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Rezar funciona?

- 6 min leitura

Texto de Richard Dawkins

Um estudo de caso divertido, apesar de bastante patético, sobre os milagres é o Grande Experimento da Prece: rezar por pacientes os ajuda a se recuperar? Preces costumam ser oferecidas a pessoas doentes, tanto no ambiente privado como em locais formais de adoração. Francis Galton, primo de Darwin, foi o primeiro a avaliar cientificamente se rezar pelas pessoas é eficaz. Ele lembrou que todo domingo, em igrejas de toda a Grã-Bretanha, congregações inteiras rezavam publicamente pela saúde da família real. A família não deveria então, portanto, ser bem mais saudável se comparada ao resto de nós, que só recebemos preces dos nossos entes mais próximos e queridos? Galton investigou e não encontrou nenhuma diferença estatística. Sua intenção, em todo o caso, pode ter sido fazer sátira, assim como quando rezou sobre lotes de terra aleatórios para ver se as plantas cresceriam mais rápido (não cresceram).

Mais recentemente, o físico Russell Stannard (um dos três cientistas religiosos mais conhecidos da Grã-Bretanha, como veremos) deu seu apoio a uma iniciativa, financiada — é claro — pela Fundação Templeton, para testar experimentalmente a proposição de que rezar por pacientes doentes contribui para sua saúde.

Experimentos como esse, se feitos de forma adequada, têm de ser duplos cegos, e esse padrão foi estritamente observado. Os pacientes foram divididos, de forma estritamente aleatória, em um grupo experimental (que recebeu preces) e um grupo controle (que não recebeu preces). Nem os pacientes, nem os médicos ou enfermeiros, nem os autores do experimento podiam saber quais pacientes estavam recebendo orações e quais eram do grupo controle. Aqueles que faziam as preces experimentais tinham de saber o nome dos indivíduos por quem estavam rezando — do contrário, como saber se estavam rezando por eles, e não por outras pessoas? Mas tomou-se o cuidado de contar aos que faziam as preces apenas o primeiro nome da pessoa e a primeira letra do sobrenome. Aparentemente, isso seria suficiente para fazer com que Deus escolhesse o leito certo no hospital.

A simples ideia de realizar tais experimentos está aberta a uma boa dose de ridículo, e o projeto a recebeu, como o previsto. Que eu saiba, Bob Newhart não fez um esquete cômico sobre o assunto, mas já posso ouvir sua voz:

“O que foi que disse, Senhor? Que não pode me curar porque faço parte do grupo controle?… Ah, sei, as orações da minha tia não são suficientes. Mas, Senhor, o senhor Evans ali do quarto ao lado… O que foi, Senhor?… O senhor Evans recebeu mil preces por dia? Mas, Senhor, o senhor Evans nem conhece mil pessoas… Ah, elas se referiram a ele só como John E. Mas, Senhor, como o senhor sabia que elas não estavam querendo dizer John Ellsworthy?… Ah, sei, o Senhor usou sua onisciência para descobrir a qual John E. eles queriam se referir. Mas, Senhor…”

Ignorando com valentia todas as piadas, a equipe de pesquisadores foi em frente, gastando 2,4 milhões de dólares da Templeton sob a liderança do dr. Herbert Benson, cardiologista do Mind/Body Medicai Institute, que fica perto de Boston. O dr. Benson havia sido citado antes, num material de divulgação da Templeton, como alguém que “acredita que estão se acumulando as evidências da eficácia das preces intercessórias no cenário médico”. O que garantia, portanto, que a pesquisa estava em boas mãos e que não seria sabotada por vibrações céticas. O dr. Benson e sua equipe monitoraram 1802 pacientes em seis hospitais; todos haviam sido submetidos a cirurgias de ponte de safena e/ou mamaria. Os pacientes foram divididos em três grupos. O grupo l recebeu preces, mas não sabia disso. O grupo 2 (o grupo controle) não recebeu preces e não sabia disso. O grupo 3 recebeu preces e sabia que estava recebendo. A comparação entre os grupos l e 2 testa a eficácia das preces intercessórias. O grupo 3 testa os possíveis efeitos psicossomáticos de saber que se está sendo alvo de preces.

