Filosofia helenística
A filosofia helenística tem início com as grandes expedições de Alexandre (322 a.C.) e termina no início da era cristã. Nesse período, há uma verdadeira reviravolta no pensamento filosófico por causa de mudanças políticas provocadas pelas conquistas de Alexandre. Entre as mudanças, a filosofia se torna mais preocupada com o indivíduo e menos com a cidade e a política; a busca de um modo de vida feliz se torna o centro das atenções dos filósofos; a filosofia passa a adotar um ideal cosmopolita e os filósofos passam a se ver como “cidadãos do mundo” ao invés de cidadãos de uma cidade particular.
A vida feliz
Epicuro, um importante filósofo do período helenístico, afirmou que “é vão o discurso daquele filósofo que não cure algum mal do espírito”. Ou seja, é inútil fazer filosofia se ela não trazer felicidade e reduzir o sofrimento. Nesse aspecto, Epicuro está dizendo algo sobre o qual todos os filósofos desse período concordam.
A filosofia é vista nesse momento como estando atrelada a um modo de vida. O filósofo, então, não é aquele que simplesmente escreve um livro, formula uma teoria ou diz belas palavras. Mas aquele que reflete sobre a existência e vive de acordo com algum ideal de vida boa. Todas as escolas desse período, o cinismo, o estoicismo, o epicurismo, o ceticismo, adotam esse ideal de filosofia e desenvolvem diferentes concepções de vida feliz, como iremos ver.
Escolas da filosofia helenística
Cinismo
A escola cínica teve início com Antístenes (445 – 360 a. C.) que, assim como Platão, foi um seguidor de Sócrates e se via como responsável por dar continuidade à sua filosofia. Depois da morte do mestre, abandonou a vida fácil dedicada ao ócio e passou a viver do trabalho e entre pessoas pobres. Rejeitou o luxo da civilização e procurou viver de forma mais natural.
A escola cínica teve continuidade com Diógenes (400 – 325 a. C.), um dos seus representantes mais conhecidos. O filósofo abriu mão completamente das comodidades da civilização e procurou viver de acordo com a natureza. Deixou de se tomar banho e vivia num barril. Não respeitava convenções sociais, de modo que fazia tudo em público, inclusive se masturbar. Seu comportamento rendeu-lhe o apelido de “cínico” que em grego significa “como um cão”.
Estoicismo
A escola estoica surgiu com Zenão (333 – 263 a. C.) e teve uma longa existência, sendo muito influente no Império Romano e inclusive na formação do cristianismo. Grandes pensadores de Roma, como Sêneca, Epiteto e Marco Aurélio pertenceram a essa escola.
O estoicismo partiu de uma ideia do universo como algo governado por princípios racionais (algo como o que chamamos hoje de leis científicas) que é possível aos seres humanos conhecer. Os estoicos não acreditavam nos deuses mitológicos e, sendo assim, viam a natureza de forma determinista. De nada adianta rezar para os deuses pedindo que uma tempestade, por exemplo, não aconteça. Ela acontecerá de qualquer forma e não há nada que os seres humanos possam fazer para evitá-la.
Considerando esse caráter inevitável de tudo o que ocorre na natureza, um filósofo estoico certa vez disse que o homem é “como um cão amarrado a uma carroça, obrigado a ir para onde ela vai.” Com isso queria nos lembrar que estamos completamente sujeitos às forças da natureza e suas leis imutáveis.
Diante dessa realidade, sem um deus salvador, só resta uma saída para levar uma vida feliz: se adaptar às circunstâncias, aceitar o que acontece ao invés de resistir. É por isso que hoje usamos a palavra “estoico” para se referir àquelas pessoas capazes de enfrentar as situações mais difíceis, como a morte, de forma calma e sem desespero.
O estoicismo ensina o autocontrole, o controle das emoções e desejos, dessa forma, o filósofo estoico pode enfrentar qualquer situação sem grande sofrimento e levar uma vida feliz.
