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Filosofia da arte de Aristóteles: mímesis e catarse

- 6 min leitura

O que é a arte? O que ela pode fazer conosco? Que efeitos pode provocar? Esses efeitos são bons ou ruins?

Um dos primeiros registros que temos de pensamento sobre esses problemas é um livro chamado Poética, escrito pelo filósofo grego Aristóteles, que viveu entre 384 e 322 a. C.

Platão e a arte

Aristóteles foi um aluno de Platão e em grande medida a Poética é uma resposta ao pensamento de seu professor.

Platão refletiu muito sobre o que seria uma cidade ideal, quais leis ela deveria adotar e o que deveria ser permitido ou proibido. E a arte era uma das coisas que ele julgava prejudicial e que deveria ser proibida.

Ele entendia que a arte era imitação. Uma pintura, por exemplo, é a imitação, usando cores, de objetos que observamos. O mesmo vale para esculturas, que imitam a forma do que vemos, ou filmes, que imitam determinadas ações. 

O problema disso é que, para Platão, conhecer significa conhecer as ideias das coisas, por exemplo, a ideia de cachorro, não um cachorro em particular. Cachorros não passam de imitações da ideia de cachorro.

Portanto, a arte, nas palavras de Platão, é “imitação da imitação” e está “três vezes distante da verdade”, pois ela imita coisas particulares, não as ideias das coisas.

Como, para ele, a verdade é o valor fundamental, a arte, na medida em que não se preocupa com a verdade, não tem valor.

Arte é mímesis do universal

Aristóteles parte do mesmo ponto de Platão. Ele aceita que a arte é imitação, o que em grego se chama mímesis. Mas não é uma imitação qualquer.

Ele escreveu o seguinte:

“O ofício do poeta não é descrever coisas realmente acontecidas, mas as que podem, em dadas circunstâncias, acontecer, isto é, coisas que são possíveis segundo as leis da verossimilhança e da necessidade.”

Ou seja, o poeta não imita acontecimentos reais, mas o que poderia acontecer, de acordo com as leis da verossimilhança e da necessidade. 

Por exemplo, num filme, ao representar um personagem com temperamento explosivo em uma situação de conflito, é verossímil ou até necessário que a cena se encerre com uma briga. 

Por isso Aristóteles também afirma que “a poesia tende a representar o universal”. Ao vermos o filme, não estamos aprendendo sobre o comportamento do personagem específico, mas do ser humano em geral. Pode até ocorrer de nos identificarmos com o personagem e pensar que, na mesma situação, acabaríamos agindo da mesma forma. 

 Assim, ao vermos um filme não estamos apenas nos divertindo com imitações de imitações como pensava Platão, mas aprendendo sobre a natureza das ações humanas.

O que é uma tragédia grega?

Na Poética Aristóteles analisa duas formas de arte muito importantes na Grécia Antiga: a tragédia e a comédia. Infelizmente seu texto sobre a comédia se perdeu, de modo que só nos restou o que escreveu sobre a tragédia.

Ao explicar o que é uma tragédia, Aristóteles escreve:

“A tragédia é a imitação de uma ação elevada e completa, dotada de extensão, numa linguagem embelezada por formas diferentes em cada uma das suas partes, que se serve da ação e não da narração e que, por meio da compaixão e do temor, provoca a catarse de tais paixões.”

Há vários elementos nessa definição que poderíamos analisar com mais calma. No entanto, o que mais nos interessa nesse momento é a parte final. A tragédia “se serve da ação para, por meio da compaixão e do temor, provocar a catarse de tais paixões.”

Vamos ver um exemplo de tragédia e como ela provoca temor e compaixão.

Édipo Rei é uma tragédia grega escrita em 427 a. C. por Sófocles. Aristóteles a considerou em sua Poética o exemplo mais perfeito de uma tragédia.

A história começa com Édipo, rei de Tebas, enviando seu cunhado ao oráculo de Delfos para pedir conselhos sobre uma praga que assola a cidade. E assim descobre que a praga é uma punição divina porque o assassino do antigo rei da cidade, Laios, nunca foi pego.

Para tentar descobrir quem é o assassino, Édipo pede ajuda para o poeta cego Tirésias, mas ele se recusa a dizer quem é o responsável pela morte de Laios. Ao invés disso, sugere que Édipo abandone a busca pelo assassino. 