As preces foram feitas pelas congregações de três igrejas, uma em Minnesota, uma em Massachusetts e uma no Missouri, todas distantes dos três hospitais. Os autores das preces, como já foi explicado, receberam apenas o primeiro nome e a primeira letra do sobrenome de cada paciente por quem deveriam rezar. Faz parte da boa prática experimental padronizar as coisas ao máximo, e a todos eles foi dito, portanto, que incluíssem em suas orações a frase “por uma cirurgia bem-sucedida com uma recuperação rápida, saudável e sem complicações”.

Os resultados, publicados no American Heart Journal de abril de 2006, foram bem definidos. Não houve diferença entre os pacientes que foram alvo de preces e os que não foram. Que surpresa. Houve diferença entre aqueles que sabiam que estavam recebendo preces e aqueles que não sabiam se estavam ou não estavam; mas ela foi para a direção errada. Aqueles que sabiam ser beneficiários de preces sofreram um número significativamente maior de complicações do que aqueles que não sabiam. Estaria Deus contra atacando, para mostrar sua desaprovação pela estranha empreitada? Parece mais provável que os pacientes que sabiam que estavam sendo alvo de preces tenham sofrido um estresse adicional em conseqüência disso: “ansiedade de desempenho”, nas palavras dos autores da experiência. O dr. Charles Bethea, um dos pesquisadores, disse: “Isso pode tê-los deixado inseguros e se perguntando: Será que estou tão doente que eles tiveram de convocar a equipe de oração?” Na sociedade litigiosa de hoje, seria querer demais achar que aqueles pacientes que tiveram complicações cardíacas, em conseqüência do fato de saber que estavam recebendo preces experimentais, possam entrar na Justiça com uma ação coletiva contra a Fundação Templeton?

Não seria surpresa se esse estudo sofresse a oposição dos teólogos, talvez preocupados com sua capacidade de lançar a religião no ridículo. O teólogo Richard Swinburne, de Oxford, escrevendo depois do fracasso do estudo, fez objeções a ele afirmando que Deus só atende a preces feitas com bons motivos. Rezar para uma pessoa, e não para outra, só por causa do que determinaram os dados do experimento duplo-cego não constitui um bom motivo. Deus perceberia.

Swinburne não foi o único teólogo a desmerecer o estudo depois de seu fracasso. O reverendo Raymond J. Lawrence recebeu um espaço generoso da página de artigos do The New York Times para explicar por que líderes religiosos responsáveis “vão respirar aliviados” porque não foi encontrada nenhuma prova de que as preces intercessórias surtem algum efeito. Teria ele adotado um tom diferente se o estudo de Benson tivesse sido bem sucedido e demonstrasse o poder da prece? Talvez não, mas você pode ter certeza de que muitos outros pastores e teólogos teriam. O artigo do reverendo Lawrence é memorável sobretudo pela seguinte revelação: “Recentemente, um colega me contou sobre uma mulher devotada e instruída que acusou um médico de má conduta no tratamento de seu marido. Nos dias em que o marido estava morrendo, ela denunciou, o médico não havia rezado por ele”.

Outros teólogos uniram-se aos célicos inspirados no MNI defendendo que estudar a prece dessa forma era um desperdício de dinheiro, porque as influências sobrenaturais estão por definição fora do alcance da ciência. Mas, como reconheceu cor-retamente a Fundação Templeton quando financiou o estudo, o suposto poder de intercessão da oração está, pelo menos em princípio, dentro do alcance da ciência. Um experimento duplo-cego pode ser feito e foi feito. Ele poderia ter produzido um resultado positivo. E, se tivesse, você consegue imaginar que um único apologista da religião o teria desmerecido, alegando que a pesquisa científica não tem valor em questões religiosas? É claro que não. Nem é preciso dizer que os resultados negativos do experimento não vão abalar os fiéis. Bob Barth, diretor espiritual do ministério de oração do Missouri que forneceu parte das preces experimentais, disse: “Uma pessoa de fé diria que esse estudo é interessante, mas rezamos há muito tempo e já vimos a prece funcionar, sabemos que ela funciona, e as pesquisas sobre a oração e a espiritualidade estão apenas começando”. É isso aí: sabemos a partir de nossa que a oração funciona, então, se as evidências não conseguirem mostrar isso, vamos continuar trabalhando até que finalmente obtenhamos o resultado que queremos.