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Jogos no ensino de filosofia: 5 opções para engajar estudantes do ensino médio

- 10 min leitura

Introdução

O ensino de filosofia, na maioria das vezes, gira em torno da leitura de textos, discussões em sala de aula e outras atividades mais tradicionais. Esse modelo tem seu valor, especialmente para quem já está acostumado com o mundo filosófico. Mas, quando pensamos em estudantes mais jovens, que estão apenas começando a se envolver com a filosofia, como os do primeiro ano do ensino médio, essa abordagem pode parecer distante e pouco conectada com o que eles conhecem e gostam de fazer.

Isso não significa que devemos abandonar as leituras e discussões clássicas, mas sim que podemos complementar o ensino com ferramentas que falem mais a linguagem desses alunos. É aqui que os jogos entram como uma opção interessante. Eles podem ajudar a fazer a ponte entre o mundo mais dinâmico e interativo que os estudantes já conhecem e o universo reflexivo e analítico da filosofia. Com os jogos, conceitos que podem parecer complicados à primeira vista podem ser vivenciados de maneira mais prática e envolvente, facilitando o interesse e a compreensão desde o início do aprendizado.

Nesse artigo, vamos discutir alguns elementos que são essenciais considerar ao utilizar um jogo em sala de aula e em seguida analisar 5 jogos que podem ser usados no ensino de filosofia.

Como os jogos podem facilitar a aprendizagem?

Se você já utilizou jogos em diferentes contextos de ensino, é provável que tenha se deparado com uma situação onde um jogo gerou grande entusiasmo entre os alunos, mas isso não se traduziu em aprendizagem significativa. O estudante pode se divertir, se envolver com as atividades propostas, mas, no final, não atingir os objetivos que o professor esperava. Nesse caso, o jogo, por mais divertido que tenha sido, não cumpriu seu objetivo pedagógico.

Jogos não têm a capacidade de promover automaticamente a aprendizagem. Por isso, é importante entender quais características eles possuem que podem contribuir para isso e dessa forma avaliar cada caso em função de seu benefício potencial.

Estudos que associam design de jogos e teorias da aprendizagem identificam uma série de elementos presentes nos jogos que estão associados aos processos de aprendizagem, entre eles os seguintes1:

  1. Motivação: para que a aprendizagem aconteça, é importante que o estudante esteja motivado a aprender o conteúdo. Jogos podem fomentar essa motivação por meio de incentivos, desafios e recompensas. No entanto, é necessário que essas mecânicas estejam diretamente ligadas aos objetivos de aprendizagem. De alguma forma, o progresso no jogo não deve ocorrer em função da sorte, mas do domínio dos conhecimentos e habilidades filosóficas relevantes.
  2. Engajamento cognitivo: jogos bem desenhados conseguem engajar os alunos cognitivamente ao exigir que eles pensem, resolvam problemas e tomem decisões que determinam o seu progresso e vitória. Nesse aspecto, a qualidade de um jogo do ponto de vista pedagógico é diretamente proporcional ao tempo em que os estudantes gastam solucionando problemas que estão diretamente relacionados aos conteúdos que se deseja ensinar.
  3. Feedback: o feedback imediato e contextualizado oferecido pelos jogos é outro fator que pode contribuir para a aprendizagem. Quando os jogos fornecem feedback contínuo sobre as ações dos alunos, isso permite que eles ajustem suas estratégias e assim aprendam com seus erros.
  4. Experiência de aprendizado situado: jogos têm o potencial de situar o aprendizado em contextos realistas e significativos. Ao colocar os estudantes em cenários que simulam situações reais, conceitos abstratos podem se tornar mais palpáveis.
  5. Elaboração e expressão do pensamento: por fim, em um contexto de ensino de filosofia, é essencial que os estudantes consigam elaborar e expressar seus pensamentos. A filosofia exige que os alunos articulem suas ideias, debatam e reflitam sobre o que aprenderam. Jogos colaborativos que incentivam a expressão, a troca de ideias, a discussão sobre a melhor estratégia, podem ajudar os estudantes a consolidar seu aprendizado.

