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Biografia de Sócrates: o mestre da reflexão e do diálogo

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Sócrates, um dos mais célebres filósofos da Grécia Antiga, viveu entre 470 e 399 a.C. em Atenas. Ele é conhecido por seu hábito de questionar as pessoas sobre temas éticos e morais, buscando despertar nelas a capacidade de reflexão e autoexame. Ele não deixou nenhum registro escrito de seu trabalho, mas sua filosofia e vida foram documentadas pelos escritos de seus discípulos, principalmente Platão. Apesar de sua abordagem filosófica ter sido amplamente admirada, enfrentou oposição e foi condenado à morte sob a acusação de corromper a juventude e desrespeitar os deuses. 

Origens e educação 

Sócrates nasceu no subúrbio ateniense de Alopece em 470 a.C. Ao contrário de outros filósofos da antiguidade que conhecemos, não pertencia a uma família rica. Seu pai, Sofronisco, era um artesão que trabalhava com pedras, e sua mãe, Fenarete, parteira. Na antiga Atenas, cortadores de pedra e escultores eram artesãos habilidosos que trabalhavam para criar objetos funcionais e decorativos. Embora não fossem ricos, seu trabalho era valorizado. Os artesão pertenciam a uma classe média ateniense e tinham direito de participar das decisões políticas

Pouco se sabe sobre a educação inicial de Sócrates. Nos diálogos de Platão, ele é frequentemente retratado como versado em várias disciplinas, como matemática, geometria, música e poesia. Ele também demonstra um conhecimento extenso da mitologia e história grega. Isso sugere que tinha uma base sólida no currículo educacional tradicional de seu tempo.

Serviço militar 

Sócrates serviu como hoplita no exército ateniense durante a Guerra do Peloponeso, participando de várias batalhas importantes, como a Batalha de Potideia (432 a.C.). Nessa época, o filósofo já tinha 46 anos e ainda assim foi lembrado por sua resistência e coragem no campo de batalha.

No “Banquete”, livro escrito por Platão, vemos Alcibíades, um jovem aristocrata que se tornaria importante político ateniense, explicar que Sócrates salvou sua vida, protegendo-o dos inimigos quando estava ferido em combate. O filósofo teria permanecido ao lado de Alcibíades e garantido sua segurança até que ele pudesse ser retirado do campo de batalha.

Alcibíades também relata outros feitos do filósofo. Durante o frio intenso do inverno, este demonstrava uma resistência notável, suportando as baixas temperaturas com muito menos roupas do que seus companheiros soldados.  Durante os períodos de fome, ele parecia ser capaz de suportar a falta de comida melhor do que os outros, mantendo-se firme e tranquilo apesar das dificuldades. 

Durante a fuga após a Batalha de Delium, quando as forças atenienses foram derrotadas, Sócrates mostrou grande coragem e serenidade, ajudando a guiar seus camaradas por um caminho seguro, mesmo enquanto outros soldados entravam em pânico e se dispersavam.

Esposa e filhos

Sócrates foi casado com Xântipe e Mirto, e teve três filhos: Lamprócles, Sofronisco e Menéxeno. Sobre as esposos as fontes são incertas, algumas afirmam que o filósofo viveu com Mirto e depois Xântipe, que era bem mais jovem, outras o contrário e há ainda quem afirme que ele viveu com as duas ao mesmo tempo.

Xântipe esvaziando um pote sobre Sócrates é uma cena que remonta a uma famosa anedota da história da filosofia. Esta ilustração específica faz parte do Emblemata Horatiana, uma obra publicada em 1607 e ilustrada por Otho Vaenius. A anedota conta que, em uma ocasião, Xântipe, irritada com seu marido, derramou um pote de água sobre sua cabeça. Em resposta, Sócrates apenas comentou que após o trovão, vem a chuva, mostrando assim sua paciência e sabedoria.

Xântipe era conhecida por seu temperamento forte e enérgico, frequentemente retratada como uma mulher difícil e briguenta. Fontes antigas, como Xenofonte e Platão, a pintaram como uma megera, possivelmente para enfatizar o contraste entre seu caráter e o comportamento calmo de Sócrates. No entanto, é essencial ter cautela ao interpretar esses relatos, pois eles podem ter sido influenciados pelos preconceitos culturais da época.

