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O que é ser rico segundo Sêneca

- 6 min leitura

Introdução

O trecho abaixo é de “Aprendendo a Viver”, uma obra do filósofo estoico Sêneca. Neste segmento, Sêneca explora a noção de riqueza verdadeira versus riqueza material, argumentando que a verdadeira riqueza não se encontra na acumulação de bens, mas na satisfação das necessidades naturais e essenciais.

Sêneca começa o diálogo de forma engenhosa, sugerindo inicialmente a promessa de segredos para obter riqueza material rápida, apenas para revelar que a riqueza que ele descreve é de uma natureza diferente: a autossuficiência e a independência de desejos externos. Ele defende que tomar emprestado de si mesmo, confiando em suas próprias capacidades e recursos, é a maneira mais segura de garantir a independência e a liberdade.

Ao longo do texto, Sêneca contrasta a riqueza material, que nunca satisfaz completamente e sempre pede mais, com a riqueza de estar em harmonia com as necessidades naturais. Ele usa exemplos cotidianos, como a fome e a sede, para ilustrar que o que realmente importa é a satisfação dessas necessidades básicas, não os meios luxuosos pelos quais elas podem ser atendidas.

Este diálogo de Sêneca é um convite para refletir sobre nossas próprias noções de sucesso e contentamento. Ele sugere que, ao invés de aspirar à acumulação sem fim, devemos buscar a riqueza em uma vida despojada de excessos e focada no que é essencialmente necessário. Assim, Sêneca reforça a ideia estoica de que a verdadeira liberdade e riqueza vêm de uma vida de virtude e autossuficiência.

Trecho do texto

Cada vez que faço uma descoberta, não espero que me digas: “é nossa”; eu mesmo digo. Indagas qual foi a descoberta? Abre a bolsa, é uma situação de muito lucro. Vou ensinar-te como ficar rico de forma rápida. Ficaste interessado! Não é para menos: vou, rapidamente, conduzir-te às supremas riquezas. Será necessário, no entanto, que tenhas um fiador. Para que faças o negócio, precisarás de um empréstimo, mas não quero que chegues a isso através de um intermediário, nem que as tuas dívidas sejam alardeadas pelos agiotas.

Tenho pronto para ti um credor, aquele que Catão recomenda, ou seja, toma emprestado de ti próprio. Por menos que seja, suficiente será se aquilo de que necessitamos for pedido a nós mesmos. Não há, com certeza, nenhuma diferença, Lucílio, entre não desejar e não possuir. Nos dois casos, o resultado é idêntico, isto é, não há sofrimento. Também não te recomendo que negues algo à natureza – ela é contumaz, não pode ser vencida e reclama o que lhe pertence –, mas que saibas que o excedente na natureza, longe de ser indispensável, apenas está a nosso dispor como algo a mais, não imprescindível.

Tenho fome: é preciso comer. Seja o pão feito com trigo de qualidade ou não, isso não importa. O que a natureza quer não é o deleite, e sim o estômago satisfeito. Tenho sede: que a água seja do reservatório mais próximo, ou seja aquela colocada entre blocos de neve para refrescar não interessa à natureza. O importante é matar a sede, esteja a água em copo de ouro, de cristal, de mirra , de Tíbur ou na concha da mão.

Em tudo, leva em conta a finalidade das coisas, deixando de lado, portanto, o supérfluo. A fome castiga-me, pego o que está mais à mão; ela própria dará sabor ao que eu colher. O faminto não se ofende com nada.

Queres saber o que me causou prazer? Um dito que considero admirável: “O sábio é um pesquisador incansável das coisas naturais”. Fico a imaginar tua resposta: “Tu me presenteias com um prato vazio. O que isso quer dizer? Já estava pronto a abrir os cofres; já imaginava em que mares iria negociar; que impostos me beneficiariam; que mercadoria poderia exportar. É decepcionante: pregar a pobreza depois de haver prometido imensas riquezas!” Então, crês pobre aquele a quem nada falta? “Isso ele deve”, dizes tu, “a si próprio e à sua paciência, não à sorte.” Assim, não acreditas que ele seja rico apenas porque suas riquezas não podem acabar?

O que preferes: ter muito ou ter apenas o suficiente? Aquele que tem muito deseja ter mais, o que prova não ser suficiente o que já possui. Aquele que possui o suficiente obteve o que o rico jamais poderá atingir, ou seja, o fim de seus desejos. Não julgas isso riqueza porque jamais alguém foi condenado por tal? Porque ninguém foi envenenado pelo filho ou pela esposa? Porque é tudo, na guerra e na paz, a tranquilidade? Porque não traz perigo nem dá trabalho para administrar?

