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Discussão sobre a ética kantiana: críticas e respostas

- 3 min leitura

A ética kantiana é uma das teorias éticas mais influentes na história da filosofia moral e política. No entanto, como qualquer teoria ética, ela não está livre de críticas. Neste texto, iremos discutir algumas das críticas mais comuns, incluindo a inflexibilidade, o conflito de deveres absolutos e o tratamento inadequado aos animais. Além disso, veremos como o filósofo buscou responder aos seus críticos.

Deveres morais são inflexíveis e conflitam entre si

De acordo com a ética kantiana, nossos deveres são leis morais que devem ser aplicadas independente das circunstâncias. Se é errado mentir, é errado sempre, não importa as consequências. Os deveres morais, para Kant, são absolutos.

No entanto, essa inflexibilidade pode ser problemática em algumas situações. Por exemplo, imagine que você esteja abrigando uma pessoa em sua casa durante uma guerra. Um soldado inimigo bate à sua porta e pergunta se você está abrigando alguém. Se você disser a verdade, a vida da pessoa estará em perigo. Neste caso, a ética kantiana exigiria que você dissesse a verdade, mesmo que isso pudesse levar à morte da pessoa que está se escondendo em sua casa.

Embora consideremos a mentira imoral de modo geral, fazemos distinção entre uma mentira que gera consequências positivas, como salvar a vida de alguém, e negativas, como roubar dinheiro público. A ética Kantiana, por não ser consequencialista, não tem base para fazer esse tipo de distinção.

Através do exemplo acima é possível identificar ainda um segundo problema para a teoria Kantiana: o conflito de deveres. Se temos o dever de não mentir, também temos o dever de salvar a vida das pessoas quando isso não coloca em risco nossa própria vida. Quando o soldado inimigo bate na sua casa, você tem, portanto, duas obrigações: salvar a vida de uma pessoa e não mentir. Mas esses são deveres conflitantes, se atender a um, não terá como atender ao outro. 

A ética de Kant, dizem os críticos, não é capaz de orientar qual a melhor em ação em casos como esse. E como o objetivo de uma teoria moral é oferecer orientação prática, esse é um problema grave para as ideias de Kant. 

Tratamento inadequado de seres não racionais

Uma segunda crítica à ética kantiana é que ela falha em abordar adequadamente o status moral de seres não racionais, como animais e crianças pequenas. Kant acreditava que os seres racionais têm valor moral intrínseco, enquanto os seres não racionais não. Não devemos tratar seres humanos apenas como meios porque são pessoas e não coisas. E essa característica se deve ao fato de serem seres capazes de raciocinar e fazer escolhas em relação ao que é melhor para si mesmos. Pelo contrário, seres não racionais, como crianças pequenas e animais, não têm essa capacidade ou ainda não desenvolveram, por isso não merecem o mesmo tratamento de uma pessoa. Kant acreditava que “no que diz respeito aos animais, nós não temos deveres diretos. Animais […] estão aí somente como meios para um fim. Este fim é o homem”.1 Os críticos argumentam que essa visão é muito estreita e que os seres não racionais também têm valor moral e devem ser tratados com respeito e consideração. 

Respostas de Kant

Kant escreveu sobre sua teoria moral no livro “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”, publicado originalmente em 1785. Já na época os críticos apontaram o problema da inflexibilidade e conflito de deveres morais. Como resposta, Kant escreveu um texto intitulado “Sobre um suposto direito de mentir por humanidade”. Nele o filósofo se concentra em mostrar que a regra de não mentir tem validade absoluta e deve ser respeitada em qualquer caso, independente das consequências.

Seu argumento é o seguinte. Quando mentimos por humanidade, como no caso do exemplo acima, para salvar a vida de uma pessoa na guerra, corremos o risco de não conseguir esse objetivo. Imagine que você mente para o soldado que não tem uma pessoa escondida em sua casa, o soldado acredita e logo em seguida dá de cara com ela fugindo para se esconder em outro lugar. Ao mentir, você acabou fazendo duas coisas erradas: a mentira e colocar a vida de uma pessoa em risco. Se tivesse falado a verdade, o soldado teria entrado na casa e nada de ruim teria ocorrido. 

Como não podemos prever com certeza o que irá acontecer quando mentimos, Kant acreditava que é melhor fazer a coisa certa – falar a verdade –  e torcer para que as consequências sejam as melhores. De qualquer forma, caso aconteça o pior, não seremos responsáveis. Pelo contrário, se mentirmos e acontecer o pior, seremos responsáveis. Nesse caso, diz Kant, teremos “que responder pelas consequências” e “pagar uma penalidade por elas”1.

Referências

RACHELS, James;  RACHELS, Stuart. Os Elementos da Filosofia Moral. Porto Alegre: AMGH Editora, 2013.