Portanto, ao decidir pelo uso de um jogo em uma aula ou até mesmo no momento de desenvolver algum recurso dessa natureza, é importante se fazer as seguintes perguntas:

  1. Os estudantes gostarão de jogar?
  2. O jogo coloca problemas que exigem o uso dos conceitos que se espera ensinar?
  3. Os estudantes recebem feedback sobre como estão se saindo e têm oportunidade de ajustar sua estratégia ao longo do jogo para melhorar?
  4. A dinâmica do jogo de alguma forma torna os conceitos estudados mais concretos?
  5. É necessário que os estudantes conversem entre si usando os conceitos que estão aprendendo para se sair bem no jogo?

Dificilmente um jogo terá todas essas características e isso não o torna necessariamente irrelevante no ensino. No entanto, quanto mais desses critérios ele atender, mais potente será em facilitar a aprendizagem.

Análise de alguns jogos

No Brasil, a disponibilidade de jogos criados especificamente para o ensino de filosofia ainda é bastante limitada. Muitos dos jogos que são mencionados em artigos e relatos online não estão acessíveis para uso direto o que nos deixa apenas com uma noção teórica de como eles funcionam. O mais comum é encontrar jogos que foram desenvolvidos com outros propósitos mas que podem ser utilizados ainda assim no ensino de filosofia.

A seguir, apresentamos alguns jogos que estão disponíveis em português e podem ser efetivamente testados em sala de aula para explorar conceitos filosóficos.

As aventuras de Áris: os sábios da natureza

O jogo “As Aventuras de Áris: os sábios da natureza” foi desenvolvido dentro do contexto do Mestrado Profissional em Filosofia na Universidade Federal de Pernambuco, por Danubio José Monteiro dos Santos. Trata-se de um jogo de ação e aventura com elementos de RPG que coloca os jogadores em uma série de missões e atividades dentro de uma realidade paralela. O objetivo é descobrir e resgatar filósofos pré-socráticos e impedir um vilão de destruir o conhecimento e escravizar a humanidade. No enredo, figuras históricas como Platão, Aristóteles e Hipátia são transformadas em herois que devem resolver enigmas e salvar os filósofos.

A principal forma pela qual conteúdos de filosofia são ensinados pelo jogo é incorporando referências filosóficas em cenários, personagens, enigmas e em seu próprio objetivo geral. De acordo com seu criador, “o diálogo com a história (literal) de cada filósofo, bem como os termos e temas usados (aporia, apeíron, arché, mésotês, eudaimonia, logos, aretê, átomo etc.), promovem uma rica ligação entre o jogo, o jogador e o conhecimento propedêutico de conceitos que fazem parte do universo do vocabulário filosófico.”2

Na dissertação de Danubio, o jogo foi avaliado por meio de um questionário aplicado com estudantes do ensino médio do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco. Em geral, os estudantes relataram conseguir identificar as referências filosóficas presentes no jogo e que conseguiram adquirir ou aprimorar seus conhecimentos desses conceitos.

Considerando nossos critérios, quais são os pontos fortes e fracos deste jogo? A mecânica e a estética certamente têm o potencial de atrair e motivar muitos estudantes, já que são semelhantes a jogos com os quais eles já estão familiarizados. Já as referências filosóficas podem ser eficazes para reforçar conceitos e fatos na memória dos alunos, especialmente se eles já tiverem algum conhecimento prévio sobre o tema.

No entanto, a mecânica do jogo, ao menos no que se pode observar na primeira hora de gameplay, não parece exigir um domínio de níveis mais complexos de conhecimentos filosóficos, o que pode limitar seu valor educativo em certos contextos. Além disso, por ser um jogo extenso, ele pode não ser ideal para um ambiente de sala de aula onde o objetivo é promover a colaboração, discussão e desenvolvimento de estratégias em grupo. Avançar no jogo demandaria várias aulas. Considerando sobretudo sua duração, ele pode ser uma excelente atividade complementar para que os estudantes realizem em casa, que certamente irá instigar a curiosidade de muitos.

Para conhecer mais, aqui você pode jogar online e aqui conhecer mais detalhes sobre o projeto.

