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Ideologias verdes

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As questões ambientais estão cada vez mais presentes nos debates políticos, nos noticiários e numa série de outros contextos. A consciência ambiental contemporânea tem origem em uma série de filosofias e movimentos que advogam o bem-estar da Terra, coletivamente conhecidos como ideologias verdes. Essas ideologias não são apenas sobre reciclagem ou plantar árvores; elas propõem uma mudança profunda na forma como vemos nossa relação com o planeta.

As raízes da ideologia verde remontam aos movimentos de conservação e preservação da segunda metade do século XX, que evoluíram para se tornarem atualmente uma força global significativa na política, cultura e estilos de vida individuais. Essa transformação foi marcada por momentos cruciais, como a fundação de organizações ambientais como o Greenpeace e o surgimento de partidos Verdes, que trouxeram as preocupações ambientais para a linha de frente das agendas políticas em todo o mundo.

O Greenpeace é uma organização não governamental ambiental fundada no Canadá em 1971 por Irving Stowe e Dorothy Stowe. É um dos símbolos da causa ambiental e está presente em mais de 40 países.

Para entender essa importante ideologia política, vamos explorar alguns dos conceitos e mudanças de mentalidade que tornaram possível a preocupação com o meio ambiente, analisar suas diferentes vertentes e políticas que defende para solucionar a crise ambiental.

Ecologia

No coração das ideologias verdes está a ecologia, um termo que deriva das palavras gregas “oikos”, que significa lar, e “logos”, que significa estudo. Originado do trabalho do zoologista alemão Ernst Haeckel em 1866, o termo ecologia introduz uma nova maneira de compreender a relação entre seres humanos e o meio ambiente.

Essencialmente, ecologia é o estudo dos organismos e suas interações uns com os outros e com seus ambientes. Mas, além da disciplina científica, a ecologia no contexto político adota um significado filosófico mais amplo. Ela enfatiza a interconexão de todos os seres vivos e os sistemas que habitam, sugerindo que nenhuma criatura existe isoladamente, mas é parte de uma vasta e intrincada teia da vida.

Por exemplo, considere a relação entre as abelhas, as flores e nós. As abelhas coletam néctar das flores para fazer mel e, no processo, polinizam as flores, ajudando-as a se reproduzir. Essa simples interação é uma parte vital do ecossistema, apoiando não apenas a sobrevivência das abelhas e das flores, mas também contribuindo para as fontes de alimento de outras espécies, incluindo os humanos. O declínio nas populações de abelhas em todo o mundo mostra o delicado equilíbrio dos sistemas ecológicos e as consequências imprevistas que podem surgir de atividades humanas, como o uso de pesticidas e a destruição de habitats.

A concepção de ecologia muda a percepção que temos sobre o valor de todos os seres no planeta. Historicamente, prevalece a ideia de que o ser humano é o mestre da natureza, operando sob a crença de que todos os recursos naturais foram criados exclusivamente para nosso benefício e uso. Esta visão antropocêntrica posiciona a humanidade no centro do universo, com a natureza servindo apenas como um meio para alcançar os fins desejados pelo homem. No entanto, a ecologia revela que os humanos não são mestres da natureza, mas sim participantes de uma complexa teia da vida, onde cada organismo, não importa quão pequeno ou aparentemente insignificante, desempenha um papel crucial na manutenção do equilíbrio dos ecossistemas. Essa constatação fomenta um profundo respeito pela natureza, provocando uma reavaliação do valor que atribuímos a todos os seres e ao ambiente.

A forma mais radical de reavaliação da relação do homem com a natureza foi chamada por Arne Næss (1912 – 2009), um filósofo norueguês, de ecologia profunda.

Considere, por exemplo, discursos em defesa da proteção de florestas como as presentes na região da Amazônia. Muitos ambientalistas defendem sua preservação com base em considerações de caráter instrumental para os seres humanos, afirmando que ela é essencial para evitar o aquecimento global e a manutenção do equilíbrio climático e da biodiversidade da região. Caso contrário, nós, humanos, perderemos de várias formas: fenômenos climáticos extremos, falta de água, perda de recursos naturais que poderiam ser explorados economicamente.

