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Justiça distributiva: como recursos e oportunidades devem ser distribuídos?

- 5 min leitura

Quando interagimos com outras pessoas, frequentemente nos deparamos com questões sobre o que é justo ou não. Imagine estar numa festa de aniversário onde algumas crianças ganham pedaços grandes de bolo e outras não recebem nada. Claro que haverá reclamações. Ou pense num professor de filosofia que decide dar notas com base na altura dos alunos, ou numa empresa que escolhe novos funcionários fazendo um sorteio entre os candidatos. Esses exemplos mostram como frequentemente nos encontramos avaliando situações baseadas na justiça, ou a falta dela.

Há algo em comum em todas essas situações. Algo valioso e cobiçado por muitas pessoas muitas vezes é escasso e disponível em quantidade limitada, o que significa que nem todos conseguem obter a quantidade que desejam. De alguma forma, esses recursos e oportunidades terão que ser divididos e algumas pessoas ficarão sem ou não terão tanto quanto desejam. Consequentemente, surge uma questão: como dividir de forma justa? Essa é a questão da justiça distributiva.

Justiça entre animais e crianças

A preocupação com a divisão de recursos e oportunidades não é exclusiva de seres humanos adultos. Ela também também é encontrada entre animais e crianças.

Um exemplo famoso da percepção de injustiça entre animais vem de um estudo realizado por Sarah Brosnan e Frans de Waal. Em um experimento, duas macacas capuchinhas foram treinadas a trocar pedras por comida com um humano. Quando uma das capuchinhas observou que a outra estava recebendo uma recompensa melhor (um pedaço de uva) por uma tarefa idêntica, enquanto ela própria recebia um pepino (considerado menos desejável), a capuchinha que recebia o pepino começou a recusar-se a participar, jogando o pepino de volta para o pesquisador ou se recusando a entregar a pedra. Esse comportamento foi interpretado como uma reação à percepção de um tratamento injusto, demonstrando uma forma primitiva de senso de justiça entre os animais.1

Outros estudos em mamíferos sociais, como cães e primatas não humanos, também sugerem que eles têm uma percepção básica de justiça e injustiça, especialmente em contextos que envolvem recompensas alimentares e cooperação em tarefas. 

Um estudo conduzido por Friederike Range e sua equipe da Universidade de Viena envolveu cães posicionados um ao lado do outro, aos quais foi solicitado que dessem a pata. Inicialmente, ambos os cães recebiam uma recompensa (um petisco) cada vez que davam a pata. No entanto, conforme o experimento progredia, um dos cães continuava a receber a recompensa, enquanto o outro não recebia nada em troca de dar a pata. O cão que não recebia a recompensa começava a mostrar sinais de estresse e descontentamento, como evitar o olhar do experimentador, lamber-se, bocejar e, eventualmente, se recusava a continuar a participar. Este comportamento foi interpretado como uma indicação de que os cães têm uma percepção básica de justiça e podem ficar descontentes com um tratamento desigual, especialmente quando comparados diretamente com outro cão.2

Quando são enganados, os cães viravam seus focinhos para cima em vez de dar a pata.

Quanto à percepção de justiça e injustiça entre crianças, um estudo liderado por Vanessa LoBue e seus colegas descobriu que crianças a partir dos três anos já conseguem perceber quando uma situação é injusta. No estudo, crianças entre três e cinco anos foram observadas enquanto distribuíam adesivos de forma desigual entre elas. Os pesquisadores notaram que as crianças demonstravam insatisfação, especialmente quando recebiam menos adesivos que os outros. Isso sugere que, mesmo sem expressar verbalmente, crianças bem pequenas já têm um senso de justiça e reagem a desigualdades e as conversas explícitas sobre justiça que começam por volta dos cinco ou seis anos são tentativas de verbalizar sentimentos de injustiça percebidos bem mais cedo.3

Esses exemplos mostram que a justiça e a injustiça não é uma sensação exclusiva dos seres humanos adultos. No entanto, também revelam que é a partir do desenvolvimento da linguagem que passamos a elaborar essas sensações e até refletir filosoficamente sobre elas. Era isso que pensava Aristóteles ao dizer que o homem é um “animal político”. Na medida em que podemos falar, conseguimos conversar sobre o que consideramos justo ou injusto e criar diferentes soluções para a distribuição de coisas valiosas e escassas.

Critérios de distribuição de recursos e oportunidades

O que é justo ou injusto? Uma resposta natural para a pergunta pode ser: depende. Essa ambiguidade surge porque a justiça, em muitos casos, é relativa ao contexto e aos valores de uma sociedade ou grupo. Por exemplo, na educação, podemos acreditar que apenas os estudantes com melhores notas devem receber as maiores recompensas, pois isso reflete uma distribuição baseada no mérito. No entanto, em algumas situações, a tentativa de distribuir determinado bem pode não ser a abordagem mais justa. Considere, por exemplo, a escolha de parceiros de dança em uma festa: a distribuição mais justa seria o resultado das escolhas livres das pessoas presentes. Nesse contexto, impor uma distribuição arbitrária não respeitaria a autonomia e as preferências individuais, destacando que a justiça também envolve reconhecer quando deixar que as interações naturais e escolhas pessoais determinem os resultados.

Se parece óbvio que as notas devem ser distribuídas de acordo com o mérito e os parceiros de danças em uma festa de acordo com as escolhas individuais, o que dizer em relação à distribuição de riqueza em uma sociedade? 

O que é uma sociedade justa nesse aspecto? Qual é o critério ou combinação de critérios que deveria ser adotado? Nesse caso, a resposta não parece ser muito simples. Deveria considerar apenas o mérito individual? As escolhas individuais? Deveria ser igualitária? Deveria ser qualquer coisa que resultasse da livre escolha dos indivíduos?

Embora a questão da justiça social seja antiga na filosofia, desde a publicação do livro Uma Teoria da Justiça de John Rawls, os debates sobre o tema se intensificaram e hoje há uma variedade de soluções, com diferentes filósofos propondo diferentes princípios como a melhor resposta para ela e elaborando raciocínios sofisticados para demonstrá-los. Nos próximos artigos, vamos explorar algumas dessas respostas e discutir o que faz uma sociedade ser justa.

Referências

BROSNAN, S. F.; WAAL, F. B. M. DE. Fair refusal by capuchin monkeys. Nature, v. 428, n. 6979, p. 140–140, 2004. Disponível em: <https://www.nature.com/articles/428140b>. Acesso em: 11/3/2024.

ZELKOWITZ, R. Dogs Have a Nose for Inequity. Science, 8. dez. 2008. Disponível em: <https://www.science.org/content/article/dogs-have-nose-inequity>. Acesso em: 11/3/2024.

LOBUE, V.; NISHIDA, T.; CHIONG, C.; DELOACHE, J. S.; HAIDT, J. When Getting Something Good is Bad: Even Three-year-olds React to Inequality. Social Development, v. 20, n. 1, p. 154–170, 2010. Disponível em: <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1467-9507.2009.00560.x>. Acesso em: 11/3/2024.