Análise das questões de filosofia do ENEM 2024
A edição do Enem deste ano apresentou dez questões de filosofia, número um pouco superior ao de outras edições, nas quais geralmente a disciplina é abordada com menor frequência. Entre os filósofos citados nas questões, destacam-se nomes clássicos como Aristóteles e Michel Foucault, cujas teorias e reflexões já são familiares em provas anteriores. No entanto, a edição deste ano também trouxe figuras do empirismo lógico e da filosofia analítica, como Rudolf Carnap e Willard van Orman Quine, ampliando o repertório filosófico para além dos autores mais convencionais.
Outro destaque é o recorte da história da filosofia feito na prova: quase todas as questões abordam filósofos ou temáticas contemporâneas. Conforme analisamos em outra ocasião, a prova do ENEM tende a dar mais ênfase a pensadores e temas do período moderno. A filosofia contemporânea ficava em segundo lugar em termos de quantidade de questões. Esse cenário mudou bastante na prova de 2024, com cerca de 80% dela sendo dedicada a esse período histórico.
A prova também exigiu um conhecimento técnico de filosofia, indo além da simples interpretação textual. Em muitos casos, não bastava apenas compreender o sentido geral dos enunciados e textos de apoio; era necessário ter um entendimento apropriado de alguns conceitos filosóficos para conseguir analisar as questões de forma precisa e escolher a resposta correta. Esse enfoque técnico demandou dos candidatos familiaridade com termos específicos e distinções conceituais que são fundamentais para interpretar adequadamente as ideias apresentadas.
Questão 1
Bertrand Russell conta a história de um peru que descobriria, em sua primeira manhã na fazenda de perus, que fora alimentado às 9 da manhã. Contudo, ele não tirou conclusões apressadas. Esperou até recolher um grande número de observações do fato de que era alimentado às 9 da manhã e fez essas observações sob uma ampla variedade de circunstâncias, às quartas e quintas-feiras, em dias quentes e dias frios, em dias chuvosos e dias secos. A cada dia acrescentava uma outra proposição de observação à sua lista. Finalmente, sua consciência ficou satisfeita e ele concluiu: “Eu sou alimentado sempre às 9 da manhã”.
CHALMERS, A. O que é ciência, afinal? São Paulo: Brasiliense, 1993 (adaptado).
Qual tipo de raciocínio corresponde ao padrão de pensamento exibido pelo personagem no texto?
A) Prático, porque recolhe evidências e recomenda ações.
B) Absoluto, porque busca confirmações e bloqueia refutações.
C) Indutivo, porque observa eventos particulares e infere uma conclusão geral.
D) Demonstrativo, porque encadeia premissas e extrai conclusões inevitáveis.
E) Analógico, porque compara diferentes situações e detecta elementos semelhantes.
Conceitos abordados na questão
Para resolver essa questão, era necessário compreender a diferença entre alguns tipos de raciocínio: indutivo, dedutivo e analógico. No raciocínio indutivo, observamos uma série de eventos particulares e, a partir desses eventos, formulamos uma conclusão geral. É um método muito usado na ciência e na vida cotidiana, onde a repetição de uma ocorrência nos leva a inferir uma regra. No entanto, essa conclusão não é garantida com absoluta certeza, pois novas observações podem contradizê-la. No caso do peru, ele observa que é alimentado todos os dias às 9 da manhã e, com base nessa repetição, conclui que será sempre alimentado nesse horário. No raciocínio dedutivo, se parte de uma ou mais premissas aceitas como verdadeiras para tirar conclusões que necessariamente devem ser verdadeiras. Ou seja, as conclusões dedutivas são logicamente inevitáveis e partem do geral para o particular. Por exemplo, se sabemos que “todos os pássaros têm penas” e “os perus são pássaros”, podemos dedutivamente concluir que “os perus têm penas”. Por fim, o raciocínio analógico se baseia em comparar situações diferentes que possuem alguma semelhança e, a partir dessa semelhança, inferir que um elemento ou conclusão válida em um caso também pode ser válida no outro.
