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Questões de filosofia no ENEM 2023: gabarito e análise

- 13 min leitura

O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) de 2023 proporcionou aos estudantes um rico panorama do pensamento filosófico através de suas questões, englobando uma diversidade de temas que são fundamentais para a compreensão da realidade contemporânea e da história do pensamento humano. Com um total de oito questões dedicadas à filosofia, os candidatos foram convidados a refletir sobre ética, política, metafísica e estética a partir de filósofos como Foucault, os sofistas, Adorno e Horkheimer, Ricoeur, Sartre, Descartes e Merleau-Ponty.

Questão 1

A diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio. Ela é procurada por quem quer escapar ao processo de trabalho mecanizado para se pôr de novo em condições de enfrentá-lo. Mas, ao mesmo tempo, a mecanização atingiu um tal poderio sobre a pessoa em seu lazer e sobre a sua felicidade, ela determina tão profundamente a fabricação das mercadorias destinadas à diversão que essa pessoa não pode mais perceber outra coisa senão as cópias que reproduzem o próprio processo de trabalho.

ADORNO, T.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento, Rio de Janeiro: Zahar, 1997

No texto, o tempo livre é concebido como

  1. consumo de produtos culturais elaborados no mesmo sistema produtivo do capitalismo.
  2. forma de realizar as diversas potencialidades da natureza humana.
  3. alternativa para equilibrar tensões psicológicas do dia a dia.
  4. promoção da satisfação de necessidades artificiais.
  5. mecanismo de organização do ócio e do prazer.

Análise da questão

A questão apresentada aborda a concepção de tempo livre no contexto do capitalismo tardio segundo Adorno e Horkheimer. Para responder corretamente, devemos analisar as alternativas oferecidas e escolher aquela que melhor reflete os conceitos apresentados pelos autores no trecho citado.

Alternativa correta 

A – consumo de produtos culturais elaborados no mesmo sistema produtivo do capitalismo.

A alternativa A é a correta porque Adorno e Horkheimer argumentam que a indústria cultural sob o capitalismo tardio produz mercadorias de lazer que são consumidas no tempo livre. Essas mercadorias são produzidas dentro do mesmo sistema que mecaniza o trabalho e, consequentemente, afeta o lazer. A mecanização atinge um poderio sobre a pessoa tanto no trabalho quanto no lazer, de forma que o indivíduo não consegue escapar à lógica do sistema produtivo, mesmo em momentos de diversão.

Alternativas incorretas

B – forma de realizar as diversas potencialidades da natureza humana. Esta alternativa é incorreta porque o texto não sugere que o tempo livre sob o capitalismo tardio permite a realização das potencialidades humanas. Pelo contrário, indica que o lazer está impregnado pela mesma lógica do trabalho mecanizado.

C – alternativa para equilibrar tensões psicológicas do dia a dia. O texto não aborda o tempo livre como um meio de equilibrar tensões psicológicas, mas sim como uma extensão do trabalho mecanizado, onde as tensões permanecem sob a influência do sistema produtivo.

D – promoção da satisfação de necessidades artificiais. Embora o texto mencione mercadorias destinadas à diversão, ele não as associa explicitamente à promoção da satisfação de necessidades artificiais, mas sim à reprodução do próprio processo de trabalho.

E – mecanismo de organização do ócio e do prazer. Esta alternativa é incorreta porque o texto não descreve o tempo livre como um mecanismo organizado de ócio e prazer. Em vez disso, aponta para a incapacidade do indivíduo de perceber algo que não seja uma extensão do trabalho mecanizado, mesmo no lazer.

Questão 2

A charge ilustra um anseio presente na sociedade contemporânea, que se caracteriza pela

  1. situação de revolta individual.
  2. satisfação de desejos pessoais.
  3. participação em ações decisórias.
  4. permanência em passividade social.
  5. conivência em interesses partidários.

Análise da questão

A charge descrita apresenta uma pessoa considerando o que desejaria poder fazer ao confrontar uma lâmpada mágica, evocando a tradicional narrativa da lâmpada do gênio. A sequência de pensamentos vai de poderes sobrenaturais até o desejo por “Poder político”. Para responder à questão de forma correta, deve-se escolher a alternativa que melhor reflete o anseio ilustrado pela charge dentro do contexto da sociedade contemporânea.

Alternativa correta

C – participação em ações decisórias.