Mas Édipo reage mal ao pedido e acusa Tirésias de ter provocado a morte de Laios. E assim o poeta se vê obrigado a revelar que o assassino na verdade é o próprio Édipo. 

Ao fim de uma acalorada discussão, Tirésias vai embora, murmurando sombriamente que quando o assassino for descoberto, saberá que é um cidadão nativo de Tebas, irmão e pai de seus próprios filhos, filho e marido de sua própria mãe.

Para reconfortar Édipo, Jocasta, sua esposa e ex-mulher do rei assassinado, diz para não se preocupar com oráculos. Como prova, conta de uma profecia segundo a qual Laios seria morto pelo seu próprio filho. Mas o que aconteceu foi que ele foi morto por bandidos em uma encruzilhada a caminho de Delfos.

A menção desta encruzilhada faz com que Édipo peça mais detalhes. Ele pergunta a Jocasta como Laios era, e de repente fica preocupado que as acusações de Tirésias sejam verdadeiras.

 Édipo então manda que a única testemunha sobrevivente do ataque, um pastor de ovelhas, seja trazida para o palácio. 

Intrigada, Jocasta quis saber porque a preocupação. E aí ele explica que muitos anos atrás, em um banquete em Corinto, um homem embriagado o acusou de não ser filho de seu pai. Édipo foi a Delfos e perguntou ao oráculo sobre sua paternidade. Em vez de respostas, ele recebeu uma profecia de que um dia mataria seu pai e dormiria com sua mãe. Ao ouvir isso, ele resolveu deixar Corinto e nunca mais voltar. Enquanto viajava, ele veio para a mesma encruzilhada onde Laios foi morto, e encontrou uma carruagem que tentou expulsá-lo da estrada. Uma discussão se seguiu e Édipo matou os viajantes, incluindo um homem que bate com a descrição de Jocasta de Laios. 

Édipo tem esperança, no entanto, porque a história é que Laios foi assassinado por vários ladrões. Se o pastor confirmar que Laios foi atacado por muitos homens, então Édipo está livre.

Com o desenrolar da história, descobrimos que as profecias estavam corretas. Laios foi morto por Édipo, seu filho, que em seguida se casou com sua *mãe, Jocasta. 

Catarse do temor e da compaixão

Voltando agora à definição de tragédia de Aristóteles, podemos entender melhor o que é o temor e a compaixão que essas obras despertam.

Quanto ao temor, ele afirma:

“é uma aflição ou perturbação resultante de se imaginar que suceda uma desgraça destrutiva ou dolorosa  e que esses acontecimentos não pareçam distantes, mas próximos e imediatos”

É essa aflição que sentimos desde o início da história de Édipo. Logo que a trama começa a se desenrolar, suspeitamos que Édipo matou Laios e casou com a própria mãe. Conforme novos fatos surgem, essa suspeita vai se confirmando, mas permanece a possibilidade de que haja outra explicação. 

Quando finalmente toda a verdade se revela, já não sentimos temor, mas compaixão de Édipo.

Aristóteles escreve 

 “daqueles que são atingidos pela desgraça sem o merecer devemos compartilhar a pena e ter compaixão.”

É o que sentimos da desgraça de Édipo. Ao descobrirmos que seu destino se realizou, que matou o próprio pai e se casou com a mãe, sofremos com seu sofrimento, sentimos, com menor intensidade, o que sentiríamos se vivêssemos essa experiência.

O resultado de tudo isso é a catarse dessas emoções. 

“Catarse” é uma palavra grega traduzida por “purificação” ou “purgação”. Ela era usada em diferentes contextos. 

Na medicina antiga, por exemplo, essa purificação era feita pelos médicos através de vômito, suor, sangria e outros métodos. Através disso o organismo era desintoxicado para recuperar a saúde.

Então a tragédia e outras formas de arte, para Aristóteles, também fazem essa purificação ou limpeza. Mas ao contrário do corpo, elas limpam as emoções. Depois de experimentar o temor e a compaixão no teatro, o espectador é libertado de seu peso. Sai aliviado.

Por analogia com a medicina, podemos pensar que na alma ou mente humana também existem emoções que são prejudiciais, seja por sua presença ou quantidade.

Pense numa pessoa excessivamente amedrontada ou que se compadece com tudo o que vê. Tal pessoa, ao passar pela catarse da tragédia, fará uma limpeza nessas emoções e poderá viver e agir melhor.