Explicação da alternativa correta
A alternativa correta é C) Indutivo, porque observa eventos particulares e infere uma conclusão geral. O comportamento do peru é um exemplo clássico de raciocínio indutivo, onde ele observa um padrão específico (ser alimentado às 9 da manhã em diferentes condições) e infere uma conclusão ampla sobre seu futuro. Esse processo não garante uma certeza absoluta, mas constroi uma inferência geral baseada na experiência.
Análise das alternativas incorretas
A) Prático, porque recolhe evidências e recomenda ações
Esta alternativa não se aplica, pois o peru não está usando as observações para tomar uma ação prática, mas apenas para formular uma conclusão sobre um padrão.
B) Absoluto, porque busca confirmações e bloqueia refutações
O raciocínio indutivo, como o utilizado pelo peru, não é absoluto, pois permanece aberto a refutações. Ele infere uma regra geral com base nas observações, mas sem bloquear a possibilidade de que essa regra seja contrariada no futuro.
D) Demonstrativo, porque encadeia premissas e extrai conclusões inevitáveis
Essa opção se refere a um raciocínio dedutivo, onde uma conclusão é extraída de premissas de forma necessária.
E) Analógico, porque compara diferentes situações e detecta elementos semelhantes
No raciocínio analógico, a conclusão deriva da comparação entre casos semelhantes. No entanto, o peru não faz uma comparação, mas sim uma generalização baseada na repetição de um evento.
Questão 2
Resumamos os principais caracteres de um rizoma: diferentemente das árvores ou de suas raízes, o rizoma conecta um ponto qualquer com outro ponto qualquer e cada um de seus traços não remete obrigatoriamente a traços de mesma natureza. Contra os sistemas centrados (e mesmo policentrados), o rizoma é um sistema a-centrado e não hierárquico e não significante, sem general, sem memória organizadora ou autômato central, unicamente definido por uma circulação de estados.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs. São Paulo: Editora 34, 1995 (adaptado).
Qual elemento da cultura contemporânea se relaciona às características do conceito de rizoma, conforme descrito no texto?
A) Estrutura fixa.
B) Lógica binária.
C) Controle homogêneo.
D) Uniformidade de opiniões.
E) Pluralidade de interações.
Conceitos abordados na questão
Para resolver essa questão, o estudante precisava entender o conceito de rizoma de Deleuze e Guattari. O rizoma é uma estrutura que se desenvolve de maneira descentralizada e não hierárquica, permitindo conexões múltiplas entre diferentes pontos. Em vez de uma estrutura fixa e central, como uma árvore (onde há um tronco central e ramificações ordenadas), o rizoma se parece mais com uma rede, onde qualquer ponto pode se conectar a outro de forma livre. Um exemplo de rizoma seria a internet, que permite conexões diretas entre diferentes usuários e sites, sem uma ordem central rígida.
Explicação da alternativa correta
A alternativa correta é E) Pluralidade de interações. O conceito de rizoma é caracterizado pela diversidade de conexões e pela liberdade de interação entre pontos, sem uma ordem ou hierarquia fixa, o que corresponde à ideia de pluralidade de interações.
Análise das alternativas incorretas
A) Estrutura fixa
O rizoma é o oposto de uma estrutura fixa. Ele é fluido e permite conexões variadas, enquanto uma estrutura fixa é estática e centralizada.
B) Lógica binária
A lógica binária implica uma escolha entre duas opções, enquanto o rizoma oferece múltiplas conexões e possibilidades, sem restrições de pares opostos.
C) Controle homogêneo
Controle homogêneo sugere uniformidade e centralização. No rizoma, há liberdade e heterogeneidade, com cada ponto livre para se conectar a outros.
D) Uniformidade de opiniões
O rizoma supõe a diversidade e a multiplicidade de opiniões e interações, não a uniformidade.
