Por que e como organizar um debate em sala de aula?

William Godoy
12 min leitura
Artur Szczybylo / Shutterstock

É necessária uma série de condições para organizar um debate formal em sala de aula. No clima de polarização e tensão que vive a sociedade brasileira, um debate pode ser mais um motivo para conflitos entre os estudantes. O resultado disso será uma experiência ruim e a associação, já presente em seu imaginário, entre debate e briga, e não é isso que desejamos como professores.

Um debate bem organizado pode ser uma oportunidade única para desenvolver competências e habilidade importantes na formação integral dos estudantes. Se considerarmos as dez competências gerais que a nova BNCC propõe para a educação brasileira, o uso do debate está relacionado diretamente a pelo menos 5 delas:

  1. Ele contribui para que o estudante use os conhecimento adquiridos para entender a realidade e participar da construção de uma sociedade mais justa (competência 1).
  2. É uma ocasião para os estudantes usarem uma abordagem própria da ciência para investigar, discutir hipóteses e propor soluções para questões polêmicas (competência 2).
  3. Mais do que qualquer outra atividade escolar, essa é uma oportunidade para os estudantes argumentarem “com base em fatos, dados e informações confiáveis, formular, negociar e defender ideias” (competência 7).
  4. Por fim, para além do aspecto cognitivo, o debate também possui uma dimensão afetiva, pois uma das dificuldades que essa atividade provoca é manter certo controle emocional e o entendimento de que a diferença de opinião é parte normal da existência humana e merece respeito. Por isso o debate em sala de aula está relacionado ao que propõe as competências 8 e 9 da BNCC.

Sendo assim, pensando a educação para além da memorização de informações e de acordo com o que se espera da escola no século XXI, o debate em sala de aula é uma prática rica do ponto de vista pedagógico.

A questão é como fazer para tirar proveito dela o melhor possível, sem que resulte em conflitos entre colegas. O esquema abaixo propõe algumas etapas a serem seguidas pelo professor para que tudo corra bem.

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Antes do debate

É importante não perder de vista, ao propor aos estudantes um debate, o objetivo desse trabalho e que conhecimentos prévios eles devem ter para que esses objetivos sejam alcançados.

Seja qual for a disciplina em que esse debate irá ocorrer, alguns conceitos mínimos de argumentação já devem ter sido construídos pelos alunos. Entre eles, o que é um argumento é o que é um bom argumento. Isso não significa que devam dominar os conceitos da lógica aristotélica e proposicional, além de uma lista de vinte falácias. Um debate produtivo pode ser feito com recursos mais modestos.

Tendo em vista a forma como os adolescentes argumentam antes de terem alguma instrução sobre argumentação, é importante que tenham claro principalmente os seguintes pontos:

Alguns pontos dessa lista são mais importantes, outro menos. Gosto de dar atenção especial aos ataques pessoais. Eles são bastante frequentes nos debates dos alunos e especialmente prejudiciais. Na maioria dos casos, já existe uma tensão no ar quando dois grupos de estudantes são colocados frente a frente para discutir um tema polêmico. Caso ataques pessoais sejam usados, essa tensão só aumenta e o debate corre o risco de se tornar um vale-tudo. Para evitar esse problema, mostre porque um ataque pessoal é um argumento ruim e porque acaba gerando conflitos desnecessários.

Como organizar o debate

Depois que os alunos estiverem familiarizados com algumas noções mínimas de argumentação já é possível propor um debate produtivo com a turma.

1. Escolhendo um problema

O primeiro passo na organização de uma debate é a definição de um problema. Nesse caso, você pode adotar uma dessas alternativas:

  1. Os estudantes podem ter liberdade total de escola.
  2. O estudantes podem escolher um problema de uma lista.
  3. Os estudantes devem debater o problema proposto por você, diretamente relacionado ao que conteúdo trabalhado em aula (um debate sobre darwinismo e criacionismo, por exemplo).

Caso opte por deixar que os estudantes escolham, peça para que sugiram temas, anote no quadro e depois faça uma votação. O problema mais votado será debatido pela turma.

A alternativa mais adequada das três acima irá depender dos seus objetivos com o debate. As únicas precauções necessárias, em qualquer caso, é garantir que o problema escolhido seja polêmico, com duas posições claramente conflitantes. Além disso, ambas devem ser passíveis de serem defendidas racionalmente.

Vários candidatos a debate propostos pelos estudantes não atendem a essas condições. “Desigualdade de gênero” é um exemplo. Quando os estudantes propõem debater esse tema, geralmente pensam defender que existe desigualdade de gênero e isso não deveria acontecer. O problema com esse tema é que dificilmente alguém defende abertamente que não existe desigualdade de gênero ou que isso não deveria ser mudado. Nesse caso é impossível haver debate.

Ainda assim, a desigualdade de gênero pode levar a questões interessantes para debate. Por exemplo:

Deveria haver cotas para mulheres em cargos eletivos, de modo que um número X de cadeiras fossem ocupadas por elas?

Nesse caso, há um problema polêmico e que tem mais chances de receber apoio e críticas bem argumentadas.

Portanto, ao escolher um problema com a turma cuide para que ele seja polêmico e com duas posições defensáveis.

2. Formando grupos

Depois de definido um problema para o debate é necessário formar os grupos e escolher quem vai defender qual posição.

Ao especificar o número de integrantes de cada grupo, é importante considerar que grupos maiores provavelmente resultarão na participação de um número menor de alunos. Um debate com muitos integrantes irá fazer com que cada um tenha pouco tempo de participação. Além disso, os mais tímidos vão se sentir mais intimidados ainda em pedir a palavra.

