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Robert Nozick: autopropriedade, direitos individuais e Estado Mínimo

- 6 min leitura

Robert Nozick nasceu em Nova York em 1938 e deu aula na Universidade de Harvard até sua morte em janeiro de 2002.

Seu trabalho mais conhecido na filosofia é um livro chamado Anarquia, Estado e Utopia de 1974. Esse livro é uma defesa do libertarianismo e assumiu imediatamente o status de principal crítica e alternativa de direita ao liberalismo social-democrata do seu colega de faculdade, John Rawls. 

Libertarianismo

O libertarianismo é uma filosofia política que defende que o papel do Estado na sociedade deve ser severamente limitado, se restringir à proteção policial, à defesa nacional e à administração da justiça. O Estado que segue essa ideologia é chamado de Estado Mínimo.

Então, de acordo com essa teoria, todas as outras tarefas comumente desempenhadas pelos governos modernos, como educação, assistência social, saúde pública e investimentos em infraestrutura, deveriam ser assumidas por entidades religiosas, instituições de caridade, empresas e outras instituições privadas ao invés do Estado.

Muitos libertários apelam, na defesa dessa ideia, à considerações econômicas e sociológicas – eles afirmam que o mercado é mais eficiente do que o Estado em prestar serviços para a população. Nozick concorda com esses argumentos, mas sua principal defesa do libertarianismo é moral. Sua opinião é que quaisquer que sejam os benefícios práticos, a razão mais forte para defender uma sociedade libertária é a crença de que ela é a única compatível com o respeito aos direitos individuais.

Autopropriedade e direitos individuais

O ponto de partida do pensamento político de Nozick são duas ideias que parecem bastante aceitáveis. 

A primeira delas é de que somos seres racionais, capazes de agir livremente, de formular planos para as nossas vidas, de fazer escolhas e, por isso, temos uma dignidade própria. Não podemos ser tratados como meras coisas. Por exemplo, se você precisa varrer o seu quarto, você pega a vassoura e faz o trabalho. Em momento algum você pergunta para ela: posso te usar para varrer meu quarto? Ela é apenas um objeto, você não precisa do seu consentimento. No entanto, você não poderia pegar um ser humano e usá-lo da mesma forma que faz com a vassoura. A razão disso é que seres humanos não são coisas e não podem ser tratados como tal. Se você obrigasse alguém a varrer seu quarto estaria tratando essa pessoa como um escravo, ignorando a humanidade que existe nela. 

O segundo ponto de partida de Nozick é a ideia de que seres humanos são autoproprietários. Ou seja, a ideia de que os indivíduos possuem a si mesmos – seus corpos, habilidades, trabalho e, consequentemente, os produtos do exercício dessas habilidades e trabalho. Vamos ver o que isso significa na prática, através de um exemplo. Imagine um indivíduo, o Robert, em uma ilha deserta, que possui a habilidade de subir em coqueiros e apanhar cocos. Ao colocar em ação essa habilidade e apanhar vários cocos, ele se torna dono deles. Se antes eles não eram propriedade de ninguém, já que é uma ilha deserta, a partir de agora,  são propriedade exclusiva do nosso Robert. 

Até aqui temos duas ideias: não podemos tratar seres humanos como coisas e somos autoproprietários de nossos corpos e daquilo que eles produzem. Podemos traduzi-las dizendo que os seres humanos têm direito às suas vidas, sua liberdade e aos frutos do seu trabalho. 

Agora, temos que compreender suas implicações. 

Pagar imposto é trabalho forçado

Esses direitos funcionam, diz Nozick, como restrições laterais às ações dos outros; eles estabelecem limites sobre como os outros podem, moralmente falando, tratar uma pessoa. Assim, por exemplo, uma vez que você tem direito à própria vida, liberdade e trabalho, os outros são constrangidos a não fazerem uma série de coisas como você. Eles não podem te manter em cativeiros, obrigá-lo a trabalhos forçados, tratá-lo como escravo, roubá-lo ou matá-lo. Ter direitos significa isso: que outras pessoas são proibidas de fazer determinadas coisas com você. 

Até agora, tudo isso pode parecer bastante incontroverso. Mas o que se segue, na opinião de Nozick, é a surpreendente e radical conclusão de que a tributação, do tipo que os Estados modernos usam para financiar vários programas sociais, é moralmente ilegítima. Equivale a uma espécie de trabalho forçado.