Questão 3
A pessoa com deficiência de qualquer modalidade — seja visual, auditiva, física ou mental — encontra-se em uma posição de grande vulnerabilidade em relação às pessoas sem deficiência, sendo frequentemente marcante a assimetria das relações de poder na interação entre elas. A assimetria de relação hierárquica é multiplicada quando se atende, além do caso, sendo ampliado o grupo de risco, por exemplo, se for mulher ou criança.
PASIAN, M. S. A negligência parental e a relação com a deficiência: o que mostra a pesquisa nacional. Revista Educação Especial, n. 53, set.-dez. 2015 (adaptado).
A realidade abordada no texto indica a necessidade de se promover uma ética interpessoal centrada no:
A) Cuidado, proteção e valorização dos indivíduos.
B) Entendimento, perdão e tolerância dos responsáveis.
C) Cerceamento, arrefecimento e controle de entidades.
D) Regramento, legislação e responsabilização de culpados.
E) Ensimesmamento, interiorização e indulgência dos agentes.
Conceitos abordados na questão
Para responder corretamente a esta questão, o estudante precisava distinguir entre ações éticas, que pertencem ao âmbito da ética interpessoal, e ações de natureza política ou institucional. A ética interpessoal refere-se a atitudes que envolvem cuidado, respeito e valorização no trato direto com outros indivíduos. Em contraste, o âmbito político ou institucional diz respeito a medidas e regulamentações externas, como leis, políticas de controle e responsabilização, que buscam organizar e moldar o comportamento social por meio de normas e sanções. Essas ações políticas ou institucionais não se baseiam na escolha ética individual, mas na imposição de regras que se aplicam a todos. O entendimento dessa diferença é fundamental para interpretar corretamente a questão e identificar a opção que se refere à ação ética interpessoal.
Explicação da alternativa correta
A alternativa correta é A) Cuidado, proteção e valorização dos indivíduos. A situação descrita no texto trata da vulnerabilidade de pessoas com deficiência e das relações de poder que podem colocar essas pessoas em desvantagem. Uma ética interpessoal centrada no cuidado e proteção oferece a resposta adequada a essa vulnerabilidade, pois envolve um compromisso direto e pessoal com o bem-estar do outro.
Análise das alternativas incorretas
B) Entendimento, perdão e tolerância dos responsáveis
Embora entendimento e tolerância sejam atitudes positivas, essa alternativa é inadequada para a situação descrita. Perdoar eventuais negligências ou atitudes inadequadas dos responsáveis vai ser um estímulo para que continuem sendo negligentes.
C) Cerceamento, arrefecimento e controle de entidades
Esta alternativa se refere a uma ação política ou institucional, onde o controle e o arrefecimento são medidas de ordem administrativa ou organizacional, e não ações interpessoais. A ética interpessoal está relacionada a uma escolha pessoal de proteção e cuidado, e não a uma imposição regulatória externa.
D) Regramento, legislação e responsabilização de culpados
Essa alternativa também pertence ao campo da política e da instituição jurídica. Legislar e responsabilizar são medidas que buscam moldar o comportamento através de normas sociais e leis, mas não dizem respeito à ética interpessoal, que se baseia na decisão individual de agir em benefício do outro por razões morais.
E) Ensimesmamento, interiorização e indulgência dos agentes
Essa alternativa fala em “indulgência”, que tem a ver com perdoar erros. Ela está errada por razões semelhantes às da alternativa B.
Questão 4
Os grupos dominantes são beneficiados em termos de credibilidade e podem, com isso, controlar falas de membros de outros grupos, descredibilizando seus testemunhos com base em concepções compartilhadas de preconceito de identidade (gênero e raça). Algumas formas de preconceito tornam as declarações das pessoas menos importantes devido ao seu pertencimento a determinado grupo social. Assim, um falante recebe menos credibilidade devido ao preconceito do ouvinte.
KUHNEN, T. Resenha de The Power and Ethics of Knowing, de Miranda Fricker. Revista Princípios, n. 33, 2013.
Com base na reflexão suscitada no texto, o preconceito de identidade é responsável por um tipo de injustiça:
A) Estética, que normatiza os padrões corporais.
B) Sensorial, que privilegia as habilidades visuais.
