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Erros comuns de compreensão do utilitarismo
O conceito básico do utilitarismo parece simples: devemos agir de forma a maximizar a felicidade e minimizar o sofrimento. No dilema do trem, por exemplo, vimos que um raciocínio utilitarista poderia levar à decisão de sacrificar uma pessoa para salvar cinco, já que isso resultaria em um saldo maior de bem-estar.
Mas será que as decisões utilitaristas são sempre tão diretas? Embora a teoria pareça intuitiva à primeira vista, há muitos equívocos sobre como ela funciona na prática.
Não basta considerar a quantidade de pessoas afetadas
Um erro comum ao interpretar o utilitarismo é pensar que ele se resume a contar quantas pessoas se beneficiam ou sofrem com uma ação. Se o objetivo é maximizar a felicidade, não seria sempre melhor favorecer a maioria?
Considere o seguinte exemplo: em uma escola, uma turma inteira acha engraçado zombar de um colega. Todos riem e se divertem com as brincadeiras, enquanto apenas um estudante sofre. Se apenas contássemos o número de pessoas envolvidas, pareceria que a situação gera mais felicidade do que sofrimento. Mas será que essa conclusão está de acordo com o princípio da utilidade?
Para um utilitarista, não basta olhar para o número de indivíduos afetados; é preciso considerar a intensidade do prazer e do sofrimento. A diversão da turma é superficial e passageira, um riso momentâneo que logo será esquecido. Já o sofrimento do aluno alvo do bullying pode ser profundo, duradouro e até prejudicial para sua saúde mental. Ele pode desenvolver ansiedade, medo de ir à escola e até sintomas de depressão, sentindo-se isolado e sem valor. A humilhação repetida pode afetar sua autoestima e seu desempenho acadêmico, tornando sua vida social difícil e criando marcas emocionais que persistem por muitos anos. A dor intensa de uma única pessoa pode facilmente superar o prazer leve e momentâneo de várias, tornando injustificável a escolha de favorecer a maioria nesse caso.
Utilitarismo não é egoísmo
Outro equívoco comum sobre o utilitarismo é confundi-lo com egoísmo. Algumas pessoas pensam que, por ser uma teoria que busca maximizar a felicidade, ela justifica agir sempre em benefício próprio. No entanto, o utilitarismo não se preocupa apenas com a felicidade individual, mas com a soma do bem-estar de todos os afetados por uma ação.
Se alguém rouba dinheiro para comprar algo que o faz feliz, isso pode aumentar sua própria felicidade, mas causa sofrimento à vítima e pode gerar insegurança na sociedade. Da mesma forma, se uma pessoa sempre coloca seus interesses acima dos outros, pode até obter vantagens momentâneas, mas prejudica o equilíbrio geral do bem-estar. Um utilitarista verdadeiro consideraria não apenas seus próprios sentimentos, mas também o impacto de suas ações sobre os outros.
Além disso, filósofos utilitaristas como Jeremy Bentham e John Stuart Mill enfatizaram a ideia de imparcialidade: nenhuma pessoa conta mais do que outra no cálculo da felicidade. Isso significa que o prazer de um indivíduo não pode ser priorizado se causar sofrimento maior a outras pessoas. Assim, ao contrário do que alguns pensam, o utilitarismo exige que levemos em conta o bem-estar coletivo, e não apenas nossos próprios interesses.