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Alienação: significado e causas segundo Marx

- 7 min leitura

Karl Marx (1818 – 1883) é conhecido por suas críticas ao capitalismo. Entre as mais importantes está a afirmação de que esse sistema econômico gera alienação. 

A alienação é um mal que afeta a maioria das pessoas que vivem na sociedade capitalista, e isso é provocado pelas condições de trabalho e relações sociais que prevalecem nela. Entre as causas da alienação dos humanos está

  • A obrigação de se adaptar ao ritmo de uma máquina no local de trabalho;
  • Não obter reconhecimento pelo trabalho;
  • Ter que desempenhar funções triviais e repetitivas em uma linha de montagem;
  • Ter a vida constantemente modificada por condições que estão fora de seu controle, como crises econômicas e desemprego.

Para Marx, a alienação é uma parte inseparável do capitalismo e a única forma de superá-la é pela modificação do sistema como um tudo. Uma das razões pelas quais acreditava que o comunismo era a forma superior de organização social é o fato de acabar com a alienação.

Significado de alienação

A palavra “alienação” tem vários usos fora da filosofia. No direito, por exemplo, podemos dizer que Maria alienou seu caro. Nesse caso, alienar significa transferir para outra pessoa a propriedade de uma bem. No passado, médicos que tratavam da loucura eram chamados de “alienistas” e a própria loucura era considerada uma alienação.

Para entender o que Marx queria dizer com alienação, esses casos podem ser um ponto de partida. Para o filósofo, um indivíduo alienado é alguém que está afastado ou separado de algo que faz parte de sua natureza, de sua essência.

É fácil entender como uma pessoa pode alienar (se separar, se afastar) de um bem como um carro, porém qual o sentido de dizer que o indivíduo se encontra separado (alienado) de sua própria natureza?

A ideia é mais simples que parece e ficará clara com um exemplo. Imagine que conhece uma pessoa chamada Clara. Ela tem como vocação natural ensinar. Seguindo sua vocação, fez licenciatura e trabalha como professora.

Embora fosse apaixonada por sua profissão e sentisse prazer com seu trabalho, como o salário era pequeno e não permitia uma vida mais confortável, resolveu trabalhar em um banco. Nesse caso, o trabalho passou a ser experimentado como massante e sem sentido por Clara, pois não é apropriado para sua natureza.

Usando a ideia de alienação de Marx, podemos descrever o que ocorreu com Clara dizendo que ela se alienou (afastou, separou) de sua vocação natural.

Essa comparação faz surgir uma questão: se a vocação da nossa professora é ensinar, qual é a vocação do ser humano? Qual é a essência ou natureza do homem, da qual se encontra alienado?

A natureza humana

O que é um ser humano? Quais são suas necessidades essenciais? O que o diferencia de outros animais? Marx tinha uma concepção própria sobre a natureza humana e acreditava que o capitalismo impedia essa natureza de se expressar adequadamente.

Entre as várias características dessa natureza, podemos destacar algumas:

  • O ser humano é um ser social. Marx afirma que vivemos e produzimos através da cooperação com outros humanos. Nossa autoestima está associada em parte ao reconhecimento que recebemos pelo nosso trabalho.
  • O homem é um animal que produz mesmo sem necessidade, pois o trabalho é prazeroso quando envolve o exercício de certas habilidades ou é desafiador.
  • O homem é um animal capaz de planejar e escolher suas ações.

Para Marx, todas essas são necessidades e capacidades que fazem parte da essência ou natureza humana. Elas estão presentes em qualquer pessoa, em qualquer momento da história. Seja na pré-história ou nas modernas sociedades capitalistas, seja na China ou no Brasil, todos os seres humanos possuem essas características.

Sendo assim, para que o ser humano tenha uma vida boa, com significado e prazerosa é necessário satisfazer de várias formas essas necessidades e desenvolver as várias capacidades que os indivíduos possuem.

O indivíduo alienado, então, está afastado de sua essência por ser impedido de satisfazer necessidades e desenvolver habilidades que fazem parte de sua essência.

As causas da alienação no capitalismo

Alienação como falta de auto-realização

Viver bem, de forma não alienada, para Marx, consiste em ativamente satisfazer necessidades e desenvolver habilidades naturais. No entanto, no capitalismo poucas pessoas têm oportunidade de fazer isso. Uma das razões é a divisão do trabalho.

Uma das características da produção industrial é a divisão do trabalho. Para tornar as fábricas mais eficientes, o trabalho é organizado de forma que cada pessoa desempenhe funções específicas ao longo de uma linha de montagem.

Trabalhadores mais qualificados são responsáveis por projetar os produtos. Já os menos qualificados são responsáveis por atividades repetitivas de baixa complexidade, como apertar parafusos, por exemplo. Esses últimos geralmente são supervisionados constantemente e devem trabalhar num ritmo determinado pela linha de montagem.

alienação para Marx
O homem é como um pássaro na gaiola. Assim como não é da natureza desse ficar preso, não poder voar, procurar seu próprio alimento ou se relacionar com outros pássaros, não combina com a natureza humana fazer durante toda a vida um trabalho repetitivo, não receber reconhecimento ou não ter autonomia no trabalho.