O anseio por “Poder político” sugere um desejo de envolvimento e influência em decisões políticas, o que reflete a aspiração por participar em ações decisórias dentro da sociedade. Isso indica que a pessoa não está simplesmente sonhando com poderes individuais ou satisfação de desejos pessoais, mas com a capacidade de ter um papel ativo nas decisões que afetam a coletividade.

Alternativas incorretas

 A – situação de revolta individual. A charge não ilustra necessariamente uma revolta, mas um desejo por influência política. Não há elementos que indiquem uma atitude de revolta ou contestação.

B – satisfação de desejos pessoais. Embora a charge mostre a contemplação de desejos, a conclusão com “Poder político” eleva o contexto para além da satisfação pessoal, sugerindo um interesse em questões que transcendem o individual.

D – permanência em passividade social. O desejo por poder político é antitético à ideia de passividade social; pelo contrário, denota uma vontade de engajamento ativo.

E – conivência em interesses partidários. A charge não especifica um alinhamento com interesses partidários específicos, mas sim um desejo genérico por influência política.

Questão 3

Quem se mete pelo caminho do pedido de perdão deve estar pronto a escutar uma palavra de recusa. Entrar na atmosfera do perdão é aceitar medir-se com a possibilidade sempre aberta do imperdoável. Perdão pedido não é perdão a que se tem direito [devido]. É com o preço destas reservas que a grandeza do perdão se manifesta.

RICOEUR, P. O perdão pode curar. Disponível em: www.lusosofia.net. Acesso em: 14 out. 2019.

A reflexão sobre o perdão apresentada no texto encontra fundamento na(s)

  1. rejeição particular amparada pelo desejo de poder.
  2. decisão subjetiva determinada pela vontade divina.
  3. liberdade mitigada pela predestinação do espírito.
  4. escolhas humanas definidas pelo conhecimento empírico.
  5. relações interpessoais mediadas pela autonomia dos indivíduos.

Análise da questão

A questão solicita que se identifique qual conceito serve de fundamento para a reflexão sobre o perdão apresentada no texto de Paul Ricoeur. A análise do texto indica que o perdão é um processo que envolve a autonomia e a decisão pessoal, tanto de quem pede quanto de quem concede ou nega o perdão, sem qualquer garantia de aceitação. Para identificar a alternativa correta, é necessário escolher aquela que melhor representa essa interação voluntária e pessoal.

Alternativa correta 

E – relações interpessoais mediadas pela autonomia dos indivíduos.

A alternativa E é a correta porque o texto de Ricoeur ressalta que o perdão é um ato que não pode ser exigido como um direito; é um processo que ocorre na esfera das relações interpessoais e depende da autonomia de ambos os indivíduos envolvidos. O autor destaca a importância da abertura para a possibilidade de recusa, o que sublinha a natureza voluntária do perdão.

Alternativas incorretas

A – rejeição particular amparada pelo desejo de poder. Esta alternativa é incorreta porque o texto não faz referência ao desejo de poder como fundamento para a reflexão sobre o perdão. O texto fala sobre a possibilidade de recusa, mas não associa isso ao poder.

B – decisão subjetiva determinada pela vontade divina. O texto de Ricoeur não menciona a vontade divina como um fator na decisão de perdoar; a reflexão está centrada na autonomia humana e na interação entre indivíduos.

C – liberdade mitigada pela predestinação do espírito. Não há menção de predestinação no texto, e a ideia de liberdade mitigada não se alinha com a noção de autonomia expressa pelo autor ao discutir o perdão.

D – escolhas humanas definidas pelo conhecimento empírico. O conhecimento empírico não é abordado no trecho como um fundamento para o ato de perdoar; a discussão é filosófica e relacional, não empírica.

Questão 4

TEXTO I

Gerineldo dorme porque já está conformado com seu mundo. Porque já sabe tudo o que lhe pode acontecer após haver submetido todos os objetos que o rodeiam a um minucioso inventário de possibilidades. Seu apartamento mais que um apartamento, é uma teoria de sorte e de azar. Melhor que ninguém, Gerineldo conhece o coeficiente da dilatação de suas janelas e mantém marcado no termômetro, com uma linha vermelha, o ponto em que se quebrarão os vidros, despedaçados em estilhaços de morte. Sabe que os arquitetos e os engenheiros já previram tudo, menos o que nunca já aconteceu.

MÁRQUEZ, G. G. O pessimista. In: Textos do Caribe. Rio de Janeiro: Record, 1981.