C) Afetiva, que reprime as expressões emocionais.
D) Epistêmica, que prejudica as trocas informacionais.
E) Econômica, que perpetua as desigualdades materiais.
Conceitos abordados na questão
Para responder a essa questão, o estudante precisava entender o conceito de injustiça epistêmica, analisado no texto de apoio pela filósofa Miranda Fricker. “Episteme” em grego significa “conhecimento”. Sendo assim, “injustiça epistêmica” tem a ver com uma injustiça que não está relacionada à dinheiro, mas ao conhecimento. A injustiça epistêmica ocorre quando alguém é descredibilizado injustamente, impedido de compartilhar ou validar conhecimento devido a preconceitos de identidade, como gênero, raça ou classe social.
Explicação da alternativa correta
A alternativa correta é D) Epistêmica, que prejudica as trocas informacionais. O texto descreve uma situação em que o preconceito de identidade leva à descredibilização de certos grupos, o que resulta em uma injustiça epistêmica. Esse preconceito impede que pessoas de grupos marginalizados contribuam com suas perspectivas e informações, restringindo a circulação de conhecimento e, portanto, prejudicando as trocas informacionais.
Análise das alternativas incorretas
A) Estética, que normatiza os padrões corporais
A injustiça estética refere-se a discriminações com base na aparência física ou padrões estéticos. Embora isso também seja uma forma de preconceito, o texto trata especificamente da desvalorização de vozes e testemunhos com base em preconceitos de identidade, sem mencionar padrões estéticos.
B) Sensorial, que privilegia as habilidades visuais
Injustiças sensoriais se relacionariam a alguma forma de discriminação com base nas capacidades sensoriais (visão, audição, etc.), o que não é o foco do texto. A questão aborda o preconceito de identidade, que leva à exclusão informacional e não se refere a habilidades sensoriais.
C) Afetiva, que reprime as expressões emocionais
A injustiça afetiva diz respeito à repressão emocional, o que não se aplica ao caso em questão.
E) Econômica, que perpetua as desigualdades materiais
Embora o preconceito possa, indiretamente, contribuir para desigualdades econômicas, a questão trata da injustiça em um nível de conhecimento e credibilidade, não de questões materiais ou econômicas.
Questão 5
A alma funciona no meu corpo de maneira maravilhosa. Nele se aloja, certamente, mas sabe bem dele escapar: escapa para ver as coisas através da janela dos meus olhos, escapa para sonhar quando durmo, para sobreviver quando morro. Minha alma durará muito tempo e mais que muito tempo, quando meu corpo vier a apodrecer. Viva minha alma! É meu corpo luminoso, purificado, virtuoso, ágil, móvel, tépido, vicioso; é meu corpo liso, castrado, arredondado como uma bolha de sabão.
FOUCAULT, M. O corpo utópico, as heterotopias. São Paulo: Edições N-1, 2013.
Esse texto reforça uma concepção metafísica clássica que remete a um(a):
A) Pressuposto lógico.
B) Pensamento dicotômico.
C) Contemplação da natureza.
D) Raciocínio argumentativo.
E) Crítica à individualidade.
Conceitos abordados na questão
Para resolver essa questão, o estudante precisava compreender o dualismo de corpo e alma de Descartes. Esse filósofo via a alma como algo eterno e imaterial, enquanto o corpo é visto como mortal e físico. Esse dualismo, estabelece uma distinção entre o mundo físico e o espiritual.
Explicação da alternativa correta
A alternativa correta é B) Pensamento dicotômico. O texto de Foucault explora a ideia de uma separação entre corpo e alma, onde a alma é vista como algo capaz de escapar do corpo e sobreviver além dele. Esse é um exemplo de pensamento dicotômico, em que duas partes (corpo e alma) são tratadas como entidades distintas e complementares.
Análise das alternativas incorretas
A) Pressuposto lógico
Pressupostos lógicos referem-se a premissas assumidas dentro de um argumento, o que não é o foco do texto. O texto aborda uma visão metafísica do corpo e da alma.
