Imagem com logo do site

Liberalismo: principais ideias e tipos

- 9 min leitura

O liberalismo é uma das ideologias mais influentes no mundo ao longo dos últimos séculos. Com outras ideologias, como o conservadorismo, o socialismo e o comunismo, tem moldado a forma de pensar a sociedade e fazer política. Compreender seu significado, assim é fundamental para entender a história, a sociedade e, sobretudo, para pensar a política hoje. Abaixo você vai encontrar uma explicação sobre as ideias centrais do pensamento liberal, além da diferença entre liberalismo clássico e social.

O que é o liberalismo?

O liberalismo é um ideal político cujos valores mais importantes são a liberdade e a igualdade. Um liberal acredita que as pessoas devem ficar à vontade para levar a vida como desejam, sem a interferência do Estado. Essa liberdade deve ser plena, desde que não resulte em prejuízo para terceiros. Assim, devo ser livre para seguir a religião que desejar, porque esse direito não fere o direito de ninguém. Por outro lado, não posso ser livre para matar outras pessoas, pois isso fere a liberdade que possuem de seguir com suas vidas.

Um liberal acredita que as pessoas devem desfrutar dos mesmos direitos, com igualdade. Além disso, acredita na igualdade de oportunidades, ou seja, que a posição social não seja determinada pelo nascimento, mas seja resultado do trabalho e do esforço.

Um Estado liberal adota a ideia de constitucionalismo, divisão de poderes e consentimento dos cidadãos como garantias contra o abuso do poder do governo e como forma de proteger aquilo que é importante, a liberdade individual.

Porém, para os liberais, a liberdade não é absoluta. Diferente do anarquismo, o liberalismo acredita que a liberdade pode ser restringida de algumas formas. Isso levou a diferentes conceitos de liberalismo. Assim, podemos identificar dois tipos de liberalismo. Por um lado, o liberalismo clássico, comprometido com a ideia de um Estado mínimo. De outro, o liberalismo moderno ou social, que, além de acreditar na importância dos direitos individuais, defende a intervenção do estado para garantir igualdade de oportunidades, entre outras coisas.

Liberdade

O valor mais importante para o liberalismo é a liberdade. Um liberal reconhecer que as pessoas possuem interesses diferentes e que a melhor forma do Estado garantir uma vida plena é deixar que todos possam ir em busca daquilo que desejam. Isso inclui a possibilidade de escolher o trabalho, religião, partido político, orientação sexual etc.

Embora um liberal defenda a liberdade, não acredita que essa deve ser absoluta. Stuart Mill foi um filósofo liberal que procurou estabelecer os limites da liberdade. De acordo com o filósofo, ela deve ser restrita na medida em que prejudica terceiros. Assim, por exemplo, uma pessoa não deveria ter o direito de dirigir alcoolizada, pelo risco que isso gera para outras pessoas que também usam a via. Por outro lado, deveria ter o direito de escolher usar ou não o cinto de segurança, na medida que isso não prejudica ninguém além da pessoa que faz a escolha.

O liberalismo, nesse sentido, se opõe ao Estado paternalista, aquele tipo de governo que procura obrigar as pessoas agirem de determinada maneira para seu próprio bem. O liberalismo acredita que o Estado não pode saber o que é melhor para os indivíduos. Cabe sempre a esses decidir o que é melhor para si.

Um segundo aspecto importante do pensamento liberal é que a liberdade deve ser distribuída igualmente. Não deve ser feita qualquer distinção quando se estabelece direitos. Nesse sentido, os liberais são defensores de direitos iguais. Toda prática discriminatória que, por exemplo, conceda liberdade de trabalho para uma parte da população enquanto mantém a escravidão para outra deve ser considerada uma violação desse princípio fundamental.

Por fim, há divergências entre liberais sobre como o conceito de liberdade deve ser entendido. De acordo com outro pensador liberal, Isaiah Berlin, há dois tipos de liberdade: a negativa e a positiva. Cada uma delas se traduz de forma diferente na prática política.

Liberdade negativa

A liberdade negativa consiste na ausência de restrições externas, de modo que o indivíduo possa escolher o que deseja fazer. Um bom exemplo disso é a liberdade religiosa. Ao garantir esse direito, o Estado se compromete a não fazer nada para impedir que o indivíduo escolha. Por isso é chamada de liberdade negativa. Ela envolve a ausência de ação da parte do Estado.

Na prática política, esse conceito de liberdade leva ao chamado Estado mínimo. Se garantir a liberdade significa evitar interferir nas decisões individuais, o melhor Estado, aquele que melhor assegura a liberdade, é justamente aquele que menos age, que cria o menor número de leis, o menor número de obrigações. O ideal é um Estado que não interfere na educação, saúde, economia, religião, arte etc. Que deixa que tudo seja escolhido livremente pelos indivíduos.