TEXTO II

A situação é o sujeito inteiro (ele não é nada a não ser a sua situação) e é também a coisa inteira (nunca há mais nada senão as coisas). É o sujeito a elucidar as coisas pela sua própria superação, se assim quisermos; ou são as coisas a enviar ao sujeito a imagem dele. É a total facticidade, a contingência absoluta do mundo, do meu nascimento, do meu lugar, do meu passado, dos meus redores — e é a minha liberdade sem limites que faz com que haja para mim uma facticidade.

SARTRE, J.-P. O ser e nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Petrópolis Vozes, 1997 (adaptado)

A postura determinista adotada pelo personagem Gerineldo contrasta com a ideia existencialista contida no pensamento filosófico de Sartre porque

  1. evidencia a manifestação do inconsciente.
  2. nega a possibilidade de transcendência.
  3. contraria o conhecimento difuso.
  4. sustenta a fugacidade da vida.
  5. refuta a evolução biológica.

Análise da questão

A questão pede para identificar como a postura determinista de Gerineldo contrasta com a ideia existencialista de Sartre. Para responder corretamente, é necessário compreender a diferença fundamental entre o determinismo, que implica que eventos são predeterminados e que o conhecimento desses eventos pode ser usado para prever o futuro, e o existencialismo sartreano, que enfatiza a liberdade individual e a responsabilidade na definição do próprio ser.

Alternativa correta

B – nega a possibilidade de transcendência.

A alternativa B é a correta porque a postura de Gerineldo, segundo o Texto I, é uma de conformidade com seu mundo e conhecimento detalhado do mesmo, o que sugere uma crença na previsibilidade e na determinação do futuro por fatores externos, negando assim a possibilidade de transcendência ou de superação do dado, que é um elemento central do existencialismo de Sartre, apresentado no Texto II. Sartre acredita que, apesar das circunstâncias factuais, o indivíduo tem a liberdade de transcender essas contingências através de suas escolhas e ações.

Alternativas incorretas

A – evidencia a manifestação do inconsciente. Esta alternativa é incorreta porque a questão não discute o papel do inconsciente, que é um conceito tipicamente associado à psicanálise, não ao determinismo ou existencialismo.

C – contraria o conhecimento difuso. O “conhecimento difuso” não é um termo diretamente relacionado ao contraste entre determinismo e existencialismo. Além disso, o Texto I não apresenta uma negação do conhecimento difuso; ele fala sobre um conhecimento detalhado e preditivo.

D – sustenta a fugacidade da vida. A fugacidade da vida não é um tema abordado nos textos em questão em relação ao contraste entre as filosofias de determinismo e existencialismo. Não é a temporalidade da vida que está em discussão, mas a capacidade de transcendência frente às circunstâncias.

E – refuta a evolução biológica. A evolução biológica não é mencionada em nenhum dos textos, e o tema não é relevante para o contraste entre o determinismo e o existencialismo como apresentado na questão.

Questão 5

A torcida do Fluminense inicia um movimento para mudar a letra de uma das músicas mais populares das arquibancadas tricolores. Grupos pedem a remoção do termo “mulambo imundo”, em uma provocação direta ao Flamengo. Mulambo é um termo que surgiu em Angola, na época da escravatura, e eles eram chamados de mulambos pelos senhores de engenho, os patrões das fazendas.

Disponível em: https://oglobo.globo.com. Acesso em: 23 nov. 2021.

Qual mudança no comportamento social a proposta reportada no texto reflete?

  1. Rejeição de costumes elitistas.
  2. Repulsão de condutas misóginas.
  3. Condenação do preconceito racial.
  4. Criminalização de práticas homofóbicas.
  5. Contestação do comportamento machista.

Análise da questão

A mudança no comportamento social refletida pela proposta de alterar a letra de uma música de torcida que usa o termo “mulambo imundo” é a:

C – Condenação do preconceito racial.

O termo “mulambo” tem origens na época da escravidão e era usado de maneira pejorativa pelos senhores de engenho para se referir aos escravizados. O movimento para remover essa palavra das músicas da torcida do Fluminense reflete um reconhecimento de que tal termo é carregado de história e conotações racistas e uma disposição para condenar e eliminar o uso de linguagem que perpetua o preconceito racial.