Apesar de sua reputação, há evidências que sugerem que o filósofo valorizava sua esposa e seu relacionamento. Dizia-se que comentou que ser casado com Xântipe o ajudava a desenvolver a paciência e a resistência. Ele acreditava que, se pudesse tolerar o temperamento dela, estaria bem preparado para lidar com quaisquer desafios que encontrasse em suas atividades filosóficas.

Trabalho e vida austera

Sócrates vivia de maneira simples e modesta. Ele não buscava riquezas materiais e era conhecido por sua vida austera. Algumas fontes sugerem que, antes de se dedicar inteiramente à filosofia, o filósofo trabalhava como pedreiro, o que provavelmente lhe proporcionava um sustento básico. Seu pai, Sofronisco, também era pedreiro, e é possível que tenha seguido a profissão da família antes de se voltar para a filosofia.

Além disso, é possível que Sócrates tenha recebido algum apoio financeiro de seus amigos e seguidores. Platão, por exemplo, era de uma família aristocrática e pode ter contribuído para o seu sustento. Outros amigos e discípulos também poderiam ter lhe apoiado de alguma forma, embora não haja registros detalhados sobre como exatamente ele recebia esse apoio.

Para não precisar se submeter a um trabalho e poder dedicar seu tempo para dialogar e refletir, Sócrates vivia com apenas o estritamente necessário. Um fato que ilustra essa escolha de vida é o relato de que ele costumava andar descalço pelas ruas de Atenas, independentemente das condições climáticas.

Atuação filosófica em Atenas

Em vários aspectos, Sócrates é um filósofo único. Ele não escreveu livros de filosofia, nem ministrou palestras formais como muitos filósofos de sua época e posteriores. Em vez disso, ele praticava a filosofia de maneira mais pessoal e interativa, através de diálogos e discussões com as pessoas nas ruas e nos espaços públicos de Atenas. Desde jovens estudantes e artesãos até políticos e intelectuais renomados, não discriminava seus interlocutores e estava sempre disposto a envolver-se em discussões filosóficas com qualquer pessoa interessada.

Os diálogos socráticos ocorriam em vários espaços públicos de Atenas. Esses locais eram pontos de encontro comuns onde as pessoas se reuniam para discutir questões políticas, sociais e filosóficas.

Os temas abordados por Sócrates em suas discussões tinham relação direta com as ações humanas, conceito como “coragem”, “virtude”, “amor”, “justiça” eram assuntos recorrentes. Toda sua reflexão gira em torno de questões éticas, sobre como devemos ou não viver, por isso o filósofo é considerado um divisor de águas na filosofia. Se os filósofos anteriores discutiam sobretudo a natureza do universo, de onde veio e do que era feito, com ele é o próprio homem que ocupa o centro da reflexão filosófica.

Cícero, filósofo romano do século I a.C., resumiu assim essa mudança

“Sócrates foi o primeiro a chamar a Filosofia das alturas dos céus, estabelecê-la nas cidades, introduzi-la nas casas das pessoas e forçá-la a investigar a vida cotidiana, a ética, o bem e o mal.”

Alguns dos diálogos escritos por Platão mostram de forma muito viva como Sócrates fazia filosofia em Atenas. No diálogo “Eutífron”, por exemplo, o filósofo encontra Eutífron quando estava a caminho do tribunal para responder às acusações levantadas contra ele. Nesse encontro, o filósofo aproveita a oportunidade para debater com Eutífron sobre a natureza da piedade e da impiedade. 

Nessa ocasião, o debate não surge do nada. Conversando com Eutífron, Sócrates descobre que ele estava ali para acusar o próprio pai de negligenciar um trabalhador e deixá-lo morrer. Ao ser questionado sobre porque iria acusar o próprio pai de um crime, Eutífron responde que é assim que deve ser e fazer o contrário seria um desrespeito à vontade dos deuses. Ao ouvir isso, e considerando que ele mesmo estava sendo acusado de desrespeitar os deuses da cidade, vai mais fundo na discussão e questiona Eutífron sobre o que seria uma pessoa piedosa, ou seja, uma pessoa que respeita os deuses.

