto, porque ensina a gente a tornar-se de tal forma seu senhor e a manejá-las com tal destreza que os males que causam são muito suportáveis, tirando-se mesmo certa alegria de todos.

DESCARTES, René. As paixões da alma, Parte segunda, Arts. 211-12.