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O argumento de Stuart Mill em defesa da liberdade

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Introdução

O trecho abaixo é extraído de “Sobre a Liberdade”, que é um tratado influente sobre liberdade individual escrito por John Stuart Mill. Neste ensaio, Mill estabelece um princípio simples que deveria reger todas as interações sociais e políticas: a liberdade de um indivíduo só deve ser restringida para prevenir danos a outros.

Mill argumenta que a sociedade ou o estado só têm o direito de interferir na liberdade de ação de um indivíduo quando tal ação ameaça diretamente o bem-estar de outros. A liberdade de escolha do indivíduo em questões que afetam apenas a si mesmo é sagrada e deve ser protegida contra qualquer forma de coerção, seja legal ou social.

Este princípio é baseado na crença de que a autonomia pessoal é essencial para o bem-estar e o progresso humano. Mill também discute a importância da liberdade de expressão, argumentando que suprimir uma opinião, mesmo que seja minoritária ou impopular, prejudica não apenas o indivíduo, mas toda a sociedade, pois impede o confronto entre o erro e a verdade, essencial para o avanço do conhecimento e o aprimoramento do entendimento coletivo.

Texto de Mill

O objeto deste Ensaio é defender um princípio muito simples como indicado para orientar de forma absoluta as intervenções da sociedade no individual, quer para o caso do uso da força física sob a forma de penalidades legais, quer para o da coerção moral da opinião pública. Consiste esse princípio em que a única finalidade que justifica a interferência dos homens, individual e coletivamente, na liberdade de ação de outro, é a auto-proteção. O único propósito com o qual se legitima o exercício do poder sobre algum membro de uma comunidade civilizada contra a sua vontade, é impedir dano a outrem. O próprio bem do indivíduo, seja material seja moral, não constitui justificação suficiente. O indivíduo não pode legitimamente ser compelido a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, seja porque tal coisa será melhor para ele, seja porque tal o faça mais feliz, porque, na opinião dos outros, fazer tal coisa seja sábio ou correto. Essas são boas razões para o criticar, para com ele discutir, para o persuadir, para o aconselhar, mas não para o coagir, ou para lhe infligir um mal caso aja de outra forma. Para justificar a repressão ou a penalidade, faz-se necessário que a conduta de que se quer desviá-lo, tenha em mira causar dano a outrem. A única parte da conduta por que alguém responde perante a sociedade, é a que concerne aos outros. Na parte que diz respeito unicamente a ele próprio, a sua independência é, de direito, absoluta. Sobre si mesmo, sobre o seu próprio corpo e espírito, o indivíduo é soberano. (…)

Se todos os homens, menos um, tivessem uma certa opinião, e houvesse um único homem da opinião contrária, a humanidade não teria mais direito a impor silêncio a esse um, como teria ele direito de fazer calar a humanidade, se tivesse esse poder. Caso uma opinião fosse um bem pessoal sem valor exceto para seu dono, e se ser impedido no gozo desse bem constituísse simplesmente um dano privado, faria diferença que o dano fosse infligido a poucos ou a muitos. Mas o mal específico de impedir a expressão de uma opinião está em que se rouba o gênero humano; a posteridade tanto quanto as gerações presentes; aqueles que discordam da opinião, ainda mais dos que a sustentam. Se a opinião estiver certa, ficarão privados da oportunidade de trocar o erro pela verdade; se estiver errada, perdem o que constitui um bem de quase tanto valor: a percepção mais clara e a impressão mais viva da verdade, produzidas pela sua confrontação com o erro. É necessário considerar separadamente essas duas hipóteses, a cada uma das quais corresponde um ramo distinto da argumentação. Nunca podemos estar seguros de que a opinião que procuramos amordaçar seja falsa; e, mesmo se estivéssemos seguros, sufocá-la seria ainda um mal.

Referência

MILL, John Stuart. Sobre a Liberdade. Petrópolis, RJ: Vozes,1991