Tropicália

Tropicália é um jogo de tabuleiro que simula o sistema governamental brasileiro, especificamente o Poder Legislativo. Projetado para engajar estudantes no processo legislativo, o jogo envolve até cinco jogadores que assumem papeis de deputados de diferentes partidos políticos. Eles avançam pelo tabuleiro, discutindo, votando e negociando projetos de lei com o objetivo de maximizar seus pontos, representando os interesses de seus partidos. A dinâmica do jogo inclui passos como a apresentação, votação e avaliação financeira de projetos de lei, terminando quando os fundos coletivos se esgotam e o jogador com a maior pontuação vence. Ele foi desenvolvido por um grupo de estudantes como projeto de conclusão de ensino médio. De acordo com as autoras do estudo, o jogo foi avaliado por meio de partidas teste e um questionário com os participantes. Através disso foi possível concluir que gerou grande engajamento e promoveu aprendizagem sobre política.

Como pontos positivos, vale destacar o fato de ele simular vários elementos do processo legislativo, o que torna mais fácil para o estudante compreender como as leis são aprovadas no país e a partir disso conceitos teóricos como o de divisão de poderes. O jogo também ilustra como atuam partidos políticos a partir de suas ideologias. Tudo isso ajuda a tornar uma série de conceitos ideológicos mais palpáveis para os estudantes, na medida em que percebem suas implicações em coisas como as leis que organizam uma sociedade. Pela duração e necessidade de ser jogado em grupo, pode ser aplicado durante uma aula. Por fim, promove a discussão, negociação, debate, já que são coisas indispensáveis para que o jogador consiga ganhar.

Aqui você encontra mais informações sobre o jogo e o material necessário para testar.

O jogo da política

Com temática semelhante, o Jogo da Política surgiu a partir da pesquisa “Sonho Brasileiro da Política”, realizada em 2014 com o objetivo de entender os comportamentos e práticas políticas dos jovens brasileiros. A pesquisa revelou um interesse crescente dos jovens pela política, desencadeado pelas manifestações de 2013, mas também evidenciou a necessidade de ferramentas educacionais para ajudá-los a compreender o sistema político de forma mais didática e acessível. Diante desse cenário, o Jogo da Política foi criado em 2015 como uma metodologia vivencial para jovens a partir do ensino médio, com o intuito de aproximá-los da política e torná-la mais transparente e compreensível.

O Jogo da Política simula os três poderes da República – Executivo, Legislativo e Judiciário – através de jogos que levam os jovens a vivenciarem a complexidade da política. No Executivo, os participantes debatem sobre o orçamento da cidade, a divisão dos recursos e a elaboração de um plano de governo. No Legislativo, eles simulam o processo legislativo, criando leis, debatendo em comissões e votando em plenário. Já no Judiciário, organizam um tribunal fictício, simulam um julgamento, debatem sobre justiça e o papel da mídia.

Esse jogo não tem uma mecânica de competição. Trata-se sobretudo de uma simulação bem precisa de diferentes aspectos do processo político brasileiro, em diferentes esferas de governo. Se talvez isso impacte um pouco seus benefícios em termos de motivação, há um ganho na capacidade de tornar bastante concreto o que de outra forma poderia ser uma aula expositiva bastante difícil de assimilar sobre uma série de regras e passos para que uma lei seja criada, um orçamento aprovado, um julgamento realizado e a teoria dos três poderes. Assim como no jogo anterior, destaque para o processo colaborativo no qual os participantes são imersos. O que ao mesmo tempo pode ser um desafio muito exigente para alguns alunos mais tímidos ou que apresentem alguma dificuldade para expressar o que pensam por outra razão.

Como acontece com muitos projetos envolvendo jogos educacionais, o site oficial do jogo da política não está mais disponível. No entanto, como já usei ele em várias situações e temia não encontrar mais, guardei uma cópia. Aqui você encontra os arquivos necessários para a aplicação com a turma.

