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7 livros filosóficos sobre deus e a religião

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Ao longo da história, a filosofia tem desempenhado um papel crucial na moldagem e no questionamento de nossa compreensão sobre Deus e a espiritualidade. Desde os pré-socráticos até a era contemporânea, filósofos têm explorado, debatido e frequentemente reformulado o conceito de divindade, oferecendo perspectivas que vão desde a afirmação da existência de um Deus até o ceticismo e o ateísmo.

Aqui apresentamos uma amostra dessas ideias, explorando 7 livros que marcaram época e nos deixaram conceitos que moldam conversas sobre deus e a religião ainda hoje, como as “cinco vias”, de Thomás de Aquino, “deus está morto” de Nietzsche ou a visão da religião como uma “ilusão” criada por necessidades psicológicas de Freud.

Estes livros e seus autores representam apenas uma fração do vasto campo da filosofia relacionado ao divino, cada um contribuindo com uma perspectiva única para um dos debates mais antigos e persistentes da humanidade.

Suma teológica, de Tomás de Aquino

O primeiro livro de nossa lista é a Suma Teológica, escrita no século XIII por São Tomás de Aquino, filósofo e teólogo da Idade Média. Esta obra é uma das mais influentes na filosofia cristã e na teologia, representando uma síntese abrangente entre a teologia cristã e a filosofia aristotélica. No livro, Aquino apresenta suas famosas “Cinco Vias”, que são argumentos filosóficos que buscam demonstrar a existência de Deus. Estes argumentos são conhecidos como:

  1. Argumento do Movimento: Aquino argumenta que tudo o que se move é movido por outro, e não pode, portanto, ser a causa primeira do movimento. Deve existir um “Primeiro Motor”, que ele identifica como Deus.
  2. Argumento da causa eficiente: aqui, ele observa que existe uma cadeia de causas eficientes no mundo, mas essa cadeia não pode estender-se ao infinito. Assim, deve haver uma primeira causa eficiente, que é Deus.
  3. Argumento da contingência: este argumento parte do princípio de que as coisas no mundo são contingentes (podem existir ou não existir). Se tudo fosse contingente, poderia haver um tempo em que nada existisse. Porém, se isso fosse verdade, nada existiria agora, pois algo não pode vir do nada. Portanto, deve haver um ser necessário, que é Deus.
  4. Argumento dos graus de perfeição: Aquino argumenta que vemos no mundo coisas que são mais ou menos boas, verdadeiras, nobres etc. Esses graus de perfeição implicam na existência de um ser supremamente perfeito, que é Deus.
  5. Argumento do design inteligente: Aquino observa que as coisas não inteligentes agem com um propósito, o que sugere a existência de um ser inteligente que ordena as coisas ao seu propósito. Esse ser é Deus.

Estes argumentos buscavam demonstrar pela vida da razão aquilo que a religião revelava, a existência de um Deus, e assim fortalecer a fé. Longe de serem conclusivos, os argumentos continuam a ser estudados e debatidos, refletindo a sua relevância duradoura na filosofia da religião e na teologia.

Meditações metafísicas, de René Descartes

Movendo-se para a filosofia moderna, René Descartes, em suas Meditações Metafísicas, retoma a busca por uma prova racional sobre Deus. Publicada em 1641, essa obra é central para a filosofia moderna e tem como objetivo estabelecer uma base sólida para o conhecimento científico através de uma profunda reflexão filosófica.

Em suas Meditações Metafísicas, Descartes começa questionando todas as crenças baseadas na percepção sensorial e na razão, até chegar à sua famosa conclusão “penso, logo existo” que estabelece a existência do eu como uma verdade indubitável.

A partir dessa base, Descartes desenvolve seu argumento para a existência de Deus. Ele observa que tem uma ideia clara e distinta de um ser perfeito e infinito. Essa ideia não poderia ter se originado de si mesmo, um ser imperfeito e finito. Portanto, a ideia de Deus deve ter sido colocada em sua mente por um ser que realmente possui todas essas perfeições, ou seja, por Deus. Assim, a existência de Deus é necessária para explicar a origem dessa ideia em sua mente.

Este argumento é crucial para o projeto filosófico de Descartes, pois a existência de um Deus perfeito e benevolente assegura que o mundo criado por Deus e as capacidades humanas de conhecimento são confiáveis.

Investigação sobre o entendimento humano, de David Hume

O terceiro livro da nossa lista se chama Investigação sobre o Entendimento Humano e foi publicado em 1748 por David Hume, um dos mais influentes filósofos do Iluminismo escocês. Partindo de uma perspectiva empirista e cética, contrário ao racionalismo de Descartes, Hume examina criticamente as bases do conhecimento humano. No capítulo 10, intitulado “Sobre Milagres”, ele apresenta um dos argumentos mais célebres sobre a natureza e credibilidade dos milagres.

