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Argumentos a favor do melhoramento genético

- 8 min leitura

Os avanços das últimas décadas na biologia, como o sequenciamento do DNA e técnicas de edição de genes como CRISPR 1, possibilitam aos cientistas selecionar ou modificar características naturais de seres vivos de diferentes maneiras. 

Em 2007, cientistas da Case Western Reserve University de Ohio modificaram geneticamente ratos que podiam correr sem descanso durante seis horas a uma velocidade de 20 metros por minuto 2. Ainda nos anos 1990, cientistas produziram ratos mais inteligentes ao adicionar cópias extras de um gene relacionado à memória aos seus embriões. Esses ratos aprenderam mais rápido e se lembram por mais tempo. A modificação feita nos ratos foi programada para manter o gene ativo mesmo na velhice e essa melhoria foi transmitida às suas crias 3. A primeira modificação feita em seres humanos, ilegal, ocorreu em 2018: um cientista chinês modificou geneticamente embriões para que pudessem resistir ao vírus da Aids contraídos pelo pai 4

Tecnologias e eventos como esses acenderam um intenso debate na filosofia moral nas últimas décadas sobre em que medida tais técnicas deveriam ser usadas em seres humanos. Em termos gerais, tal debate tem se dividido entre aqueles que não vêem problema no uso de técnicas de engenharia genética para melhorar capacidades humanas naturais e críticos, que defendem que tais técnicas deveriam ser usadas apenas para tratar doenças.

Nos tópicos abaixo, você encontra um dos lados desse debate, uma síntese dos argumentos centrais usados pelos defensores do melhoramento genético.

O melhoramento genético irá trazer mais bem-estar e felicidade para as pessoas e para a sociedade

Um dos pontos centrais em defesa do melhoramento genético são as inúmeras possibilidades de melhoria da vida humana que ele traz. 

Melhoramento cognitivo. Em princípio, a biotecnologia pode ser usada para aumentar as capacidades cognitivas, como a memória e a inteligência, permitindo que as pessoas desenvolvam seu potencial ao máximo. Isso poderia ajudá-las a ter mais facilidade em aprender novos conhecimentos, a se lembrarem de informações importantes com mais clareza, e a serem mais capazes de tomar decisões complexas. Além disso, aumentar suas capacidades cognitivas poderia ajudá-las a se destacarem em suas carreiras, a ter mais sucesso em seus projetos e se saírem melhor em suas vidas pessoais.

Melhoramento físico. O melhoramento genético tem o potencial de aumentar a resistência das pessoas a doenças, aumentando a imunidade natural do corpo. Por meio de técnicas de edição genética, é possível corrigir ou melhorar genes que são responsáveis por predispor uma pessoa a determinadas doenças, prevenindo ou minimizando o impacto delas na saúde. Além disso, o melhoramento genético também pode ser usado para aumentar a capacidade de cura e regeneração dos tecidos, aumentando a resistência a lesões e outros problemas de saúde.

Além disso, o melhoramento genético pode ter um impacto significativo na fisiologia humana, permitindo que as pessoas melhorem sua força, velocidade e resistência. Isso pode ser alcançado através da modificação dos genes responsáveis por essas características, tornando-os mais eficientes e ativos. Além disso, pode ser possível introduzir novos genes que aumentem a capacidade de produção de proteínas musculares, resultando em músculos mais fortes e resistentes. Esse tipo de melhoramento genético pode ter um impacto significativo na saúde e bem-estar das pessoas, permitindo-lhes realizar tarefas físicas com mais facilidade e eficiência.

Aumento da longevidade. O melhoramento genético pode resultar em um aumento significativo da longevidade humana. Por meio da manipulação de genes relacionados a doenças, a biotecnologia pode permitir que as pessoas vivam mais tempo, saudáveis e livres de condições que antes seriam fatais. Além disso, a pesquisa sobre longevidade está avançando a cada dia, e os cientistas estão descobrindo novos meios de prolongar a vida humana, incluindo a manipulação de genes que regulam o envelhecimento celular. Ainda há muito por se descobrir nesse campo, mas os avanços recentes são animadores e apontam para um futuro em que a longevidade humana pode ser significativamente aumentada.

Como se pode ver através desses exemplos, o uso da biotecnologia para melhoramento humano, na medida em que tecnologias para isso sejam desenvolvidas e sejam seguras, poderia ser usada para corrigir ou prevenir doenças genéticas, melhorar as capacidades físicas e cognitivas, e ajudar as pessoas a levar uma vida mais longa, produtiva, saudável e plena.

As pais deveriam ser livres para escolher melhorar ou não seus filhos

Muitos pensadores liberais argumentam que os pais deveriam ser livres para escolher características de seus filhos, na medida em que isso for possível, desde que optem por habilidades genéricas que não limitem suas escolhas.

James Watson, o biólogo que, com Francis Crick, descobriu a estrutura do DNA, não via problema no uso do melhoramento genético desde que os indivíduos tivessem liberdade de escolha e não fossem direcionados pelo governo 5

Robert Nozick, ainda na década de 70, apresentou a ideia de um “supermercado genético”. De acordo com ele, o melhoramento genético em seres humanos deve ser tratado como um mercado, onde os pais podem escolher e comprar as características genéticas desejadas para seus filhos, assim como escolhem produtos em um supermercado. Nozick argumenta que o livre mercado é a maneira mais justa de atender às preferências individuais, e que a restrição do melhoramento genético é uma forma de coação injusta, pois as pessoas devem ser livres para fazer escolhas a respeito de seus próprios corpos e da genética de seus filhos 6.