Jogos sobre falácias

Projeto lançado em 2014, o Jogo das Falácias é um conjunto de 24 cartas com definições e exemplos de falácias e algumas sugestões de atividades com elas. Em uma dessas atividades, os participantes são divididos em grupos e recebem cartas de falácias. Eles devem então elaborar e encenar um debate sobre um tema predefinido, utilizando as falácias que receberam. É algo simples, mas que pode engajar se incluirmos mais alguns detalhes. Criar um sistema de pontos, pedir para cada grupo dar um nome para sua equipe e alguma recompensa para a equipe vencedora vai tornar esse jogo mais envolvente para o grupo. No entanto, há algumas questões importantes a considerar.

Primeiro, o jogo oferece um contexto realista para que os estudantes possam se identificar e aplicar conceitos filosóficos na formulação de falácias. Isso não só promove a aplicação prática dos conceitos, como também incentiva a colaboração, já que eles precisam conversar entre si para elaborar as falácias. Além disso, o feedback imediato fornecido pelo professor, que julga se as falácias foram bem aplicadas e atribui pontos, é crucial para o processo de aprendizagem. A competição, por sua vez, aumenta o engajamento dos alunos, tornando a atividade mais dinâmica e divertida.

Entretanto, há uma dificuldade: para estudantes que estão começando a aprender sobre falácias, pode ser um desafio elaborar argumentos falaciosos sobre determinados temas. Isso se deve ao fato de que, além de precisarem entender o tema, eles também precisam dominar o conceito de falácia, o que pode ser bastante exigente em um nível inicial. Criar um argumento que envolve uma falácia é um processo mais complexo do que simplesmente reconhecer uma falácia em um argumento pronto. Considerando essa complexidade, elaborei uma versão mais simples do jogo, que é mais acessível para iniciantes.

Neste jogo simplificado, os estudantes recebem cartas com argumentos e precisam identificar se há uma falácia presente e, em caso afirmativo, qual é o tipo de falácia. Novamente, há um sistema de pontuação e recompensas para a equipe que tiver o melhor desempenho. Assim, ele preserva as características de engajamento e motivação do jogo original, mas está melhor alinhado ao nível de desenvolvimento dos estudantes, tornando-se uma ferramenta mais eficaz para quem ainda está se familiarizando com o conceito de falácias. Ponto negativo desse modelo é que os argumentos utilizados nas cartas acabam sendo bastante simplificados e perdem um pouco da contextualização em situações de debate real que o atividade original propõe.

Clique aqui para ver a versão original do jogo e aqui para a versão simplificada.

Máquina Moral

Máquina Moral não é exatamente um jogo, mas uma plataforma que apresenta dilemas morais envolvendo carros autônomos. Desenvolvida pelo MIT, ela simula cenários em que veículos autônomos devem tomar decisões críticas, como escolher entre preservar a vida de pedestres ou passageiros em situações de perigo iminente. O usuário é convidado a julgar qual seria a melhor decisão em cada caso, enfrentando dilemas éticos que questionam a moralidade e a justiça das escolhas automatizadas.

O propósito principal da Máquina Moral é explorar como diferentes pessoas ao redor do mundo percebem e julgam esses dilemas, fornecendo dados para discussões mais amplas sobre ética na inteligência artificial e no desenvolvimento de tecnologias autônomas. Mas ela também pode ser valiosa no contexto do ensino de filosofia.

Nos últimos anos tenho usado essa ferramenta com sucesso para introduzir unidades didáticas sobre ética normativa, como nesse exemplo. Ao propor que os estudantes interajam com os dilemas em grupo e tomem uma decisão coletiva, ela gera debates acalorados e se torna um excelente ponto de partida para discutir o que torna uma ação correta ou não. No entanto, como não traz embutida em si qualquer conceito filosófico, para além de problemas, tem uma capacidade limitada de ajudar os estudante a compreenderem teorias morais.

Referências

PLASS, J. L.; HOMER, B. D.; KINZER, C. K. Foundations of game-based learning. Educational Psychologist, v. 50, n. 4, p. 258–283, 2015.

SANTOS, Danubio José Monteiro dos. Gamificação no ensino da filosofia: o jogo de RPG eletrônico como ferramenta para o ensino da Filosofia. 2021. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2021.