Falácia do apostador
A falácia do apostador ou de Monte Carlo é erro comum quando calculamos a probabilidade de eventos.
Imagine que tem em suas mãos uma moeda honesta, ou seja, que não foi manipulada para cair sempre cara ou sempre coroa. Você joga 20 vezes e em todas obtém cara. Quando jogar a vigésima primeira vez, é provável que dê cara ou coroa? Muitas pessoas diriam coroa, porém a probabilidade é a mesma, 50% para cada lado. Eventos independentes como o do exemplo têm sempre a mesma probabilidade, não importa o que aconteceu no passado.
Ainda assim, temos a tendência de pensar o contrário. A história que deu origem a um dos nomes da falácia do apostador ilustra bem isso. Monte Carlo é um distrito de Mônaco, conhecido por ser muito luxuoso. Em 1913, em um cassino da cidade, a cor preta apareceu na roleta 26 vezes seguidas. Quanto o preto já havia saído 15 vezes, os jogadores passaram a dobrar e triplicar suas apostas no vermelho. Fizeram isso por acreditar que a probabilidade do preto ocorrer diminuía cada vez que isso acontecia. No final, levados pela falácia do apostador, acabaram deixando no cassino alguns milhões.
Em situações como essas, algumas pessoas poderiam pensar o inverso: que depois de 15 pretas, a probabilidade de dar preta na vigésima sexta é maior que de dar vermelha. Essa é a chamada falácia do apostador reversa. No entanto, por vezes esse pode ser um bom raciocínio. Se deu 15 pretas, há alguma probabilidade de a roleta do cassino ser viciada. Nesse caso, seria sensato apostar sempre na preta.
Nas cobranças de pênaltis no futebol, os goleiros também estão sujeitos ao erro de raciocínio dos apostadores de Monte Carlo. Em um estudo, Erman Misirlisoy e Patrick Haggard, do Colégio Universitário de Londres, analisaram 361 pênaltis cobrados na Copa do Mundo e na Eurocopa entre 1976 e 2012. Eles concluíram que “quando os cobradores chutaram a bola várias vezes na mesma direção, os goleiros se tornaram mais propensos a se lançar na direção oposta na cobrança seguinte.”
Por que cometemos esse erro?
Por que caímos com tanta frequência na falácia do apostador quando calculamos probabilidades? Há pelo menos duas razões.
Primeira: pensar que eventos passados determinam a probabilidade de eventos futuros é válido em várias situações. Se permanecermos acordados durante dois dias, a probabilidade de dormirmos no dia seguinte aumenta. Se almoçarmos ao meio-dia, a probabilidade de fazermos uma grande refeição nas três horas seguintes diminui. Como se vê, em muitas situações o passado influencia o futuro.
Porém, esses são eventos entre os quais há uma relação causal, eles não são aleatórios. Ficar acordado de forma contínua provoca sono, o que aumenta a probabilidade de dormir. Almoçar diminui a fome, o que reduz a probabilidade de comer nos momentos seguintes. O mesmo não é válido para jogos de azar. Uma moeda lançada no momento anterior não pode afetar o comportamento da moeda seguinte. Não existe nenhum mecanismo pelo qual isso poderia acontecer. Sendo assim, a probabilidade permanece sempre 50% para cara ou coroa, não importa o resultado dos jogos anteriores.
Segunda: confundimos a probabilidade de um conjunto de lançamentos com a probabilidade de lançamentos individuais. Se você jogar quatro vezes uma moeda, a probabilidade de dar uma sequência de 4 caras é de apenas 1 em 16 jogadas. A probabilidade de sair 26 caras em 26 jogadas é de apenas 1 em 67 milhões. Ou seja, o que aconteceu em Monte Carlo é muito improvável. Por isso pensamos que a probabilidade de ser cara depois de 15 caras consecutivas é menor. Ainda assim, a probabilidade não muda. Ela é de 50%, seja no primeiro ou no centésimo lançamento.
Nem sempre é um erro
A falácia do apostador só ocorre quando o resultado de um evento depende apenas do acaso. Em um campeonato de futebol, por exemplo, no qual a vitória depende da qualidade e não da sorte, o fato de uma equipe ter ganho muitas partidas é um indício forte de que estará entre as melhores colocadas. Portanto, não seria falacioso pensar que, depois da vigésima vitória consecutiva, a equipe tem mais probabilidade de vencer do que perder.
Ela também não ocorre quanto a probabilidade de eventos são dependentes. Por isso não é errado pensar que, depois de tirar três damas de um baralho e não repor, a probabilidade de tirar a quarta é menor que tirar qualquer outra carta.
Referências
Johnson, David Kyle. Mistaking the Relevance of Proximate Causation. In Bad Arguments: 100 of the Most Important Fallacies in Western Philosophy. Glasgow: Wiley Blackwell, 2019, pp. 181-184.
Misirlisoy, Erman & Haggard, Patrick. (2014). Asymmetric Predictability and Cognitive Competition in Football Penalty Shootouts. Current biology : CB. 24. 10.1016/j.cub.2014.07.013.