Esse é um argumento forte, porque em geral acreditamos que as pessoas devem ser livres em suas ações, desde que não prejudiquem terceiros. Esse é o princípio do dano de Stuart Mill, filósofo inglês do século XIX. Contra a sociedade opressora da época, ele afirmava que a liberdade de uma pessoa deve ser limitada somente se suas ações causarem dano a outra pessoa. Aplicando esse princípio ao melhoramento genético, podemos argumentar que a escolha de melhorar seu próprio corpo não causaria dano a outra pessoa, e portanto, deve ser permitida.

Não existe novidade no melhoramento genético, a humanidade usa diferentes formas de melhorar a si mesma há vários séculos

Um dos argumentos dos defensores do melhoramento genético procura mostrar que a busca por se aprimorar não é algo radicalmente novo.

O melhoramento genético é frequentemente visto como algo novo e controverso, mas na verdade, diz o argumento, a história da humanidade é repleta de exemplos de como as pessoas sempre buscaram melhorar a si mesmas e o mundo ao seu redor. Desde os primórdios da civilização, a humanidade tem utilizado diferentes formas de melhoria, desde a criação de ferramentas e tecnologias para tornar as tarefas mais fáceis, até a invenção de novos conhecimentos e habilidades para melhorar a vida humana.

Exemplos disso incluem a escrita, que permitiu aos seres humanos registrar e transmitir informações de geração em geração, a matemática, que possibilitou a resolução de problemas e a compreensão de conceitos complexos, a roda, que facilitou o transporte de objetos pesados, o carro, que revolucionou a forma como nos deslocamos, e os computadores, que mudaram completamente a forma como trabalhamos, nos comunicamos e aprendemos. Todas essas ferramentas podem ser vistas como extensões de habilidades humanas naturais: hoje somos capazes de lembrar qualquer coisa com a escrita, se deslocar em alta velocidade ou mover objetos de várias toneladas. Todos esses exemplos demonstram como a humanidade sempre buscou melhorar a si mesma, e o melhoramento genético é apenas a mais recente forma de alcançar esse objetivo.

Sendo assim, o uso do melhoramento genético não seria algo único, mas sim uma continuidade da longa história da humanidade de buscar melhorias para si mesma. Ao invés de enxergá-lo como algo assustador ou ameaçador, é importante reconhecer o melhoramento genético como uma parte natural e necessária do progresso humano.

O melhoramento genético pode ser necessário para superarmos grandes desafios morais criados pela vida humana na terra

Um dos argumentos em defesa do melhoramento genético tenta mostrar que a continuidade da vida humana na terra pode depender de uma aprimoramento das disposições morais dos seres humanos.

Julian Savulescu, filósofo australiano e pesquisador de bioética da Universidade de Oxford, é um dos que propõe esse argumento. Ele afirma que com o avanço da ciência, da tecnologia e do tamanho da população, nós temos a capacidade de causar danos graves, incluindo a destruição do meio ambiente em que vivemos. E o pior, como espécie, não estamos equipados para lidar com esse tipo de ameaça 7.

Nossa psicologia e moralidade evoluíram ao longo da história para se adaptar às necessidades das sociedades em que vivíamos. Nos primórdios da humanidade, elas eram pequenas e primitivas, e as relações sociais eram baseadas em laços de parentesco e confiança. Nesse contexto, a psicologia humana evoluiu para desenvolver habilidades como a empatia, a cooperação, que são fundamentais para a sobrevivência e o sucesso em grupos pequenos.

A moralidade também evoluiu nesse contexto, incentivando comportamentos positivos para a comunidade, como o respeito aos outros e ao grupo, a honestidade e a justiça. Essas normas morais ajudavam a manter a paz e a harmonia no grupo, além de promover a confiança entre os indivíduos e a cooperação mútua.

O fato de termos vivido em pequenas comunidades durante a maior parte de nossa evolução ajuda a entender porque é muito mais provável nos preocuparmos com pessoas próximas, com as quais compartilhamos laços de parentesco e de amizade, do que pessoas distantes. É muito mais fácil emprestar dinheiro para um parente ou amigo que está em apuros do que dar alguns trocados para uma pessoa em situação de rua, mesmo que a necessidade da última seja bem maior. Isso tudo porque evoluímos para ter consideração moral sobretudo com pessoas do mesmo grupo.

Por outro lado, no mundo conectado em que vivemos, nossas ações podem ter consequências para pessoas que vivem em lugares distantes. Em países ricos, o consumo excessivo de energia e recursos naturais contribui diretamente para o aumento de emissões de gases de efeito estufa que provocam o aquecimento global. Esse é um fenômeno que pode ter sérias consequências para todo o mundo, incluindo secas, enchentes, deslocamento de populações, perda de habitats e extinções de espécies. No entanto, a maior parte das consequências do aquecimento global serão sentidas em países em desenvolvimento, que são os menos preparados para lidar com os impactos.

Para lidar com mudanças climáticas e degradação ambiental, argumenta Savulescu, a maioria dos cidadãos em países ricos deve apoiar restrições ao seu estilo de vida consumista. Para que isso aconteça, sua motivação moral precisa ser aumentada, o que pode ser feito por meio de educação moral tradicional ou por meios biomédicos, como a seleção genética e a engenharia. O autor afirma que não há objeções filosóficas ou morais ao uso de tais meios biomédicos de melhoria moral e que a situação atual da humanidade é tão séria que é imperativo que a pesquisa científica explore todas as possibilidades para desenvolver meios efetivos para fazer com que as pessoas zelem pelo mundo no qual vivem.