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O pensamento de Michel Foucault

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Michel Foucault (1926-1984) foi um filósofo francês cuja obra tem sido muito influente em muitas áreas do conhecimento. Seus conceitos e métodos de pesquisa têm impactado áreas desde a própria filosofia até as várias ciências humanas, e deram origem a novos campos de investigação e a novos problemas. A forma de investigação que caracteriza as obras de Foucault mescla estudos históricos com questionamentos filosóficos. Seu trabalho se divide em três fases, a arqueologia, a genealogia e a ética, como veremos a seguir.

Primeira fase: arqueologia do saber

Os primeiros textos de Foucault foram escritos nos anos 1950. Nessa década, no ano de 1954, Foucault publicou seu primeiro livro, Doença mental e personalidade (que mais tarde foi reeditado com o título de Doença mental e psicologia). Mas foi a partir do início dos anos 1960 que sua obra ganhou consistência teórica e começou a ter grande repercussão. Já em 1961 Foucault publicou sua tese de doutorado, o livro História da loucura na Idade Clássica, um amplo estudo sobre as diferentes formas com que as sociedades europeias lidaram com o fenômeno social e psicológico da loucura e da sua relação com a razão (um conceito central para a filosofia). Para Foucault, a relação entre a loucura e a razão variou ao longo da história, porque essa relação foi pensada de diferentes formas. Por exemplo, no período do Renascimento a loucura era vista como algo misterioso e mesmo místico; já no século XVII, ela foi definida e pensada como “desrazão” e passou a sofrer uma exclusão sistemática, de modo que a atribuição de loucura era um fator importante de exclusão de indivíduos de mais variados tipos; e na época moderna, a loucura passou a ser pensada de acordo com os novos conhecimentos da psiquiatria e, consequentemente, passou a ser vista como uma doença mental e um problema para intervenção médica especializada.

Em 1963, Foucault publicou dois livros: Raymond Roussel e Nascimento da Clínica. Os dois livros tratam, de formas diferentes, do problema da linguagem. No livro Raymond Roussel, Foucault desenvolveu sua visão sobre a linguagem literária. Para Foucault, a linguagem é um domínio independente da realidade, com regras próprias de funcionamento. Esse domínio da linguagem tem funções que vão muito além de apenas “representar a realidade” não linguística. A literatura, para o filósofo, mostra isso ao explorar as possibilidades criativas oferecidas pela linguagem: através do uso das palavras é possível criar coisas novas. No livro Nascimento da clínica Foucault estuda as transformações históricas do conhecimento médico, buscando mostrar como este conhecimento se redefiniu a partir de uma “reorganização dos conceitos”, uma visão que em muito lembra, por exemplo, as ideias de Thomas Kuhn sobre as mudanças nos paradigmas científicos.

Em 1966, Foucault publicou outra extensa obra, intitulada As palavras e as coisas. Este livro é um estudo sobre mudanças nos conhecimentos ocorridas de época para época. Foucault busca mostrar que em uma época predominava uma forma de classificar e conceituar os fenômenos e que a partir de transformações internas às próprias áreas do conhecimento, essas formas de classificar e conceituar também se modificavam. Assim Foucault busca mostrar as diferenças e descontinuidades entre a Análise das Riquezas do período clássico e a Economia Política moderna, entre a Gramática clássica e a Filologia moderna, e entre a História Natural e as Ciências Biológicas modernas. Além disso, Foucault faz nesse livro uma grande discussão sobre as ciências humanas, defendendo que elas mostram aspectos importantes do mundo e da vida humana e social que derrubam interpretações humanistas (que eram fortes nos meios filosóficos franceses).

Por fim, no ano de 1969, Foucault publicou um livro chamado Arqueologia do saber. Neste livro, Foucault fez uma espécie de síntese dos seus trabalhos anteriores, definindo os princípios básicos de sua pesquisa. Ele definiu conceitos como “enunciados”, “discursos”, “formações discursivas”, “saber”, entre outros. Seu objetivo principal foi estabelecer uma reflexão sobre a linguagem e sua relação com o nosso conhecimento do mundo.

Vemos, portanto, que, ao longo dos anos 1960, os principais objetivos do filósofo foram os de mostrar como a linguagem é um fenômeno que possui um funcionamento que está além dos indivíduos e da pura intenção individual. A partir de estudos sobre a psiquiatria e a loucura, a medicina, a literatura, as formas de conhecimento, e a própria linguagem (pensada principalmente a partir do conceito de discurso), Foucault buscou defender a posição de que as nossas formas de conhecer e relacionar com o mundo são condicionadas pelas possibilidades que a linguagem nos oferece.

Segunda fase: genealogia do poder

A partir dos anos 1970 Foucault modificou seus objetivos, seus problemas e seu método de estudo. Não foi uma mudança completa, porque em grande parte seu trabalho continuou se apoiando nos resultados que ele havia alcançado antes em suas pesquisas históricas. Mas em vez de analisar apenas questões de linguagem e do conhecimento, Foucault passou a buscar compreender fenômenos políticos e denomina seu método de “genealogia do poder”.