Cinco alunos em cada grupo já é um número suficiente. No entanto, geralmente as turmas têm mais de dez alunos, o que gera um problema. A solução para fazer debates em turmas grandes é escolher mais de um tema e fazer duas ou mais rodadas de debate. Nesse caso, no momento em que uma parte da turma discute o problema proposto, a outra observa e avalia. Depois de um tempo os papéis se invertem.

Definido o número de integrantes, geralmente os grupos são formados por afinidade de opinião. Os estudantes que desejam defender a mesma ideia se agregam no mesmo grupo.

No entanto, há outras possibilidades, como um sorteio. Ter que participar em um debate defendendo uma opinião oposta à que se acredita pode ser um exercício interessante do ponto de vista pedagógico. Entre outras coisas, ajuda a fazer com que os alunos percebam que participar de um debate é apresentar argumentos e não expressar uma opinião pessoal.

3. Explicando os objetivos

Agora que já temos grupos formados, o próximo passo é fazer com que todos saibam os objetivos pedagógicos do debate.

Geralmente faço isso iniciando com uma pergunta: o que é um debate ou discussão? Procuro sondar com os estudantes não apenas sua definição, mas sobretudo trazer para a aula as experiências que cada um teve com esse tipo de prática, negativas e positivas.

É importante lembrar nesse ponto que o debate não se resume a discussões formais. Ele também ocorre entre amigos, casais, pais e filhos sobre uma variedade muito grande de assuntos.

São essas práticas sociais que desempenhamos em várias situações em nossas vidas que devem servir de pano de fundo para a apresentação dos objetivos do debate. É tendo em vista aprender a lidar com elas de maneira mais satisfatória que sua simulação em sala de aula é praticada.

4. Definindo as regras

Antes de qualquer coisa, ao definir algumas regras básicas para um debate é fundamental que elas não pareçam arbitrárias para os estudantes. É necessário que eles percebam sua necessidade para o bom andamento do debate.

A formulação dessas regras pode partir dos próprios alunos, através da reflexão sobre suas experiências negativas em atividades como essa. Uma pergunta pode guiar essa reflexão:

Que regras estabelecer para que o debate corra bem e não repita os exemplos negativos?

Em relação a isso, o que não deve faltar no debate é definir um tempo de fala para cada grupo e escolher uma pessoa para controlar o tempo e mediar o debate. Geralmente essa pessoa será o professor.

Por que é tão importante que cada grupo tenha um tempo específico para falar? Na falta disso, a tendência natural é haver uma competição entre os grupos para falar. O resultado é um aumento do tom de voz, respostas imediatas, sem grande reflexão, falas cortadas pelos colegas, enfim, tudo o que não deve ser um debate.

Alguns alunos têm certa resistência a aceitar o tempo de fala na prática. Reclamam que, se não responderem o colega imediatamente, irão esquecer o que gostariam de falar. Sugira que tenham papéis para fazer anotações ou tentem memorizar. Além de garantir um debate organizado, sem gritaria, isso tem a vantagem adicional de fazer com que as réplicas sejam mais refletidas e qualificadas.

5. Preparando argumentos

A qualidade do debate irá depender em grande medida da capacidade dos estudantes de buscarem e utilizarem informações de diferentes fontes e com base nisso construir argumentos. Ou seja, para ter um bom debate é necessário pesquisa e reflexão.

Vale lembrar que essa não é uma capacidade inata nos seres humanos nascidos depois da invenção do Google. Na verdade, muitas vezes os alunos consultam textos superficiais e com informações de origem duvidosa quando fazem suas pesquisas.

Para ajudá-los com a pesquisa, você pode dar alguns auxílios. Entre eles:

  • Disponibilizar material de referência.
  • Explicar como podem fazer anotações para serem utilizadas no dia do debate no momento que “der um branco”.
  • Orientar na preparação de argumentos e contra- argumentos.

6. No dia do debate

Depois de tudo organizado, não há muito a ser feito no dia do debate. Agora o trabalho é com os alunos.

Antes de começar, apenas relembre as regras combinadas com a turma e que será o mediador. Insista na importância de respeitar o tempo de fala dos colegas e ouvir o que têm a dizer.

Por fim, explique que no debate não é realista querer que nossos interlocutores mudem de opinião. Muitos estudante tem essa expectativa e isso irá gerar frustração, já que na maioria das vez o debate encerra sem consenso.

Sugira que tenham como objetivo pessoal no debate fazer o melhor para mostrar que a tese que estão defendendo é forte, pois é sustentada por bons argumentos. Esse objetivo depende apenas do próprio aluno para ser alcançado e é mais realista.

Conclusão

Depois que o debate for concluído, é o momento da autoavaliação. É importante uma reflexão coletiva para perceber os erros e acertos. Essas são algumas questões para guiar essa reflexão:

  • O que teve do bom no debate?
  • O que poderia ser melhorado no próximo debate?
  • Em relação aos argumentos apresentados por seu grupo, o que pode ser melhorado e o que deve fazer para isso acontecer?

Participar de um debate é um aprendizado. Não é diferente de escrever um texto ou fazer uma apresentação em público. É um processo que pode ser aperfeiçoado com a prática e a reflexão.

Quanto à avaliação somativa dessa prática, é difícil para o professor atribuir uma nota minimamente objetiva à participação de cada estudante. Nesse caso, as opções mais viáveis são a autoavaliação ou um conceito único por participação.