Então para que serve o Estado? Mises, por exemplo, um dos defensores do liberalismo clássico, acredita que ele deve apenas garantir o direito à liberdade, à propriedade e à vida. O Estado tem como função preservar as liberdades e direitos. Para isso, deve criar leis e garantir, através da força policial, que elas sejam respeitadas. Um Estado mínimo como esse seria bem diferente, por exemplo, do brasileiro. No Brasil o governo se ocupa da educação, saúde, emprego, segurança, incentivo à cultura, à pesquisa científica, financiamento de empresas, obras de infraestrutura etc. Caso fosse adotado a ideia de Estado mínimo, tudo isso deveria ser deixado de lado e a única função do governo seria preservar a segurança.

Liberdade positiva

A liberdade positiva, por outro lado, está associada à ideia de autonomia, à capacidade de sermos nossos próprios mestres, de vivermos de acordo com aquilo que escolhemos. O contrário de autonomia é a heteronomia: quando outra pessoa faz escolhas por nós. Se seus pais escolhem a faculdade que deve fazer, não estará sendo autônomo, mas heterônomo.

Esse segundo conceito de liberdade exige mais do Estado. O que ele deveria fazer para garantir que todas as pessoas pudessem ser livres nesse segundo sentido? Certamente não basta não impedir as pessoas de fazerem o que desejam, embora isso também seja necessário. Dificilmente uma pessoa será autônoma, por exemplo, se crescer na ignorância, sem conhecer nada, nem mesmo saber escrever. Teria dificuldade de julgar por si mesmo uma série de questões. Se isso é verdade, de um ponto de vista liberal, o Estado deveria garantir educação para toda a população.

Justiça

Quando a questão é “o que é uma sociedade justa?”, há dois elementos fundamentais no liberalismo: igualdade de direitos e de oportunidades.

O liberalismo defende que todas as pessoas sejam tratadas de forma igual pelo Estado. Qualquer distinção não atribuição de direitos com base em fatores como raça, religião, gênero são vistos como violações do princípio básico da igualdade.

Por outro lado, os liberais defendem que a desigualdade na distribuição de riqueza e renda não é indesejável, por duas razões. Em primeiro lugar, porque isso gera incentivos que acabam beneficiando toda a sociedade. Numa sociedade na qual as pessoas ganham mais quando trabalham mais, o desejo de trabalhar e criar coisas que serão úteis para um grande número de pessoa é maior. Nesse processo, todas saem ganhando. Quem produziu, já que receberá uma recompensa por seu trabalho. E quem consome, que terá um novo produto à disposição para satisfazer uma necessidade ou facilitar a vida.

Em segundo lugar, porque as pessoas merecem serem recompensadas pelo seu trabalho. O liberalismo acredita na meritocracia, a ideia de que desigualdade de riqueza e renda deve refletir as diferenças de talento e esforço dos indivíduos. Como as pessoas são diferentes, se dedicam a coisas diferentes ao longo da vida com um variado grau de esforço, uma sociedade justa será aquela que distribui a riqueza e a renda de forma desigual. Mais para aqueles que deram uma contribuição maior para a sociedade; menos para os que deram uma contribuição menor.

A única condição que a sociedade deve satisfazer é a igualdade de oportunidades. Essa é a ideia de que todas as pessoas, independente de sua classe, gênero ou raça tenham as mesmas oportunidades de ocupar os trabalhos mais valorizados e ascender socialmente. Na prática, isso significa acabar com qualquer lei que proíba certos grupos de pessoas de ocuparem determinados trabalhos; significa escolher os trabalhadores através de concursos e não com base na amizade ou parentesco.

O Estado liberal

Para o liberalismo, o Estado tem um papel fundamental. De acordo com John Locke, um dos pais do pensamento liberal, a liberdade só existe sob a lei. A razão disso é a crença de que, não havendo Estado, os indivíduos não teriam proteção e segurança. Sua vida, liberdade e bens estariam constantemente em risco. O Estado tem como função, então, garantir aquilo que há de mais importante: os direitos individuais. Ele serve para nos proteger uns dos outros.

Porém, os liberais também veem o Estado com desconfiança, por duas razões. Em primeiro lugar, porque o governo possui grande poder sobre toda população. É ele que controla as leis e quem manda na polícia. Em segundo lugar, porque os liberais veem o ser humano como um indivíduo egoísta, que deseja sobretudo satisfazer os próprios desejos. Quando um indivíduo possui grande poder, há o risco de que use seu poder em benefício próprio e não do bem público. A máxima segundo a qual “o poder corrompe” é um medo constante no pensamento liberal.

Daí uma segunda característica do Estado liberal: o constitucionalismo. Esse conceito remete à ideia de governo limitado e não absoluto. Num Estado liberal, o governo não pode fazer o que deseja. Ele está sujeito há uma série de regras que governam o próprio governo.

A primeira limitação é a constituição escrita. Essa é uma carta que define as leis mais importantes de um país. No Brasil, por exemplo, temos a Constituição de 1988. Essas leis estão acima de tudo. Todas as pessoas devem respeitá-las, inclusive o governo. Caso deseje alterá-las, há todo um processo que deve ser seguido, o que nos leva a outra característica do constitucionalismo: a divisão de poderes.

