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O eterno retorno segundo Nietszhe

- 5 min leitura

Como você se sentiria vivento sua vida de novo e de novo e de novo?

A ideia do eterno retorno é uma das ideias mais famosas e intrigantes da filosofia de Friedrich Nietzsche (1844-1900). É mencionada pela primeira vez na penúltima seção do Livro IV da Gaia Ciência, aforismo 341, intitulado “o maior dos pesos”.

E se um dia, ou uma noite, um demônio lhe aparecesse furtivamente em sua mais desolada solidão e dissesse: “Esta vida, como você a está vivendo e já viveu, você terá de viver mais uma vez e por incontáveis vezes; e nada haverá de novo nela, mas cada dor e cada prazer e cada suspiro e pensamento, e tudo o que é inefavelmente grande e pequeno em sua vida, terão de lhe suceder novamente, tudo na mesma sequência e ordem — e assim também essa aranha e esse luar entre as árvores, e também esse instante e eu mesmo. A perene ampulheta do existir será sempre virada novamente — e você com ela, partícula de poeira!”

Você não se prostraria e rangeria os dentes e amaldiçoaria o demônio que assim falou? Ou você já experimentou um instante imenso, no qual lhe responderia: “Você é um deus e jamais ouvi coisa tão divina!” Se esse pensamento tomasse conta de você, tal como você é, ele o transformaria e o esmagaria talvez; a questão em tudo e em cada coisa, “Você quer isso mais uma vez e por incontáveis vezes?” pesaria sobre os seus atos como o maior dos pesos! Ou o quanto você teria de estar bem consigo mesmo e com a vida, para não desejar nada além dessa última, eterna confirmação e chancela?

Nietzsche, Friedrich Wilhelm. A gaia ciência. São Paulo, Campanhia das letras, 2012, p. 205.

Nietzsche relatou que o pensamento veio a ele de repente, um dia, em agosto de 1881, quando havia parado em uma grande rocha piramidal enquanto caminhava ao lado do lago de Silvaplana, na Suíça. Depois de introduzi-lo no final de Gaia Ciência, fez dela uma “concepção fundamental” de seu próximo trabalho, Assim Falou Zarathustra. Zaratustra, a figura profética que proclama os ensinamentos de Nietzsche, a princípio, reluta em articular a ideia. Eventualmente, porém, ele proclama o eterno retorno como uma verdade alegre, que seria bem recebida por alguém que ama a vida ao máximo.

O eterno retorno não figura em nenhum dos trabalhos publicados por Nietzsche depois de Assim falou Zaratustra. Mas, na coletânea de notas publicadas pela irmã de Nietzsche, Elizabeth, em 1901, sob o título A Vontade de Poder, há uma seção inteira dedicada ao eterno retorno. A partir disso, parece que Nietzsche alimentou seriamente a ideia de que a essa concepão é literalmente verdadeira. Ele até considerou se matricular em uma universidade para estudar física, a fim de investigar a doutrina cientificamente. É significativo, no entanto, que ele nunca insista realmente em sua verdade literal em seus escritos publicados. Esse conceito é apresentado, antes, como uma espécie de experimento mental para testar a atitude de alguém em relação à vida.

O Argumento Básico para o eterno retorno

O argumento de Nietzsche para o eterno retorno é bastante simples. Se a quantidade de matéria ou energia no universo é finita, então há um número finito de maneiras pelas quais as coisas no universo podem ser organizadas. Qualquer um desses estados constituirá um equilíbrio, caso em que o universo deixará de mudar ou a mudança será constante e interminável. O tempo é infinito, tanto para frente quanto para trás. Portanto, se o universo já estivesse entrando em um estado de equilíbrio, já teria feito isso, já que em uma quantidade infinita de tempo, todas as possibilidades já teriam ocorrido. Como claramente ainda não atingiu um estado permanentemente estável, nunca atingirá. Portanto, o universo é dinâmico, passando incessantemente por uma sucessão de diferentes arranjos. Mas como existe um número finito (ainda que incrivelmente grande) deles, eles devem se repetir de vez em quando, separados por vastos períodos de tempo. Além disso, eles já devem ter ocorrido um número infinito de vezes no passado e o farão novamente um número infinito de vezes no futuro.

Consequentemente, cada um de nós viverá essa vida novamente, exatamente como estamos vivendo agora.

Variações desse argumento haviam sido apresentadas por outros antes de Nietzsche, notavelmente pelo escritor alemão Heinrich Heine, o cientista-filósofo alemão Johann Gustav Vogt e o radical político francês Auguste Blanqui.

O argumento de Nietzsche é científicamente sólido?

Segundo a cosmologia moderna, o universo, que inclui o tempo e o espaço, começou cerca de 13,8 bilhões de anos atrás com o evento conhecido como o Big Bang. Isso implica que o tempo não é infinito, o que remove uma grande parte do argumento de Nietzsche.

Desde o Big Bang, o universo vem se expandindo. Alguns cosmologistas do século XX especularam que, eventualmente, o universo deixará de se expandir, após o que diminuirá à medida que toda a matéria no universo for puxada para trás pela gravidade, levando a um Big Crunch, que desencadeará outro Big Bang e assim em, ad infinitum. Este conceito de um universo oscilante é talvez mais compatível com a ideia de eterno retorno, mas a cosmologia atual não prevê um Big Crunch. Em vez disso, os cientistas prevêem que o universo continuará se expandindo, mas gradualmente se tornará um lugar frio e escuro, já que não haverá mais combustível para as estrelas queimarem – um resultado às vezes chamado de The Big Freeze.

O papel do eterno retorno na Filosofia de Nietzsche

Na passagem acima citada de Gaia Ciência, é perceptível que Nietzsche não insiste que a doutrina do eterno retorno é literalmente verdadeira. Em vez disso, ele nos pede para considerá-lo como uma possibilidade, e depois nos perguntamos como reagiríamos se fosse verdade. Ele supõe que nossa primeira reação seria um completo desespero: a condição humana é trágica; a vida contém muito sofrimento; o pensamento de que é preciso reviver tudo isso um número infinito de vezes pareceria terrível.

Mas então ele imagina uma reação diferente. Suponha que alguém possa receber a notícia, abraçá-la como algo que se deseja? Isso, diz Nietzsche, seria a expressão máxima de uma atitude de afirmação da vida: querer essa vida, com toda a sua dor, tédio e frustração, repetidas vezes. Este pensamento conecta-se com o tema dominante do Livro IV da Gaia Ciência, que é o de ser alguém que diz sim, um afirmador de vida, e de amor fati (amor ao próprio destino).

É também assim que a ideia é apresentada em Assim falou Zaratustra. Zaratustra, sendo capaz de abraçar o eterno retorno, é a expressão máxima de seu amor pela vida e seu desejo de permanecer “fiel à terra”. O contraste aqui é com religiões como o cristianismo, que vêem este mundo como inferior ao outro, e esta vida como uma mera preparação para uma vida no paraíso. O eterno retorno oferece, assim, uma noção diferente de imortalidade daquela favorecida pelo cristianismo.