Muitas das características que tornam o trabalho adequado para a natureza humana, tal como descrita por Marx, se perderam nesse processo. A maioria dos trabalhadores não desempenha funções que envolva planejamento, controle ou criatividade. Não podem sentir o prazer de criar uma ideia ou desenvolver suas habilidades resolvendo problemas de engenharia. Ao contrário, fazem apenas um trabalho repetitivo, monótono e cansativo.

Além disso, seu trabalho não recebe reconhecimento social. Lembremos que, para Marx, o ser humano é um ser social que precisa de outros seres humanos de diferentes formas. Uma delas é recebendo aprovação.

Ter nossas obras valorizadas por outras pessoas é fonte de autoestima, o que nos dá motivação para continuar trabalhando e torna até mesmo atividades cansativas prazerosas. Pense no cientista que trabalha em uma nova descoberta, no engenheiro que trabalha em uma nova invenção ou no professor que recebe um elogio pela aula. Em todos esses casos, um trabalho difícil é executado com dedicação. E em todos eles, parte da recompensa é ver o resultado ser valorizado pela sociedade.

Um artesão que produz calçados pode sentir esse tipo de satisfação com seu trabalho. Porém, dificilmente o mesmo pode ocorrer com pessoas que apertam parafusos na linha de montagem de uma fábrica. Nesse caso, o reconhecimento geralmente é atribuído ao dono da empresa, mesmo que não seja ele o responsável pelo trabalho.

Controle da criatura sobre o criador

Uma segunda causa da alienação no capitalismo é expresso por Marx através da metáfora do aprendiz de feiticeiro. Essa é uma pessoa que, através da magia, desencadeia forças que não pode controlar. Marx pensa o mesmo sobre o capitalismo: os seres humanos, coletivamente, criavam forças sociais que escapam ao seu controle e se voltam contra eles.

Essa é uma forma de alienação porque é da natureza humana desejar o controle sobre suas ações e sua vida. Estamos nos alienando (separando) do controle sobre as causas de nossas ações. Ao invés de governamos a sociedade e a economia, somos governados por ela. Marx identifica esse fenômeno no consumo e no comportamento do mercado.

Consumo alienado

Marx acredita que no capitalismo o desejo de consumo tende a assumir um caráter compulsivo. Com isso ele quer dizer que fazemos compras movidos por desejos impostos pelas necessidades do mercado e não pela livre escolha.

O capitalismo depende do consumo constante para continuar a existir. Quando maior o consumo, maior o lucro dos empresários. Para uma empresa, não basta criar novos produtos para ser rentável. É também necessário que muitas pessoas desejem adquirir essa produção.

O capitalismo, portanto, incentiva as empresas a buscarem formas de seduzir o consumidor. Todo o dinheiro gasto em publicidade e propaganda tem isso como objetivo.

O resultado desse processo é, segundo Marx, um tipo de alienação no qual o ser humano é dominado por suas criações. É parte de nossa natureza ter controle sobre nossas ações e escolhas. O desejo de consumo compulsivo é justamente o contrário disso. E o mais espantoso nessa situação é que as pessoas estão sendo controladas em alguma medida por um sistema que elas mesmas criam e mantém.

Para Marx, essa é uma inversão da ordem natural das coisas: estamos sendo governados por aquilo que criamos.

Mercado fora de controle

Uma das características essenciais do capitalismo é o livre mercado. Teóricos como Adam Smith acreditavam que através dele a economia poderia ser mais produtiva e gerar mais riqueza, de modo que toda a sociedade seria beneficiada.

Marx apresentou várias críticas ao livre mercado, por que, em primeiro lugar, ele está fora de controle humano e, em segundo lugar, gera consequências prejudiciais para todos, trabalhadores e capitalistas.

crises econômicas segundo Marx

Suponha que o setor da indústria automobilística de um país seja impedido de exportar automóveis. Ao reduzir a demanda por esse tipo de produto, os donos das fábricas do setor terão que demitir funcionários. Embora seja grave um grupo de pessoas não ter trabalho, esse pode se tornar um problema ainda maior.

Os funcionários demitidos também são consumidores. Portanto, o fato de não terem um salário afeta outros setores da economia. Novos trabalhadores terão que ser demitidos, gerando um círculo vicioso no qual o desemprego reduz o consumo e a demanda, que reduz a necessidade de trabalhadores, o que gera novas demissões.

Assim como no caso do consumo, esse um exemplo de situação em que forças sociais criadas por seres humanos ganham vida própria e atuam contra sua vontade.


Muitas pessoas concordariam que o fenômeno social descrito por Marx como alienação é real e um problema que afetava a sociedade capitalista no século XIX e atualmente.  Marx acreditava que todos esses problemas eram causados pelo capitalismo e poderiam ser solucionado com seu fim. Numa sociedade comunista, pensava, as pessoas teriam mais oportunidades de se envolver em trabalhos significativos, não seriam controladas pela publicidade nem pelas forças do mercado.

Referências

Elster, John. Marx, Hoje. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

Leopold, David. “Alienation”, The Stanford Encyclopedia of Philosophy, agosto 2018. Disponível em <https://plato.stanford.edu/archives/fall2018/entries/alienation/.> Acesso em: 25 ago. 2019.