Epicurismo
Essa escola da filosofia helenística teve origem com Epicuro (341 – 270 a. C.). Por volta de 300 a. C. ele passou a viver com alguns amigos em um jardim nos arredores de Atenas. Nessa comunidade, levavam uma vida simples dedicada ao prazer, o grande ideal de vida epicurista.
Essa filosofia conquistou muitos admiradores ao longo do tempo. A obra-prima do poeta romano Lucrécio, Sobre a natureza, é dedicada à filosofia epicurista.
Nada melhor do que uma história para ilustrar o que os epicuristas consideravam uma vida feliz.
Epicuro era conhecido e seu modo de vida atraia curiosos. Dizem que o rei veio visitar uma vez. Ele pensava que esse homem devia estar vivendo no luxo porque seu lema era: comer, beber e ser feliz. “Se esta é a mensagem”, pensou o rei, “verei pessoas vivendo em luxo, em condescendência.” Mas quando ele chegou, viu pessoas muito simples trabalhando no jardim, regando as árvores. O dia inteiro eles estavam trabalhando. Eles tinham muito poucos pertences, apenas o suficiente para viver. E à noite, quando estavam jantando, não havia nem manteiga; apenas pão seco e um pouco de leite — mas eles apreciavam a vida como se fosse uma festa. Depois do jantar, eles dançaram. O dia acabou e eles ofereceram um agradecimento à existência. E o rei chorou — porque sempre pensara em condenar Epicuro em sua mente.
Ele perguntou: “O que você quer dizer com comer, beber e ser feliz?”
Epicuro disse: “Você viu. Por vinte e quatro horas estamos felizes aqui. E se você quer ser feliz, você tem que ser simples — porque quanto mais complexo você é, mais infeliz você se torna. Quanto mais complexa a vida, mais miséria ela cria. Somos simples, não porque estamos buscando a Deus, somos simples, porque ser simples é ser feliz.”
E o rei disse: “Eu gostaria de enviar alguns presentes para você. O que você gostaria para o jardim e sua comunidade?”
E Epicuro estava perplexo. Ele pensou e pensou e disse: “Não achamos que mais alguma coisa seja necessária. Não se ofenda; você é um grande rei, você pode dar tudo — mas nós não precisamos. Se você insistir, pode mandar um pouco de sal e manteiga.”
Nisso se resumia a filosofia do prazer recomendada por Epicuro: apreciar os pequenos prazeres da vida e assim ser feliz.
Ceticismo
O ceticismo teve início com Pirro (360 – 272 a. C.), que defendia que devemos suspender o juízo sobre todas as coisas e não adotar crença alguma. O cético é aquele que não acredita em nada, nem mesmo naquilo que vê com os próprios olhos.
Os céticos apresentavam uma série de razões para justificar a necessidade de suspender o juízo. Uma delas é a divergência de opiniões. Não existe uma ideia que seja aceita integralmente por todos os seres humanos. Cada filósofo tem uma opinião diferente sobre os mais diferentes assuntos, assim como as pessoas comuns. Diante dessa divergência generalizada, os céticos pensam que a única posição razoável é suspender o juízo.
O objetivo dos céticos era atingir um estado de tranquilidade absoluta no qual nada afeta. O caminho para isso é justamente evitar manter uma opinião sobre qualquer assunto. Há uma história segundo a qual durante uma tempestade em alto mar o barco que Pirro era balançado por ventos violentos e jogado de um lado para o outro pelas ondas enormes. Toda a tripulação estava apavorada com o risco da morte e ainda assim o filósofo permanecia indiferente ao perigo. Olhando para um porco que comia calmamente na tempestade, apontava no animal um exemplo de comportamento sábio. Pirro conseguia se manter nesse estado porque evitava acreditar em coisas como “o barco vai afundar”, “irei morrer”, “a vida é melhor que a morte”. Ao contrário, suspendia seu julgamento e assim evitava preocupações desnecessárias.
Referências e leitura adicional
Diógenes Laércio. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1988.
Giovanni Reale. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. São Paulo: Paulus Editora, 1990.