O tipo de mentalidade por trás desses argumentos ainda é centrada nos seres humanos. A floresta não tem valor por si mesma, mas apenas na medida em que é útil aos seres humanos. Esse tipo de ambientalismo é chamado de “ecologia superficial”.

Algo diferente seria dizer que a floresta deve ser preservada por que merece respeito, tem direito a existir assim como os seres humanos. É essa ideia que Næss chamou de “ecologia profunda”. Essa visão postula que cada organismo, independentemente de sua utilidade para os seres humanos, possui um valor intrínseco. Promovendo o princípio da igualdade biocêntrica, a ecologia profunda afirma que o florescimento de todas as formas de vida é um valor em si mesmo, merecedor de nosso respeito e proteção.

Essa ilustração representa certos aspectos da diferença ente a ecologia superficial e a profunda. Na imagem da esquerda, o ser humano ainda é o centro das preocupações, embora os demais seres vivos recebam atenção na medida em que são necessários para os humanos. Na representação da direita, o ser humano está junto com os demais seres vivos, sugerindo que todos possuem valor.

Sustentabilidade

Sustentabilidade é talvez o conceito mais amplamente reconhecido associado às ideologias verdes, encapsulando o desafio de atender às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações de atender às suas próprias necessidades. Esta definição, originária do relatório da Comissão Brundtland “Nosso Futuro Comum” (1987), destaca a dimensão temporal do pensamento verde, mostrando uma preocupação de longo prazo sobre os impactos da atividade humana no planeta.

Para entender a ideia de sustentabilidade, é útil considerar a Terra como uma “nave espacial” em viagem pelo universo. Esta metáfora ajuda a ilustrar que nosso planeta possui recursos limitados e que todos os seus habitantes — humanos, animais, plantas e microrganismos — dependem desses recursos para sobreviver.

Imagine a Terra como uma nave espacial navegando pelo espaço. Assim como uma nave espacial, a Terra tem recursos finitos de água, ar e solo fértil. Além disso, todos os resíduos produzidos precisam ser reciclados ou tratados dentro deste sistema fechado. Se os recursos forem esgotados ou os resíduos acumulados além da capacidade de processamento da nave, a vida a bordo torna-se insustentável. Da mesma forma, na Terra, se consumirmos recursos mais rapidamente do que podem ser regenerados ou produzirmos mais resíduos do que podem ser absorvidos, comprometemos a saúde do nosso planeta — nossa nave espacial — e a viabilidade da vida para as futuras gerações.

Os combustíveis fósseis, como petróleo, carvão e gás natural, servem como um exemplo claro de como a sustentabilidade é desafiada pelas práticas atuais. Estes recursos, formados ao longo de milhões de anos, estão sendo consumidos a uma taxa muito mais rápida do que a sua formação. Além disso, a queima de combustíveis fósseis para energia libera dióxido de carbono, um gás de efeito estufa, contribuindo para as mudanças climáticas — um acúmulo de “resíduos” que o nosso sistema terrestre luta para gerenciar.

A transição para fontes de energia renováveis, como a solar e a eólica, exemplifica uma resposta ao desafio da sustentabilidade. Ao contrário dos combustíveis fósseis, essas fontes de energia aproveitam os fluxos naturais de energia que são constantemente reabastecidos, como a luz do sol e o vento. Isso significa que eles podem fornecer energia de forma contínua sem esgotar os recursos da Terra ou acumular resíduos perigosos no sistema. A reciclagem é uma forma eficaz de reduzir a quantidade de lixo enviado para aterros sanitários e incineradores, transformando materiais que seriam descartados em recursos valiosos novamente. Este processo não apenas conserva os recursos naturais, como também economiza energia e reduz a poluição do ar e da água, contribuindo para a sustentabilidade ambiental.

No entanto, alguns teóricos acreditam que é necessário muito mais do que o uso de fontes renováveis de energia e o reaproveitamento de resíduos para verdadeiramente atender ao desafio da sustentabilidade. Ernst Friedrich Schumacher, um economista e pensador ambiental, oferece uma perspectiva crítica sobre o paradigma do crescimento econômico incessante e propõe uma abordagem alternativa que ele chamou de “economia budista”.

