Utilitarismo: o certo é o que gera mais felicidade
O utilitarismo é uma teoria em ética normativa que explica o que é uma ação correta e o que é uma ação errada. Em resumo, a ideia é que certo é tudo o que gera mais felicidade e errado o que gera menos felicidade. E felicidade é entendida como bem-estar, prazer, aquilo que buscamos em nossas vidas.
Os filósofos, desde Sócrates pelo menos, refletiram sobre a natureza do certo e do errado. E alguns deles propuseram teorias gerais para explicar o que é uma ação correta. Umas dessas teorias é o utilitarismo. Os dois principais filósofos associados a essa teoria são ingleses e viveram no século XIX: Jeremy Bentham e John Stuart Mill.
Para compreendermos como o utilitarismo explica o que é certo e errado, como devemos agir, vamos considerar um caso de dilema moral, o dilema do trem.
Você vê um trem desgovernado indo em direção a cinco pessoas amarradas nos trilhos. Caso nada seja feito, elas serão mortas pelo trem. Mas você está ao lado de uma alavanca que controla um interruptor. Se você puxar a alavanca, o trem será redirecionado para uma pista lateral e as cinco pessoas na pista principal serão salvas. No entanto, na pista lateral também há uma pessoa presa que acabará morrendo.
Qual é a coisa certa a fazer?
- Deixar que as cinco pessoas moram?
- Puxar a alavanca e matar uma pessoa?
Independente do que considere o mais correto a fazer, nesse momento vamos deixar nossas crenças pessoais de lado e analisar essa questão do ponto de vista do utilitarismo. De acordo com essa teoria, fazer o certo é fazer aquilo que irá trazer a maior felicidade ou bem-estar. Os utilitaristas chamam essa regra básica de princípio de utilidade.
Nesse ponto, é importante diferenciar o utilitarismo do egoísmo. De acordo com essa visão, o certo é aquilo que nos é benéfico. Uma pessoa egoísta, no dilema do trem, optaria pela ação que vai lhe deixar mais confortável. Um utilitarista, ao contrário, considera a felicidade de todas as pessoas que serão afetadas pela ação.
Sabendo disso, você já deve imaginar o que os utilitaristas teriam a dizer sobre o dilema do trem. Fazendo um cálculo simples, a sobrevivência das cinco pessoas gera claramente mais bem-estar e menos sofrimento. Portanto, deveríamos puxar a alavanca.
Consequencialismo
Na ética normativa, geralmente o utilitarismo é descrito como uma teoria consequencialista. Para ele, a única coisa que devemos considerar ao avaliarmos uma ação são suas consequências, se são benéficas ou prejudiciais. Se voltarmos ao exemplo anterior, isso vai ficar claro.
Muitas pessoas diriam que é errado puxar a alavanca porque assim você mataria uma pessoa. Caso contrário, mesmo cinco pessoas morrendo, você não agiria errado, já que não fez nada para que isso acontecesse. As mortes foram provocadas por um trem desgovernado, não por sua ação.
Porém, para um utilitarista devemos julgar a ação (ou a falta de ação) por suas consequências, pelo seu resultado. E, nesse caso, esse foi pior que teria sido se tivesse puxado a alavanca. Sua não ação resultou em cinco mortes. Sua ação teria resultado em apenas uma. Portanto, considerando apenas as consequências para a felicidade geral, como quer o utilitarismo, fica evidente qual a ação correta.
Algumas críticas ao utilitarismo
O utilitarismo leva à violação de direitos básicos, como o direito à vida
Algumas críticas ao utilitarismo afirmam que ele conduz a ações claramente erradas, pois resultam na violação de direitos muito básicos, como o direito à vida e à integridade física.
Considere o seguinte exemplo.
Sara é uma cirurgiã especializada na realização de transplantes. No hospital em que trabalha, enfrenta uma terrível escassez de órgãos – cinco dos seus pacientes estão prestes a morrer devido a essa escassez. Jorge está no hospital se recuperando de uma operação. Sara sabe que ele é uma pessoa solitária – ninguém vai sentir sua falta. Tem então a ideia de matá-lo e usar seus órgãos para realizar os transplantes, sem os quais cinco pacientes morrerão.
Não hesitamos em considerar a ideia da errada. Mas o que um utilitarista pensaria disso? Pensando bem, a decisão em jogo é semelhante àquela do dilema do trem. Sara deve escolher entre deixar cinco pessoas morrerem ou matar uma. O utilitarismo, portanto, deveria apoiar a ideia de Sara.
Algumas pessoas veem nessa conclusão um sério problema para o utilitarismo. Uma teoria moral que pretende explicar o que é certo fazer não deveria nos levar a assassinar pessoas. Sendo assim, a ideia de gerar mais felicidade não parece ser um guia adequado para as nossas ações.
Há coisas mais importantes que a felicidade ou bem-estar
Para o utilitarismo, a única coisa que importa é se as ações contribuem ou não para aumentar o bem-estar e a felicidade. A princípio essa parece ser uma ideia interessante, afinal, o que pode haver de mais importante do que a felicidade em nossas vidas?
Pensando nessa questão, um filósofo chamado Robert Nozick propôs um experimento mental para avaliarmos o que realmente importa na vida.
Imagine que os cientistas tenham inventado uma nova tecnologia incrível chamada Máquina de experiências. Funciona assim.
Você vai ao laboratório e se senta com a equipe responsável pelo experimento e fala com eles sobre tudo o que você sempre quis fazer na vida – descreve sua vida perfeita, a mais ideal, a mais prazerosa, a mais alegre e mais satisfatória possível. Então eles te induzem a um coma do qual você nunca mais sairá. Eles colocam seu corpo inconsciente em um tanque de líquido em uma sala escura e cobrem sua cabeça com eletrodos.
Quando você está no tanque, a simulação começa. Você experimentará tudo o que você sempre sonhou, experimentará uma vida perfeita. Como você não terá memórias de entrar na máquina, não lhe restará qualquer indício de que suas experiências não são reais. Viverá como se tudo fosse a mais pura realidade. Mas, na verdade, nada do que vive é real: você está flutuando em um barril de líquido em uma sala escura. Você nunca mais acordará para experimentar o mundo real ou interagirá com pessoas reais, mas não saberá disso e sentirá como se tudo o que estivesse experimentando fosse real.
A questão é: se a máquina da experiência estivesse disponível e houvesse uma garantia total de que funciona perfeitamente, você entraria nela?
A maior parte das pessoas certamente não trocaria a vida real, mesmo que repleta de sofrimento e com poucos momentos de felicidade, por uma vida fictícia. Nozick argumentou, através desse experimento mental, contra a ideia utilitarista de que devemos considerar apenas o bem-estar das pessoas afetadas por um determinado curso de ação.
Referências
Tim Mulgan. Utilitarismo. Petrópolis: Vozes, 2012.
James Rachels. Os Elementos da filosofia Moral. São Paulo: AMGH, 2013.