Alternativas  incorretas

A – Rejeição de costumes elitistas. Embora a origem do termo possa estar associada a uma estrutura social elitista (senhores de engenho), a questão não trata especificamente da rejeição a costumes elitistas, mas sim da conotação racial do termo.

B – Repulsão de condutas misóginas. A conduta misógina refere-se a comportamentos que denigrem ou discriminam mulheres. O termo “mulambo” não tem uma conotação de gênero, portanto essa alternativa não se aplica.

D – Criminalização de práticas homofóbicas. Não há menção de práticas homofóbicas no texto, então essa alternativa não reflete a mudança reportada.

E – Contestação do comportamento machista. Semelhante à alternativa B, não há menção de comportamento machista no texto, e o termo em questão não está diretamente relacionado a questões de gênero.

Questão 6

A economia das ilegalidades se reestruturou com o desenvolvimento da sociedade capitalista. A ilegalidade dos bens foi separada da ilegalidade dos direitos. Divisão que corresponde a uma oposição de classes, pois, de um lado, ilegalidade mais acessível às classes populares será a do bens-transferência violenta das propriedades; de outro à burguesia, então, se reservará a ilegalidade dos direitos a possibilidade de desviar seus próprios regulamentos e suas próprias leis; e essa grande redistribuição das ilegalidades se traduzirá até por uma especialização dos circuitos judiciários; para as ilegalidades de bens para o roubo – os tribunais ordinários e os castigos; para as ilegalidades de direitos – fraudes, evasões fiscais, operações comerciais irregulares-jurisdições especiais com transações, acomodações, multas atenuadas etc.

FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis Vozes, 1987.

O texto apresenta uma relação de cálculo político-econômico que caracteriza o poder punitivo por meio da

  1. gestão das ilicitudes pelo sistema judicial.
  2. aplicação das sanções pelo modelo equânime.
  3. supressão dos crimes pela penalização severa.
  4. regulamentação dos privilégios pela justiça social.
  5. repartição de vantagens pela hierarquização cultural.

Análise da questão

O texto apresenta uma relação de cálculo político-econômico que caracteriza o poder punitivo por meio da:

A – Gestão das ilicitudes pelo sistema judicial.

O trecho de Michel Foucault discute como as formas de ilegalidade e as respostas do sistema judicial a elas estão divididas ao longo das linhas de classe social. As classes populares enfrentam uma ilegalidade dos bens, que é respondida com tribunais ordinários e punições. Por outro lado, a burguesia se envolve em ilegalidades de direitos, que são tratadas por jurisdições especiais que frequentemente resultam em transações e penalidades mais leves. Esta divisão é um reflexo da gestão das ilicitudes pelo sistema judicial, onde diferentes tipos de ilegalidades são tratadas de forma desigual.

Alternativas incorretas

B – Aplicação das sanções pelo modelo equânime. O texto explicitamente sugere o contrário de um modelo equânime, demonstrando que há uma divisão desigual na maneira como as ilegalidades são tratadas, baseada na classe social.

C – Supressão dos crimes pela penalização severa. Não há menção no texto de que a severidade da penalização suprima os crimes, mas sim de que há uma distribuição desigual das penalidades.

D – Regulamentação dos privilégios pela justiça social. O texto critica a maneira como os privilégios são mantidos e geridos dentro do sistema judicial, e não sugere que haja uma regulamentação desses privilégios que vise à justiça social.

E – Repartição de vantagens pela hierarquização cultural. Embora o texto discuta uma divisão que reflete a estratificação social, ele não se refere especificamente a uma hierarquização cultural ou a uma repartição de vantagens com base nela.

Questão 7

Eu poderia concluir que a raiva é um pensamento, que estar com raiva é pensar que alguém é detestável, e que esse pensamento, como todos os outros – assim como Descartes o mostrou -, não poderia residir em nenhum fragmento de matéria. A raiva seria, portanto, espírito. Porém, quando me volto para minha própria experiência da raiva, devo confessar que ela não estava fora do meu corpo, mas inexplicavelmente nele.

MERLEAU-PONTY, M. Quinta conversa: o homem visto de fora. São Paulo: Martins Fontes, 1948 (adaptado).

No que se refere ao problema do corpo, a filosofia cartesiana apresenta-se como contraponto ao entendimento expresso no texto por

  1. apresentar uma visão dualista.
  2. confirmar uma tese naturalista.
  3. demonstrar uma premissa realista.
  4. sustentar um argumento idealista.
  5. defender uma posição intencionalista.

