#2 Imperativo categórico
O imperativo categórico é uma das ideias mais importantes da filosofia moral de Kant, bastante complexa, mas compreensível se considerarmos vários exemplos.
É importante saber, antes de mais nada, que isso que Kant chama de imperativo categórico representa a regra fundamental que toda pessoa deveria respeitar para agir moralmente. Então, para o filósofo, se quisermos ser pessoas boas, devemos fazer aquilo que esse imperativo exige.
Kant divide o imperativo categórico em duas fórmulas: a fórmula da lei universal e a fórmula do fim em si. Vamos agora ver o que cada uma dessas fórmulas significam.
Fórmula da lei universal do imperativo categórico
Uma das fórmulas do imperativo categórico, conhecida por fórmula da lei universal, é a seguinte:
- Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.
O que quer isto dizer? A ideia é que só devemos agir segundo máximas que possamos querer universalizar. Se não podemos querer que todos ajam segundo uma certa máxima, então ela não é universalizável e, por isso, devemos rejeitá-la. O imperativo categórico é, sem dúvida, um princípio muito abstrato. Para o clarificar, vejamos como funciona considerando dois exemplos apresentados por Kant.
Imaginemos uma pessoa que está com problemas financeiros e que decide pedir dinheiro emprestado. Ela sabe que não vai poder pagar, mas sabe também que, se não prometer pagar num certo prazo, não lhe emprestarão o dinheiro. Ainda assim, faz a promessa e recebe o dinheiro. Ela agiu segundo a máxima “Faz promessas com a intenção de cumprir”. Será esta máxima universalizável? Kant diz que não. Se todos fizessem promessas com a intenção de as não cumprirem, a própria prática de fazer promessas desapareceria, pois esta baseia-se na confiança entre as pessoas. É pura e simplesmente impossível todos fazerem promessas com a intenção de não cumprir. Por isso, não podemos querer que todos ajam segundo essa máxima – ela deve ser rejeitada.
Este exemplo mostra claramente que o imperativo categórico serve para testar máximas.
Uma máxima como “Faz promessas com a intenção de não cumprir” não passa no teste, pois não podemos querer que ela se torne lei universal. E, pensa Kant, sendo assim devemos manter sempre as promessas que fazemos.
Imaginemos agora uma pessoa rica que, embora possa fazer muito pelos outros sem se sacrificar consideravelmente, só se preocupa com o seu próprio bem-estar. Em toda a sua vida segue a máxima “Se recuse sempre a ajudar os outros”. Será esta máxima universalizável? Aqui a situação é um pouco diferente da anterior, pois Kant admite que seria possível todos agirem segundo essa máxima. Ainda assim, a verdade é que todos nós, ao longo de vida, precisamos que os outros nos ajudem, nem que seja ocasionalmente. Por isso, não queremos viver num mundo em que ninguém nos ajude quando precisamos. Logo, não podemos querer que todos se recusem sempre a ajudar os outros. A máxima “Se recuse sempre a ajudar os outros” não é universalizável, o que significa que é errado viver sem nos preocuparmos minimamente com o bem-estar dos outros – temos o dever de ajudar.
A fórmula do fim em si do imperativo categórico
Outra das fórmulas do imperativo categórico, conhecida por fórmula do fim em si, é a seguinte:
- Age de tal maneira que uses a tua humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio.
Kant afirma que é sempre errado instrumentalizar as pessoas, ou seja, usá-las como simples meios para atingir os nossos fins. As pessoas são agentes racionais, são seres dotados de autonomia, capazes de escolher livremente os seus objetivos. Para respeitar as pessoas, devemos tratá-las sempre como seres autônomos (como fins em si), e não como meros instrumentos que estejam ao serviço dos nossos planos.
Por exemplo, apontar uma pistola a uma pessoa para a roubar é tratá-la como um mero meio para obter dinheiro: é violar a sua autonomia, obrigá-la a fazer o que ela não quer. Em contraste, pedir ajuda a uma pessoa e respeitar a sua recusa de nos ajudar não viola a sua autonomia: neste caso, tratamo-la como um meio de nos ajudar, mas simultaneamente como um fim porque respeitamos a sua vontade.
Note-se que, segundo a fórmula do fim em si, não é errado tratar as pessoas como meios – é errado tratá-las como simples meios. Por exemplo, quando vamos um restaurante estamos tratando o cozinheiro como um meio para obter uma refeição, mas isso nada tem de errado. Desde que ele esteja trabalhando porque é essa sua vontade, o cozinheiro consentirá razoavelmente ser tratado dessa forma. Se beneficiar do seu trabalho não desrespeita a sua autonomia. Reduzir uma pessoa à condição de escravo, pelo contrário, é tratá-la como um simples meio, e isso é o que a fórmula do fim em si nos proíbe de fazer.
Referências
Sally Sedgwick. Fundamentação da metafísica dos costumes: Uma chave de leitura. Petrópolis: Vozes, 2017.
James Rachels. Os Elementos da filosofia Moral. São Paulo: AMGH, 2013.