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Teoria do conhecimento de Kant: sensibilidade e entendimento, coisa em si e fenômeno

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Será que conhecemos o mundo como ele realmente é? Como podemos saber como ele é? Qual o papel dos sentidos e da razão nesse processo? Essas perguntas não são apenas curiosidades passageiras, mas sim questões fundamentais que têm desafiado filósofos por séculos.

Os racionalistas, como Descartes, defendiam a predominância da razão. Para eles, o conhecimento verdadeiro vinha principalmente através do raciocínio lógico e introspectivo. Os sentidos eram considerados falhos.

Em contrapartida, os empiristas, como Locke, argumentavam que o conhecimento era adquirido exclusivamente através dos sentidos. Eles viam a mente como uma “tábua rasa”, sem ideias inatas, onde o conhecimento é construído a partir da experiência. Para Locke, sem os dados sensoriais, a razão teria muito pouco com o que trabalhar.

Essas duas visões aparentemente opostas estabelecem o palco para um terceiro filósofo entrar em cena: Immanuel Kant (1724 – 1804). Ele se propôs a resolver o impasse, sugerindo uma nova forma de entender como conhecemos o mundo. No desenvolvimento de sua teoria, Kant não descartaria nem a razão pura dos racionalistas, nem a ênfase na experiência sensorial dos empiristas. Em vez disso, ele buscaria uma síntese entre essas abordagens até então opostas.

Sensibilidade e entendimento

Na jornada de compreender como conhecemos o mundo, Kant nos apresenta dois conceitos chave: a sensibilidade e o entendimento. Como eles realmente funcionam?

Sensibilidade, para Kant, é a nossa capacidade de receber sensações através dos cinco sentidos – é como as informações do mundo chegam até nós. Imagine que a sensibilidade é como uma câmera que capta tudo ao redor. No entanto, ela não é uma câmera que simplesmente regista as coisas como elas são. É como se nossa sensibilidade tivesse “filtros” que adicionam alguns elementos da própria câmera naquilo que é observado.

Se parar para pensar, vai se dar conta de que tudo que observamos ocorre no espaço e no tempo. Olhe ao seu redor. O que está percebendo? Consegue perceber algo que não está no espaço ou no tempo? Certamente não. A razão disso, pensava Kant, é que o espaço e o tempo são “filtros” da nossa sensibilidade ou, nas palavras dele, são “formas” da percepção. Sem esses filtros, não poderíamos ver as coisas como sequências de eventos (tempo) ou objetos dispostos em um ambiente (espaço).

Imagine que você comprou uma câmera que adiciona um filtro que deixa a imagem com diferentes tons de verde. Para Kant, nossa sensibilidade era algo semelhante a isso. Porém, ao invés de adicionar uma cor aos objetos, ela adiciona neles relações espaciais e temporais. Espaço e tempo, portanto, não propriedades dos objetos, mas propriedades que nossa sensibilidade adiciona às coisas.

Além disso, essas formas já estão conosco antes mesmo de termos qualquer experiência, por isso Kant as chama de “formas a priori da sensibilidade”. “A priori” significa anterior a qualquer experiência, ou seja, são um pouco como as “ideias inatas” de Descartes: ambas nascem conosco.

Nossa sensibilidade é como um um óculos que adiciona suas características ao que vemos. Mas ao invés de adicionar corres como na imagem, coloca os objetos no espaço e no tempo.

Agora, só ter as fotos não é o bastante, certo? Precisamos entender o que elas significam. Aqui entra o entendimento. O entendimento é como um álbum de fotos onde você organiza todas essas imagens, dá títulos a elas, e as coloca em uma ordem que faz sentido. Kant diz que o entendimento é nossa habilidade de processar e organizar as informações que recebemos do mundo. Ele faz isso através de algo chamado “categorias”, que são como gavetas mentais onde colocamos as coisas para compreendê-las melhor.

Segundo Kant, nosso entendimento possui doze categorias e isso que chamamos de pensar nada mais é do que organizar as informações brutas da sensibilidade nessas categorias.