C) Contemplação da natureza:
A contemplação da natureza geralmente diz respeito à admiração pela beleza e pela harmonia do mundo físico. No entanto, o texto se concentra na relação entre corpo e alma, com foco na distinção entre o físico e o espiritual, e não em uma reflexão sobre a natureza.
D) Raciocínio argumentativo:
O raciocínio argumentativo envolve a construção de um argumento lógico para provar ou refutar uma ideia. O texto de Foucault é mais uma descrição poética, não uma argumentação lógica com premissas e conclusões.
E) Crítica à individualidade:
Não há, no texto, uma crítica à individualidade em nenhum sentido.
Questão 6
TEXTO I
O empirismo moderno foi, em grande parte, condicionado por dois dogmas. Um deles é a crença em certa divisão fundamental entre verdades analíticas, ou fundadas em significados independentemente de questões de fato, e verdades sintéticas, ou fundadas em fatos. O outro dogma é o reducionismo: a crença de que todo enunciado significativo é equivalente a algum construto lógico sobre termos que se referem à experiência imediata.
QUINE, W. V. O. Dois dogmas do empirismo. In: RYLE, G. et al. Ensaios. São Paulo: Abril Cultural, 1975.
TEXTO II
Tese 1. Somente os enunciados que possuem conteúdo factual são teoricamente significativos; enunciados que não podem, em princípio, ser testados fundamentalmente pela experiência são teoricamente insignificantes. 2. As ciências empíricas usam somente enunciados que possuem conteúdo factual e são teoricamente significativos. 3. A filosofia deve usar um critério de significação baseado no modelo das ciências empíricas.
CARNAP, R. Pseudoproblemas na filosofia; POPPER, K. et al. São Paulo: Abril Cultural, 1975.
Enunciado:
Ao comparar o empirismo lógico — que se apresenta nesses textos — com a filosofia tradicional, é possível identificar sua principal inovação em relação ao:
Alternativas:
A) Caráter contingente dos valores éticos.
B) Conteúdo essencial da metafísica.
C) Princípio constitutivo da ontologia.
D) Domínio reflexivo da estética.
E) Campo epistemológico da linguagem.
Conceitos abordados na questão
Para resolver esta questão, o estudante precisava compreender o conceito de empirismo lógico e sua teoria do significado e sobretudo o fato de que suas conclusões, ao contrário do empirismo de filósofos como Locke e Hume, não derivam de um estudo da percepção humana, mas de uma análise lógica da linguagem.
Explicação da alternativa correta
A alternativa correta é E) Campo epistemológico da linguagem. O empirismo lógico introduziu uma inovação ao colocar a linguagem e a análise linguística no centro da investigação filosófica. Isso representa uma nova maneira de abordar a epistemologia e os problemas tradicionais do que é conhecimento e quais são são limites.
Análise das alternativas incorretas
A) Caráter contingente dos valores éticos
O empirismo lógico evitava discutir temas relacionados à ética por considerar que esse é um campo cujas ideias não podem ser verificadas e portanto foge do campo da filosofia. Como é dito no texto, “a filosofia deve usar um critério de significação baseado no modelo das ciências empíricas.”
B) Conteúdo essencial da metafísica
O empirismo lógico não inova em relação à metafísica, na verdade ele rejeita os problemas metafísicos como pseudoproblemas.
C) Princípio constitutivo da ontologia
Princípios constitutivos do ser (ontologia), são um tema fundamental da metafísica, que o empirismo lógico rejeita como pseudoproblema.
D) Domínio reflexivo da estética
A estética, ou estudo da beleza e das artes, também foge da abordagem do empirismo lógico, já que enunciados dessa natureza não podem ser verificados de alguma forma.
Questão 7
A regra de ouro, popularmente conhecida pelo provérbio “Trate os outros como gostaria de ser tratado”, é um dos princípios morais mais omnipresentes. A noção subjacente, que apela para o senso ético mais básico, se expressa de uma forma ou de outra em praticamente todas as tradições religiosas, e poucos filósofos morais deixaram de invocar a regra ou pelo menos de tecer comentários a respeito da relação com seus próprios princípios.