Schumacher critica a ideia predominante de que o crescimento econômico ilimitado é sinônimo de progresso e bem-estar. Ele argumenta que essa mentalidade leva ao esgotamento insustentável dos recursos naturais e a uma distribuição desigual de riqueza, resultando em desequilíbrios sociais e ambientais graves.

Como alternativa, Schumacher propõe uma abordagem baseada nos princípios do budismo, enfatizando a satisfação das necessidades humanas básicas, a harmonia com o ambiente e o desenvolvimento pessoal em detrimento do materialismo. A ideia central é a de que uma vida boa não requer um alto nível de consumo de recursos. Em vez disso, a qualidade de vida pode ser melhorada através da redução do desejo por bens materiais, promovendo uma existência mais simples e focada no bem-estar espiritual e na comunhão com a natureza.

Vertentes das ideologias verdes

Se as ideologias verdes possuem em comum a preocupação em preservar o meio ambiente, também apresentam uma grande variedade de vertentes, que vão da direita à esquerda do espectro político.

A vertente mais moderada da ideologia verde foca em abordar questões ambientais dentro do quadro dos sistemas políticos e econômicos existentes. Visa aplicar princípios ecológicos para garantir as necessidades humanas, defendendo soluções que possam ser integradas ao mundo industrializado moderno. Esta abordagem abraça a inovação tecnológica e políticas reformistas para alcançar objetivos ambientais, como reduzir a poluição e conservar recursos, sem alterar fundamentalmente a estrutura da sociedade. Como exemplos desse tipo de política, podemos citar a transição para fontes de energia renováveis, a proibição da derrubada de florestas, carros elétricos, mercado de carbono entre outras. É uma perspectiva pragmática, que busca equilibrar a sustentabilidade ambiental com o desenvolvimento econômico e a prosperidade humana. Dessa perspectiva, não importa se a sociedade é capitalista ou socialista, uma democracia ou uma ditadura, é sempre possível adotar políticas que podem contribuir de forma significativa para solucionar os problemas ambientais.

O ecossocialismo representa, por outro lado, uma vertente das ideologias verdes que combina princípios do socialismo com preocupações ambientais, posicionando-se mais à esquerda no espectro político. Esta abordagem critica o capitalismo por considerá-lo intrinsecamente ligado à degradação ambiental, argumentando que a busca incessante por crescimento econômico e lucro leva à exploração insustentável dos recursos naturais e à injustiça social. Os ecossocialistas defendem uma reorganização radical da sociedade e da economia, baseando-se em valores de igualdade, justiça social e sustentabilidade. Diferentemente das abordagens mais moderadas, ele vê a transformação social e econômica como essencial para resolver os problemas ambientais.

Por fim, a ecologia profunda é talvez a vertente mais radical dentro das ideologias verdes, pois propõe uma mudança fundamental na percepção da relação entre humanos e natureza. Em contraste com as abordagens mais moderadas e mesmo com o eco socialismo, a ecologia profunda argumenta, como vimos, que a crise ambiental é um sintoma de um problema muito mais profundo: a percepção errônea da humanidade de sua posição no mundo. Segundo esta perspectiva, não é suficiente reformar os sistemas existentes; é necessário reavaliar e mudar nossa compreensão básica de vida, adotando uma visão mais holística e integrada que reconhece o valor intrínseco de todas as formas de vida.

Os proponentes da ecologia profunda acreditam que todos os seres vivos são valiosos independentemente de seu valor utilitário para os usos humanos. Isso leva à ideia de que as necessidades da Terra e de suas diversas formas de vida também merecem consideração. Sendo assim, a ecologia profunda promove um estilo de vida baseado na simplicidade, na redução do consumo humano e na promoção de uma conexão mais profunda e respeitosa com o ambiente natural.

Embora as ideologias verdes compartilhem a preocupação comum com a preservação ambiental, a variedade de suas abordagens reflete diferenças significativas em como cada uma interpreta a causa dos problemas ambientais e as soluções necessárias. Da perspectiva pragmática, passando pela crítica ao capitalismo e a busca por justiça social do ecossocialismo, até a profunda revisão filosófica da relação homem-natureza proposta pela ecologia profunda, essas correntes oferecem um espectro rico de ideias para enfrentar os desafios ambientais.

Referências

Heywood, Andrew. Political Ideologies: An Introduction. London, Palgrave, 2017.