A conversa com Sócrates era cativante, envolvente. Não vemos ele explicando teorias ou ideias, mas propondo questões como essa, “o que é ser respeitoso com os deuses?”, ouvindo atentamente as respostas e analisando, com mais questões, seu conteúdo. 

Sua postura nesses diálogos é sempre de quem não sabe de algo e deseja aprender com seu interlocutor. Daí o conceito de “ironia socrática”. Ironia é um tipo de discurso cujo significado é o contrário ao das palavras. É como se dissesse “Sou um sujeito ignorante. Eu não sei nada. É por isso que faço tantas perguntas.” Essa era uma tática para envolver o interlocutor, que se sentia valorizado, e fazê-lo examinar suas próprias ideias sobre questões fundamentais da vida, mostrando como na verdade não sabia aquilo que pensava saber.

No entanto, a atividade filosófica de Sócrates acabou incomodando pessoas poderosas, e isso lhe rendeu uma condenação à morte.

A morte de Sócrates

Sócrates foi condenado à morte em 399 a.C., sendo executado por meio da cicuta, um veneno mortal. Ele foi acusado pela cidade de Atenas de corromper a juventude e de não acreditar nos deuses da cidade. No entanto, essa acusação deve ser entendida no contexto político mais amplo da época, que desempenhou um papel significativo em sua sentença.

Após o fim da Guerra do Peloponeso em 404 a.C., Atenas foi derrotada por Esparta e passou por um período turbulento de instabilidade política e social. Durante este tempo, uma oligarquia conhecida como os Trinta Tiranos assumiu o controle da cidade e começou a governar de forma brutal e opressiva. Sócrates foi associado a alguns membros desse grupo, principalmente devido à sua relação com Crítias e Alcibíades (o mesmo que ele havia salvado a vida durante a Guerra do Peloponeso), que eram figuras políticas controversas em Atenas.

Quando a democracia foi restaurada, houve uma atmosfera de desconfiança em relação a figuras associadas ao antigo regime. Sócrates, embora não tivesse participado ativamente da política, foi visto com suspeita por seus laços com Crítias e Alcibíades. 

Assim, quando foi levado a julgamento, as acusações formais de impiedade e corrupção da juventude refletiam, na verdade, um desejo subjacente de punir uma figura que representava o antigo regime. Muitos atenienses provavelmente acreditavam que a condenação de Sócrates serviria como um exemplo para outros dissidentes e ajudaria a consolidar a ordem política recém-restaurada.

No julgamento, se recusou a se retratar ou a se desculpar por suas ações, reafirmando sua crença na importância da busca da verdade e da justiça, mesmo diante da morte. Apesar de seus esforços para se defender, Sócrates foi considerado culpado e condenado à morte por maioria dos votos.

Vivendo a filosofia

Ao contrário de Platão, Aristóteles e dezenas de filósofos posteriores que criaram uma “filosofia”, um sistema conectado de ideias, Sócrates era a própria encarnação do pensamento. Seu legado filosófico não está em suas ideias, afinal ele sempre insistiu saber apenas que não sabia nada. Seu legado está em seu método de diálogo e na coragem de acreditar nas próprias ideias, mesmo quando isso lhe custou a morte.

Sócrates vivia a filosofia nas conversas que travava com os cidadãos de Atenas, desafiando-os a questionar suas crenças e a buscar um conhecimento mais profundo sobre si mesmos. Ele perambulava pelas ruas e praças públicas, engajando-se em discussões com pessoas de todas as classes sociais, desde artesãos e comerciantes até políticos e intelectuais. 

Quando condenado à morte, Sócrates não quis fugir, mesmo tendo a oportunidade de fazê-lo. Seus amigos, incluindo Críton, tentaram convencê-lo a escapar da prisão e buscar refúgio em outra cidade-estado. No entanto, recusou, argumentando que, como cidadão de Atenas, ele tinha o dever de respeitar as leis e aceitar o resultado do julgamento, mesmo que injusto. 

Sócrates ensinou que a verdadeira sabedoria começa com a humildade de reconhecer a própria ignorância e a coragem de buscar o conhecimento, mesmo quando isso implica enfrentar adversidades e desafios.

Referências

JOHNSON, Paul. Socrates: a man for our times. New York: Classic Penguin, 2013.

PLATÃO. Box Grandes Obras de Platão. [s.l.]: Mimética, 2023.