A ideia de divisão de poderes foi proposta por Montesquieu como uma solução para o abuso de poder. Essa ideia está presente na divisão do Estado nos poderes legislativo, executivo e judiciário. Cada um desses poderes é independente, tem funções diferentes e é responsável por vigiar o que o outro poder faz. Se o executivo, na figura do presidente, por exemplo, violar uma lei, deverá ser julgado e condenado pelo judiciário. A ideia é que um poder limite a atuação do outro, para que assim se evite abusos.

Por fim, o poder do governo também é limitado pela democracia: a existência de eleições regulares com sufrágio universal. Todo governo deseja permanecer no poder. Numa democracia, deve conquistar o apoio da maioria da população e, para isso, deve evitar abusar do poder. Outras regras como a transparência das ações do governo, a liberdade de expressão e manifestação também contribuem para impedir o que o governo desrespeite os direitos individuais.

Tipos de liberalismo

Os ideais de liberdade e igualdade, nos quais se baseia o liberalismo, não são conceitos exatos e dão margem para muitas interpretações e combinações diversas. Consequentemente, embora possamos unir vários pensadores liberais sob esses ideais, há diferentes tipos de liberalismo.

A principal divisão entre liberais se dá entre o liberalismo clássico e o moderno ou social. A principal diferença entre os dois diz respeito à liberdade econômica e ao direito de propriedade.

Liberalismo clássico

O liberalismo clássico defende o livre mercado e a preservação, o máximo possível, do direito de propriedade. Já vimos o que pensava Mises sobre a função do Estado: apenas garantir a segurança. Para contratar policiais, criar presídios e tribunais, o Estado tem o direito de cobrar um pequeno imposto de todos os indivíduos. Porém, quando o Estado cobra impostos para investir no incentivo à cultura ou fazer assistência social, está violando o direito de propriedade. Essa é, portanto, uma prática considerada injusta.

O liberalismo clássico defende o livre mercado também por razões de eficiência econômica. Baseado nos trabalhos de Adam Smith, acreditam que a chamada mão invisível do mercado pode garantir que produtos de maior qualidade sejam produzidos pelo menor preço possível, beneficiando assim os consumidores. A competição entre empresas promovida pelo livre mercado também tende a gerar inovação e, assim, desenvolvimento econômico. Tudo isso acaba sendo prejudicado quando o Estado cria empresas públicas ou interfere na economia estabelecendo um salário mínimo, por exemplo.

Liberalismo social

O liberalismo social, por outro lado, vê com cautela o direito à propriedade e acredita que o Estado deve interferir no livre mercado de várias maneiras. O liberalismo social defende, além da liberdade negativa, também a liberdade positiva. E isso exige do Estado mais do que garantir segurança. Exige coisas como educação, emprego, assistência social etc. Portanto, o direito à propriedade não é algo absoluto, a ser preservado a toda custa.

As razões que fazem o liberalismo defender a intervenção do Estado no mercado também estão relacionadas à circunstâncias históricas bem específicas. No início do século XX, com a crise de 1929, a capacidade do mercado garantir uma sociedade estável e livre passou a ser questionada. Influenciado pelas ideias de Keynes, vários governos liberais passaram a usar investimento público para incentivar a criação de empregos, por exemplo. Essa passou a ser uma das várias formas de intervenção vistas como aceitável pelo liberalismo social para corrigir falhas do mercado.

Referências e leitura adicional

É importante lembrar que esse texto foi escrito para oferecer uma compreensão inicial do liberalismo. Consequentemente, simplificamos muito um tema que é bastante complexo. Abaixo há uma lista de referências usadas para escrever o texto que podem ser úteis para conhecer mais sobre o tema.

  •  Andrew Heywood. Ideologias Políticas. Esse livro oferece uma visão geral sobre várias ideologias políticas. Ele tem um capítulo dedicado ao liberalismo, onde pensadores e teorias centrais dessa corrente política.
  • José Guilherme Merquior. O Liberalismo – Antigo e Moderno. Livro totalmente dedicado ao pensamento liberal, que engloba mais de três séculos de pensadores e ideias. Certamente um dos melhores livros em português para quem deseja ter uma visão panorâmica do pensamento liberal.
  • Gerald Gaus. Liberalism. Artigo da enciclopédia de filosofia de Stanford, em inglês.
  • John Locke. Segundo tratado sobre o governo civil. Locke é um dos primeiros filósofos liberais. Nesse livro defende as bases do liberalismo: governo limitado, divisão de poderes, liberdade individual, direito à propriedade.
  • John Stuart Mill. Sobre a liberdade. Por que a liberdade é importante? Esse livro de Mill é uma das defesas mais contundentes da liberdade individual.

Também sugerimos a leitura de outros artigos no site sobre ideologias políticas, assim irá entender a relação entre liberalismo e outras ideias, como conservadorismo, fascismo, socialismo, social democracia etc. Ver série sobre liberalismo.