DUPRÉ, B. 50 grandes ideias da humanidade. São Paulo: Planeta do Brasil, 2016.
O princípio ético apresentado no texto, como elemento estruturante da vida em sociedade, se traduz pela seguinte formulação teórica:
A) Deontologia.
B) Imperativo categórico.
C) Pensamento utilitarista.
D) Secularização inautêntica.
E) Raciocínio consequencialista.
Conceitos abordados na questão
Para resolver essa questão, é importante ter uma noção básica de ética normativa e de conceitos como deontologia, consequencialismo, utilitarismo e imperativo categórico. Esses conceitos ajudam a distinguir diferentes abordagens morais e a identificar qual delas se aproxima mais da ideia da regra de ouro.
O imperativo categórico de Kant, especialmente em sua fórmula universal, afirma: “age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne uma lei universal.” Esta formulação se assemelha à regra de ouro, que propõe que devemos tratar os outros como gostaríamos de ser tratados. Note que ambas as regras propõe que devemos pensar no que queremos fazer e se queremos que as outras pessoas façam conosco isso que queremos fazer com elas. No entanto, há diferenças profundas entre a regra de ouro e essa ideia de Kant, embora, entre as opções da questão, seja a mais semelhante.
Explicação da alternativa correta
A alternativa correta é B) Imperativo categórico. O princípio da regra de ouro tem uma semelhança superficial com a fórmula da lei universal do imperativo categórico de Kant.
Análise das alternativas incorretas
A) Deontologia:
“Deontologia” tem a ver com “dever”. A ética kantiana é uma ética deontológica pois afirma que devemos fazer as coisas certas simplesmente por elas serem certas, não porque nossos sentimentos nos inclinam a isso ou interesses. A regra de ouro tem um componente de interesse e empatia envolvido. Devo fazer para o outro aquilo que gostaria que ele fizesse para mim. O componente central dessa ética são os interesses, gostos e desejos dos indivíduos.
C) Pensamento utilitarista
O utilitarismo se baseia nas consequências das ações, buscando maximizar o bem-estar ou a felicidade. Esse princípio é diferente da regra de ouro, que se concentra na ação em si, sem considerar os resultados.
D) Secularização inautêntica
“Secularização” tem a ver com se afastar da religião. Uma secularização inautêntica seria superficialmente se afastar da região mas manter ela de alguma forma presente como base de uma teoria. Embora a regra de ouro esteja presente no pensamento de muitas religiões, como diz o texto, a regra em si não tem um fundamento ou justificativa religiosa.
E) Raciocínio consequencialista
Assim como o utilitarismo, o consequencialismo julga a moralidade de uma ação pelos seus resultados, enquanto a regra de ouro não faz isso, mas considera a ação em si.
Questão 8
TEXTO I
Aristóteles entendia que a felicidade era diretamente ligada ao respeito pela própria natureza e, de certa maneira, a uma vida que tivesse na natureza de si mesma uma referência inabalável. Isso lhe permitiu formular o conceito de excelência. O que seria excelência? Seria, justamente, ao longo da vida, tirar de si mesmo, em forma de performance, de conduta, de comportamento, de disposição, o que a natureza permitiria de melhor.
COEN, M.; BARROS FILHO, C. A monja e o professor: reflexões sobre ética, preceitos e valores. Rio de Janeiro: Best Seller, 2018.
TEXTO II
A noção de eudaimonia é central para a ética aristotélica. A eudaimonia é uma atividade e não um estado psicológico, pois é definida na Ética a Nicômaco como uma atividade da alma com base na virtude moral. A virtude moral é definida em termos de uma disposição diretamente ligada à deliberação, o que o leva a estudar a virtude intelectual que opera em seu interior, isto é, a prudência. A estrutura conceitual da ética aristotélica responde a uma tentativa de ilustrar a excelência humana que consiste isto, agir bem, ou, na linguagem aristotélica, em se organizar segundo a razão.