Análise da questão

A filosofia cartesiana apresenta-se como contraponto ao entendimento expresso no texto por:

A – Apresentar uma visão dualista.

René Descartes é conhecido por seu dualismo mente-corpo, onde mente (res cogitans) e corpo (res extensa) são consideradas substâncias distintas e separadas. No texto de Merleau-Ponty, a experiência da raiva é descrita como algo que não pode ser separado do corpo, o que contradiz diretamente a visão dualista de Descartes, onde a mente (e portanto, pensamentos e emoções como a raiva) seria inteiramente separada do reino físico do corpo.

Alternativas incorretas

B – Confirmar uma tese naturalista. O naturalismo geralmente se refere à ideia de que fenômenos podem ser explicados sem recorrer a entidades sobrenaturais ou imateriais. Merleau-Ponty não está necessariamente discutindo o naturalismo em contraste com o dualismo de Descartes.

C – Demonstrar uma premissa realista. O realismo, em filosofia, é uma visão que entende que entidades externas à mente existem independentemente da percepção. A discussão de Merleau-Ponty sobre a raiva como algo incorporado não entra em contraste direto com essa ideia.

D – Sustentar um argumento idealista. O idealismo filosófico é a visão de que a realidade é mental ou de alguma forma imaterial. A argumentação de Merleau-Ponty não apóia o idealismo; pelo contrário, ele está observando que a experiência da raiva é inseparável do corpo, o que seria contrário à visão idealista.

E – Defender uma posição intencionalista. A intencionalidade é um conceito filosófico que se refere à capacidade da mente de estar direcionada a, ou sobre, alguma coisa. Merleau-Ponty não está abordando a intencionalidade da mente, mas sim a localização da experiência da raiva no corpo, o que se opõe ao dualismo mente-corpo de Descartes.

Questão 8

Não tinha outra filosofia. Nem eu. Não digo que a Universidade me não tivesse ensinado alguma; mas eu decorei-lhe só as fórmulas, o vocabulário, o esqueleto. Tratei-a como tratei o latim; embolsei três versos de Virgílio, dois de Horácio, uma dúzia de locuções morais e políticas, para as despesas da conversação. Tratei-os como tratei a história e a jurisprudência. Colhi de todas as cousas a fraseologia, a casca, a ornamentação.

ASSIS, M. Memórias póstumas de Brás Cubas. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

A descrição crítica do personagem de Machado de Assis assemelha-se às características dos sofistas, contestados pelos filósofos gregos da Antiguidade, porque se mostra alinhada à

  1. elaboração conceitual de entendimentos.
  2. utilização persuasiva do discurso.
  3. narração alegórica dos rapsodos.
  4. investigação empírica da physis.
  5. expressão pictográfica da pólis.

Análise da questão

A descrição crítica do personagem de Machado de Assis assemelha-se às características dos sofistas, contestados pelos filósofos gregos da Antiguidade, porque se mostra alinhada à:

B – Utilização persuasiva do discurso.

Os sofistas na Grécia Antiga eram conhecidos por sua habilidade em usar o discurso de forma persuasiva, muitas vezes valorizando a forma e a retórica sobre a substância e a verdade. A passagem de Machado de Assis descreve o personagem Brás Cubas, que aprendeu o superficial das disciplinas – a fraseologia, a casca, a ornamentação – sem se aprofundar no conteúdo verdadeiro, o que é reminiscente da prática sofista de enfatizar a persuasão e a aparência externa do conhecimento ao invés de uma compreensão profunda.

Alternativas incorretas

A – Elaboração conceitual de entendimentos. Isso se refere mais à filosofia analítica, que se preocupa com a clareza conceitual e a precisão de argumentos, o que não está em alinhamento com a descrição de Brás Cubas sobre o seu aprendizado superficial.

C – Narração alegórica dos rapsodos. Os rapsodos eram contadores de histórias que recitavam épicos como a Ilíada e a Odisseia. O texto de Machado não está relacionado a contar histórias alegóricas ou épicas.

D – Investigação empírica da physis. Physis refere-se à natureza e a uma busca pela compreensão do mundo natural que caracteriza, por exemplo, o trabalho dos pré-socráticos. A crítica de Brás Cubas não aborda a investigação empírica ou a natureza.

E – Expressão pictográfica da pólis. Isto implicaria um foco na representação visual e gráfica da cidade-estado grega (pólis), o que não tem relação com o extrato literário fornecido.