Para ilustrar, vamos considerar a categoria de “causa e efeito”. Quando vemos uma xícara cair da mesa e se quebrar, nossa mente não apenas registra esses dois eventos, mas também os conecta. Instintivamente, compreendemos que a queda é a causa e a xícara quebrada é o efeito. Essa ligação não é algo que observamos diretamente com os sentidos; ela é feita pelo nosso entendimento, que aplica essa categoria para dar sentido ao que aconteceu.

Outra categoria fundamental é a “quantidade”, que nos permite compreender o mundo em termos de unidades, pluralidade e totalidade. Quando olhamos para um cesto de maçãs, não vemos apenas um borrão vermelho e verde; identificamos “três maçãs”, por exemplo. Nosso entendimento conta, divide e soma, aplicando a categoria de quantidade para estruturar nossa experiência.

Essas categorias são ferramentas que o entendimento usa para transformar as sensações cruas em conhecimento estruturado e compreensível. Sem elas, permaneceríamos em um estado de confusão sensorial, incapazes de distinguir entre uma sucessão de sons e uma melodia, ou entre um conjunto de pontos e uma figura.

Assim, a sensibilidade e o entendimento trabalham juntos: a sensibilidade nos fornece as impressões brutas, e o entendimento as organiza em um sistema coerente de pensamento. Esse processo é o que nos permite navegar e entender o mundo.

A coisa em si e o fenômeno

Agora que entendemos como a sensibilidade e o entendimento moldam nossa experiência do mundo, o que você diria? Será que conhecemos o mundo como ele realmente é? Para pensar sobre isso, Kant nos leva a considerar a diferença entre o fenômeno e a coisa em si.

Os fenômenos são o mundo como nós o experimentamos, como aparece para nós através dos filtros da sensibilidade e das categorias do entendimento. Quando olhamos para o céu azul, sentimos o calor do sol ou ouvimos o som de uma música, estamos interagindo com fenômenos. São as representações que nossa mente constrói a partir das informações sensoriais que recebemos.

Por outro lado, a coisa em si, ou “númeno”, é o mundo independente da nossa percepção. É a realidade em sua forma mais pura, não filtrada pela sensibilidade e não organizada pelo entendimento. Kant argumenta que, embora possamos estar cientes da existência das coisas em si, elas permanecem, em última análise, inacessíveis para nós. Não podemos conhecer as coisas em si porque tudo o que conhecemos é processado pelo nosso aparato cognitivo.

Então, voltamos à pergunta: conhecemos o mundo como ele realmente é? Kant nos diria que não; conhecemos apenas o mundo como ele nos é apresentado, como fenômeno. A verdadeira essência das coisas, sua forma numênica, está além do alcance do conhecimento humano. Isso não significa que o conhecimento seja impossível, mas sim que ele é sempre mediado pelas capacidades humanas de percepção e compreensão.

Essa distinção entre fenômeno e coisa em si é crucial porque nos mostra os limites do conhecimento humano. Ao mesmo tempo, oferece uma explicação poderosa de como somos capazes de ter experiências consistentes e significativas do mundo, apesar desses limites. Kant nos desafia a reconhecer que, embora nossa compreensão seja profunda, ela tem fronteiras que não podemos ultrapassar.

  • Kant procura uma síntese entre racionalismo e empirismo, considerando tanto a razão quanto a experiência sensorial no processo de conhecimento.
  • A sensibilidade, para Kant, é a capacidade de receber informações através dos sentidos, mas com “filtros” como espaço e tempo que moldam nossa percepção.
  • O entendimento organiza as sensações brutas em conhecimento estruturado, usando categorias como “causa e efeito” e “quantidade” para dar sentido à experiência.
  • Fenômenos são o mundo como o experimentamos, filtrados pela sensibilidade e organizados pelo entendimento, enquanto a coisa em si é a realidade inacessível além da nossa percepção.
  • Kant argumenta que só conhecemos o mundo como fenômeno e não em sua essência numênica, estabelecendo os limites do conhecimento humano.