Na primeira metade dos anos 1970, Foucault se dedicou mais intensamente a suas atividades de pesquisa e à militância política em vários movimentos que fervilhavam na França no período. Além disso, ele iniciou seu ensino no Collège de France onde apresentava resultados parciais de suas pesquisas originais. Esses cursos, que cobrem o período de 1971 a 1984 (indo, portanto, até a fase ética do trabalho de Foucault), estão publicados e traduzidos em português.

Em 1975, como resultado de sua militância política e de seu ensino no Collège de France, Foucault publicou o livro Vigiar e punir. Neste livro, Foucault parte do problema social da punição e da forma moderna mais comum, as prisões, para avançar sua visão sobre o que ele chamou de saber-poder. Para ele, as formas de poder geram formas de saber, e do mesmo modo, formas de saber geram formas de poder. Essas duas coisas, para ele, não se dissociam. Nesse sentido, Foucault considera que o modo como agimos sobre o mundo (poder) cria, ou permite criar, formas de conhecer e de interpretar o mundo (saber). Do mesmo modo, nossas interpretações do mundo (saber), criam, ou permitem criar, formas de agir sobre ele (poder). No caso específico da prisão, Foucault busca mostrar historicamente que as formas de exercer o poder punitivo na sociedade também produziram formas de conhecimento. Por exemplo, que ao punir os indivíduos criminosos por meio da instituição prisional, vários novos conhecimentos se tornaram possíveis devido as observações e registros que isso permitiu.

Em 1976, Foucault publicou seu primeiro livro de uma série que ele havia planejado sobre a História da sexualidade. Este primeiro livro tinha como subtítulo A vontade de saber, e buscava interrogar como os conceitos relativos à sexualidade se formaram na época moderna e possibilitaram intervenções sobre a realidade e os corpos dos indivíduos. Foucault considera que os saberes sobre a sexualidade determinaram os modos de lidar com estes fenômenos, permitindo tipos variados de controle. Além disso, nesse texto Foucault apresenta o conceito de biopolítica para caracterizar a política moderna. Para ele, a política moderna se define pela tentativa de “fazer viver e deixar morrer”, de modo que se tornou um objetivo político promover a vida de uma população definida em termos biológicos. A sexualidade, nesse sentido, é central para esta promoção, dado que ela é que garante a reprodução, crescimento, fortalecimento, seleção de características.

Assim, vimos que durante a fase denominada “genealogia do poder”, Foucault buscou, a partir de exemplos históricos (prisões e sexualidade), entender o modo como o poder é exercido na sociedade e, além disso, como este exercício do poder se relaciona com as formas de conhecer o mundo. Estes estudos tomara um rumo diferente no fim da década de 1970, quando Foucault passou a pensar uma definição de poder que correspondia ao que ele chamou de práticas de governo. Governar, para Foucault, é “conduzir as condutas”, ou seja, influenciar de formas variadas os comportamentos morais e políticos dos indivíduos. Assim, Foucault passou a se interessar cada vez mais pelas questões éticas, e este interesse o levou a estudar a antiguidade clássica.

Terceira fase: ética

Desde o início da década de 1980 até sua morte em 1984, Foucault trabalhou de forma detida sobre temas éticos. Devido seu projeto de estudar uma História da sexualidade, Foucault foi recuando seu marco histórico até chegar a estudar as práticas antigas referentes à sexualidade. Foucault estava interessado, neste momento, em entender como os indivíduos se constituíam como sujeitos, isto é, como formavam sua subjetividade, através de práticas de cuidado de si e de experimentar os prazeres. Foucault acreditava que os gregos e os romanos antigos desenvolveram uma ética da liberdade através da definição do que ele chamou de “práticas de si”, isto é, procedimentos diversos que os indivíduos adotavam como forma de se formarem como sujeitos.

Em 1984 Foucault publicou dois livros como parte do projeto da História da sexualidade, o volume 2, O uso dos prazeres, e o volume 3, O cuidado de si. Foucault ainda havia deixado pronto um quarto volume, intitulado As confissões da carne, publicado em 2018. Em  O uso dos prazeres, Foucault fez um estudo sobre o desejo sexual desde a antiguidade até os primeiros pensadores cristãos. Foucault busca mostrar como várias categorias morais foram se moldando entre os gregos para conformar um tipo peculiar de experiência da sexualidade e de que forma isto se vinculava ao conjunto da vida do indivíduo, dado os objetivos morais postos pela filosofia antiga de persecução de uma vida bela. Em O cuidado de si, Foucault explora noções sobre autocontrole sexual, especialmente entre os pensadores romanos. Já em As confissões da carne, Foucault buscou compreender como a experiência cristã da sexualidade e de toda uma moral sexual se conformou nos primeiros séculos do cristianismo.