ZINGANO, M. Eudaimonia, razão e contemplação na ética aristotélica. Analytica, n. 1, 2017 (adaptado).
Os textos indicam que a prática de ações virtuosas, sempre efetivada na pólis, ocorre por meio do(a):
A) Teoria das formas essenciais.
B) Identificação dos princípios racionais.
C) Desenvolvimento das técnicas retóricas.
D) Aperfeiçoamento das condutas humanas.
E) Conhecimento das epistemes verdadeiras.
Conceitos abordados na questão
Para responder corretamente a esta questão, o estudante precisava compreender o conceito de virtude na ética de Aristóteles, especialmente a ideia de que a felicidade (ou eudaimonia) depende de se levar uma vida virtuosa e que isso pressupõe agir segundo a razão. Em cada situação, saber usar o pensamento para encontrar o meio termo entre os extremos e construir a disposição de sempre agir corretamente, sem excessos.
Explicação da alternativa correta
A alternativa correta é D) Aperfeiçoamento das condutas humanas. Para Aristóteles, a prática de ações virtuosas é o caminho para a excelência e a felicidade. Isso envolve um esforço constante para agir de acordo com a virtude, ajustando e refinando as próprias ações e comportamentos ao longo do tempo.
Análise das alternativas incorretas
A) Teoria das formas essenciais
A teoria das formas é um conceito platônico e não aristotélico.
B) Identificação dos princípios racionais
Embora a racionalidade seja importante na ética aristotélica, a felicidade e a virtude não se alcançam pela identificação de princípios, mas pela prática efetiva das virtudes e o desenvolvimento de boas condutas. A razão tem um papel nesse processo, mas não se trata de identificar princípios, e sim julgar em cada caso particular o que é o meio termo entre os extremos.
C) Desenvolvimento das técnicas retóricas
As técnicas retóricas são importantes na filosofia de Aristóteles, mas estão mais relacionadas à arte de argumentar e persuadir. Não são o meio pelo qual se alcança a virtude ou a excelência moral. Essas envolvem ações, não argumentação.
E) Conhecimento das epistemes verdadeiras
Aristóteles valoriza o conhecimento, mas a felicidade e a excelência são obtidas pela prática das virtudes e não apenas pelo conhecimento teórico ou epistemológico.
Questão 9
Uma das principais atividades provocadas pela arte, a reflexão, é abandonada pela indústria cultural. A indústria cultural seria como uma isca que ilude os indivíduos, com o sonho de que eles são livres, originais, únicos e especiais quando, na verdade, os trata como servos e partes de uma massa homogênea.
FONTES, B.; MAGALHÃES, R. O que é indústria cultural? In: BODART, C. N. (Org.) Conceitos e categorias do ensino de sociologia. Maceió: Café com Sociologia, 2021 (adaptado).
Ao analisar as consequências da dinâmica apresentada no texto, as autoras destacam a importância do conceito como:
A) Ferramenta de luta coletiva.
B) Mecanismo de controle social.
C) Instituição de interesse público.
D) Organização da iniciativa privada.
E) Instrumento de manipulação estatal.
Conceitos abordados na questão
Esta questão explora o conceito de indústria cultural, que foi desenvolvido pela Escola de Frankfurt, particularmente por pensadores como Theodor Adorno e Max Horkheimer. A ideia central é que a indústria cultural transforma a arte em mercadoria, esvaziando-a de seu potencial reflexivo e crítico e transformando os indivíduos em consumidores passivos e homogêneos. Essa dinâmica é usada como um mecanismo de controle social, onde o entretenimento é padronizado para manter as pessoas em uma condição de alienação, iludindo-as com uma sensação de individualidade e liberdade que, na prática, é inexistente.
Explicação da alternativa correta
A alternativa correta é B) Mecanismo de controle social. O conceito de indústria cultural, conforme descrito no texto, reflete a ideia de que essa indústria controla e homogeneiza os comportamentos e percepções das pessoas, impedindo uma reflexão crítica e promovendo a conformidade.