“Porém, é bem pouco não conhecer o frio, a fome ou a sede.” Júpiter mais não tem. Jamais é pouco o suficiente, jamais é muito o que não satisfaz. Alexandre, após vencer Dario e os persas, continua pobre. Estou enganado? Continua a buscar novas conquistas, a aventurar-se por mares desconhecidos, a enviar ao oceano frotas nunca vistas, pode-se dizer, a romper todas as fronteiras. Aquilo que é suficiente para a natureza não o é para esse homem!

Encontrou-se alguém que desejou mais após ter tudo – tão grande é a cegueira das mentes e o esquecimento que cada um tem de suas origens quando começa a enriquecer. Este homem, que há pouco era senhor de um pequeno território e ainda não reconhecido, ao atingir os confins da terra, e entristece por ser obrigado a voltar através de um mundo que já lhe pertence.

O dinheiro nunca tornou alguém rico; ao contrário, sempre causou mais cobiça. Queres saber por quê? É porque quem mais tem mais quer ter. Em resumo, traz até mim um homem que consideres do mesmo nível de um Crasso ou de um Licínio; pede que mostre seus livros de contabilidade, que conte tudo o que possui e ainda espera possui. Este, na minha opinião, é um homem pobre. Na tua, quem sabe, poderá vir a ser.

Mas aquele que se sujeitou às exigências da natureza está livre da sensação de pobreza e, além disso, não a teme. No entanto, para que saibas como é difícil restringir os próprios bens ao mínimo indispensável, esse a quem impusemos uma série de limitações, e a quem chamas de pobre, esse homem possui algo de sobra.

As riquezas, porém, deslumbram o povo, e uma casa é sempre atraída pelos olhares quando gasta muito ou é coberta, do chão ao teto, de muito ouro, ou, ainda, se depende de um grande número de escravos elegantes e bem-apresentados. A felicidade está, assim, posta às vistas do público; contudo, aquele a quem privamos do olhar do povo e do poder da fortuna possui a riqueza interior.

[…]

Dentre todos outros benefícios, a natureza dotou-nos do principal, qual seja, livrar o fastio da necessidade. O supérfluo admite opção: “Isto é pouco conveniente; aquilo não merece ser celebrado; este outro me fere os olhos.” O criador, ao ditar as leis da vida, desejou que mantivéssemos a opção para a nossa sobrevivência, e não para corromper. No primeiro caso, tudo estará à mão e de modo fácil; no segundo, as benesses serão obtidas à custa de sofrimento e de trabalho intenso.

Façamos uso, então, desse benefício da natureza, considerado como o melhor, e não esqueçamos que, se ela merece nosso reconhecimento, é, antes de tudo, porque nos permite consumir sem dificuldade aquilo que a necessidade nos faz desejar. Passa bem!

Questões para estudo do texto

  1. Qual é o problema colocado pelo texto?
  2. Qual é a conclusão sustentada pelo autor?
  3. Qual um dos argumentos apresentados pelo autor para justificar sua conclusão?

Respostas

As perguntas acima apresentam possibilidades de respostas bastante distintas. As respostas abaixo são apenas algumas dessas possibilidades.

  1. O que significa riqueza? O que é uma pessoa rica?
  2. A conclusão defendida por Sêneca nesse texto é o significado de riqueza é ter o suficiente para satisfazer os próprios desejos. Dado esse conceito, a riqueza não é definida apenas pela quantidade de bens ou dinheiro que uma pessoa possui, mas também pela quantidade de seus desejos. Se segue disso que é possível uma pessoa ter poucos bens e ser rica ou ter muitos bens e ser pobre.
  3. Sêneca argumenta no sexto parágrafo que é melhor ter o suficiente do que ter muito. Isso porque uma pessoa que tem muito ainda se encontra insatisfeita com o que tem, ela ainda busca mais. Já a pessoa que obteve o suficiente encontrou o fim de seus desejos. O autor ilustra esse ponto através do exemplo de Alexandre, O Grande. Esse homem, depois de ter conquistado um império, ainda busca novas conquistas. Ora, se faz isso é porque ainda tem um desejo insatisfeito. Se tem um desejo insatisfeito, é porque o que conquistou não foi o suficiente. Portanto, ainda é pobre porque lhe falta algo. Por outro lado, a pessoa que não tem um império, mas não deseja esse império, tampouco outras coisas que não possui, tem o suficiente, não possui desejos insatisfeito e é, portanto, mais satisfeita que o próprio Alexandre. Portanto, é mais rica que Alexandre. Essa é uma das premissas usadas por Sêneca para justificar seu conceito de riqueza.

Referência

Sêneca, Lúcio Anneo. Aprendendo a viver. Porto Alegre: L&PM, 2014, p. 133-137.