Vamos entender melhor isso. Para financiar um sistema de saúde como o SUS, por exemplo, o Estado brasileiro cobra impostos da população. O IBPT estima que 40% da renda de um brasileiro é gasto em impostos. Sendo assim, se você ganhar e gastar R$20000 mil por ano, R$8000 será pago em imposto. Talvez você não queira pagar esse imposto. Talvez você prefira pagar por um plano de saúde privado ao invés de usar o SUS, mas ainda assim você é obrigado a contribuir com ele. Sendo assim, é como se você fosse forçado a trabalhar parte do seu ano para o Estado ou para a sociedade. Ela está ficando com parte dos frutos do seu trabalho. Isso é contrário, uma violação, da ideia de que você tem direito ao próprio corpo, habilidades e aos frutos dessas habilidades. É como se você estivesse sendo usado como um escravo.

 Estado mínimo

Então, para não violar a liberdade e o direito aos frutos do próprio trabalho, o Estado deveria deixar de fazer várias coisas que exigem a cobrança obrigatória de impostos.

Vamos ver uma lista dessas coisas. 

  1. Não poderia cobrar impostos para financiar a construção de estradas;
  2. Não poderia cobrar impostos para financiar escolas; 
  3. Não poderia cobrar impostos para financiar pesquisas científicas, nem mesmo se o objetivo fosse desenvolver uma vacina para proteger a população do coronavírus;
  4. Não poderia cobrar impostos para financiar uma aposentadoria para a velhice;

Nada disso deveria ser feito porque viola o direito à propriedade privada e reduz o ser humano à condição de escravo. Tudo isso seria correto apenas se todas as pessoas do país aceitassem pagar esses impostos para financiar esses serviços e produtos. Mas é importante enfatizar a palavra todas. Ela quer dizer sem exceções. Se, em uma votação, as pessoas escolhessem por unanimidade usar parte de sua renda para financiar a construção de escolas pelo Estado, Nozick não veria problema. Nesse caso, não seria um imposto, já que o valor pago foi escolhido e não imposto. 

O Estado também não poderia restringir a liberdade das pessoas em vários setores, a não ser que essa liberdade violasse o direito de outras pessoas. Sendo assim, o Estado não deveria

  1. Proibir as pessoas de usar drogas, sejam elas quais forem;
  2. Proibir as pessoas de publicar ou ler certas informações
  3. Obrigar o pagamento de um salário mínimo

Enfim, o único tipo de Estado que pode ser moralmente justificado é o que Nozick chama de estado mínimo ou Estado “vigia noturno”. Esse é um Estado que usa a polícia, o exército e a justiça para proteger a vida, a liberdade e a propriedade das pessoas, de ataques de outros indivíduos do mesmo país ou de outros países.

O Estado mínimo pode parecer, mesmo para aqueles simpáticos a esse modelo de sociedade, uma visão bastante austera da vida política. Mas Nozick insiste que devemos vê-lo como “inspirador”. De fato, o estado mínimo constitui, em sua opinião, uma espécie de utopia, já que, entre todos os outros modelos de sociedade, ele torna possível que cada pessoa ou grupo viva de acordo com o que pensar ser uma sociedade boa.

Então, se alguns indivíduos ou grupos querem viver de acordo com princípios socialistas ou igualitários, eles são livres para fazê-lo de acordo com a teoria de Nozick; na verdade, eles podem até mesmo estabelecer uma comunidade, de qualquer tamanho, dentro dos limites do estado mínimo, e exigir que todos que queiram viver dentro dela devam concordar em ter uma parte de sua riqueza redistribuída. Tudo o que eles estão proibidos de fazer é forçar as pessoas a se juntarem ou contribuírem para o estabelecimento dessa comunidade.O Estado mínimo constitui, portanto, um sistema abrangente dentro dos limites do qual qualquer sistema social, moral ou religioso pode ser realizado. Ele fornece uma maneira para as pessoas, mesmo de pontos de vista radicalmente opostos – socialistas e capitalistas, liberais e conservadores, ateus e crentes religiosos, sejam judeus, cristãos, muçulmanos, budistas, hindus –, implementarem suas concepções de como a vida deve ser vivida, dentro de suas próprias comunidades, enquanto vivem lado a lado em paz. Isso nos dá, na opinião de Nozick, mais uma razão para adotar esse Estado mínimo utópico, já que ele permite a convivência de concepções sobre uma boa sociedade bastante diversas.

Referências

Esse artigo foi adaptado em vários aspectos do artigo Robert Nozick, escrito por Edward Feser, na Internet Encyclopedia of Philosophy. O artigo original está disponível nesse link https://www.iep.utm.edu/nozick/

Os dados sobre o percentual médio de impostos pagos pelos brasileiros estão disponíveis nesse link https://especiais.g1.globo.com/economia/2015/quanto-pagamos-de-impostos/