Análise das alternativas incorretas
A) Ferramenta de luta coletiva
A luta coletiva pressupõe uma mobilização ativa contra opressões ou injustiças, o que é o oposto da função da indústria cultural conforme descrito pela escola de Frankfurt. Em vez de incentivar a ação, a indústria cultural promove a passividade e a conformidade.
C) Instituição de interesse público
A indústria cultural não atua no interesse público de maneira a promover o bem comum. Pelo contrário, sua função, segundo a Escola de Frankfurt, é preservar os interesses das elites e manter as massas sob controle.
D) Organização da iniciativa privada
Embora a indústria cultural seja composta, em grande parte, por empresas privadas, o conceito abordado aqui não se limita à estrutura da iniciativa privada, mas sim ao seu papel como um sistema de controle e alienação social.
E) Instrumento de manipulação estatal
A indústria cultural analisada pela Escola de Frankfurt é capitalista, propriedade de empresas privadas e opera de forma independente do Estado. Nesse contexto, não tem como ser um instrumento de manipulação estatal, já que não é controlada por esse.
Questão 10
Eu sentia falta do futuro. É claro que eu sabia, muito mesmo antes da recorrência dele, que nunca envelheceria. Era muito provável que eu nunca mais fosse ver o oceano de uma altura de trinta mil pés de novo, uma distância tão grande que não dá nem para distinguir as ondas, nem nenhum barco, de um jeito que faz o oceano parecer um enorme e infinito monólito. Eu poderia imaginá-lo. Eu poderia me lembrar dele. Mas não poderia vê-lo de novo, e me ocorreu que a ambição voraz dos seres humanos nunca é saciada quando os sonhos são realizados, porque há sempre a sensação de que tudo pode ser ainda feito melhor e ser feito outra vez.
GREEN, J. A culpa é das estrelas. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2012.
O texto apresenta uma reflexão da personagem acerca de um problema característico da filosofia contemporânea, que trata da(s):
A) Implicações éticas.
B) Finitude humana.
C) Limitações da linguagem.
D) Pressuposição existencial.
E) Objetividade do conhecimento.
Conceitos abordados na questão
Para responder a esta questão, o estudante precisava ter uma compreensão sobre o conceito de finitude humana, que é frequentemente discutido na filosofia contemporânea. A finitude humana trata das limitações impostas pela condição mortal e pelo tempo finito de vida dos seres humanos. Ela aborda temas como a percepção da morte, a realização dos sonhos, e o reconhecimento das barreiras impostas pela nossa própria existência. No texto, a personagem reflete sobre a impossibilidade de vivenciar certas experiências novamente e sobre a insatisfação que permanece, mesmo após alcançar alguns sonhos, o que remete à ideia de que, por mais que se realize, o ser humano sempre se depara com seus próprios limites temporais e existenciais.
Explicação da alternativa correta
A alternativa correta é B) Finitude humana. O texto descreve a sensação de perda de futuras experiências e a impossibilidade de reviver certos momentos. Essa reflexão sobre o que é inalcançável ou que não pode ser repetido remete diretamente à finitude da vida e à limitação de nossas experiências no tempo.
Análise das alternativas incorretas
A) Implicações éticas:
Embora o texto reflita sobre a condição humana, ele não levanta questões éticas, isto é, relacionadas ao bem e ao mal, ou ao certo e errado. A reflexão é mais sobre a condição existencial e o limite de nossas experiências.
C) Limitações da linguagem:
A limitação da linguagem é um tema abordado na filosofia, e trata das dificuldades de expressar plenamente a realidade. O texto, no entanto, está focado nas limitações da própria experiência humana, não da linguagem.
D) Pressuposição existencial:
A pressuposição existencial diz respeito à afirmação de algo como existente. O texto, porém, não está fazendo uma afirmação sobre a existência em si, mas refletindo sobre os limites da experiência humana.
E) Objetividade do conhecimento:
A objetividade do conhecimento se refere à possibilidade de obter conhecimento imparcial ou absoluto. O texto não aborda questões epistemológicas.