Ele define milagre como violações das leis da natureza realizadas por uma divindade ou uma força invisível. O argumento central de Hume é que a crença em milagres não é justificável racionalmente. Ele argumenta que nossa compreensão do mundo baseia-se na experiência e na observação consistente de eventos naturais, que formam as leis da natureza. Um milagre, por definição, contradiz essas leis e, portanto, é altamente improvável.

Hume propõe que, ao avaliar relatos de milagres, deve-se sempre comparar a probabilidade de que o milagre tenha realmente acontecido com a possibilidade de que o relato seja falso. E ele afirma que sempre é mais provável que o relato do milagre seja fruto de engano ou falsidade do que um evento que contradiga as leis da natureza. Além disso, observa que relatos de milagres frequentemente provêm de fontes pouco confiáveis e ocorrem em épocas e lugares distantes, onde a verificação é problemática.

Assim falou Zaratustra, de Friedrich Nietzsche

Enquanto Hume questiona a validade dos milagres a partir de uma perspectiva empírica, Friedrich Nietzsche, no final do século XIX, parte do pressuposto de que “Deus está morto” em sua obra Assim Falou Zaratustra e explora as consequências dessa ideia para a humanidade e a moralidade.

Nietzsche usa a metáfora da morte de Deus para indicar o declínio da crença tradicional na religião cristã e o consequente colapso dos valores morais que se baseavam nessa crença. Ela simboliza um momento crítico na história humana, onde as verdades e valores absolutos são questionados, levando a um estado de niilismo – um sentimento de vazio e falta de propósito, onde as antigas certezas já não oferecem mais orientação.

Em resposta ao niilismo que surge com a morte de Deus, Nietzsche apresenta a figura do “Übermensch”. Este conceito representa a ideia de um indivíduo que transcende as normas morais e culturais tradicionais, criando seus próprios valores e propósitos. O Übermensch é aquele que enfrenta o vazio deixado pela morte de Deus e se torna um criador de novos significados, superando as limitações impostas pela sociedade e religião tradicionais.

A ética da crença, de William Kingdon Clifford

O quinto livro de nossa lista, publicado em 1877, A ética da crença, de William Clifford, um matemático e filósofo inglês, deu origem a um debate filosófico sobre se é racional ou não acreditar em Deus na ausência de evidências. Assim como o texto de Nietzsche, ele parte do pressuposto de que não há evidências de que existe um Deus. Nesse cenário, o que fazer? Ainda é razoável acreditar?

O argumento principal de Clifford no ensaio é que é eticamente errado acreditar em qualquer coisa sem evidências suficientes que justifiquem essa crença. Ele defende que acreditar sem evidências é irresponsável, pois as crenças têm consequências reais e podem levar a ações prejudiciais. Sua premissa é a ideia de que a formação de crenças não é apenas um assunto pessoal, mas uma questão de ética social.

Clifford sustenta sua tese argumentando que cada crença que adotamos sem uma base sólida de evidências contribui para a degradação do hábito geral de buscar a verdade. Ele utiliza o exemplo de um navio: se alguém acredita, sem inspecionar adequadamente, que um navio está em boas condições e ele naufraga, a pessoa que acreditou irresponsavelmente é moralmente culpada pelas consequências, mesmo que sua crença fosse bem-intencionada. Portanto, acreditar sem evidências suficientes não é apenas um erro lógico, mas uma falha moral. Ele argumenta que devemos sempre buscar evidências e questionar nossas crenças, mantendo um compromisso contínuo com a verdade, independentemente das nossas preferências pessoais ou conveniências.

A vontade de crer, de William James

A Vontade de Crer, de William James, é um texto publicado logo depois da Ética da Crença de Clifford, e tem a intenção de responder aos argumentos apresentados aí.

A tese de James em A Vontade de Crer é que, em determinadas circunstâncias, é racional acreditar em algo mesmo sem evidências prévias, pois a adoção de certas crenças é um pré-requisito para acessar as evidências que confirmam ou refutam essas crenças. Ele exemplifica isso com a crença na própria capacidade de realizar uma tarefa, que muitas vezes é necessária para o sucesso na mesma. Esta crença antecede a evidência de que se é capaz, pois a evidência só surge após a tarefa ser realizada com sucesso.

James expande essa ideia para a fé religiosa. A crença em Deus ou princípios religiosos pode ser um passo necessário para experimentar e compreender aspectos da realidade que são inacessíveis sem essa crença prévia.

O futuro de uma ilusão, de Sigmund Freud

Nosso sétimo livro foi escrito por Freud, o pai da psicanálise, em 1927 e se chama O Futuro de uma Ilusão. Este livro representa uma incursão de Freud no campo da cultura e da religião, um tema que ele explorou ao lado de suas investigações sobre a mente humana. Nesta obra, Freud examina a natureza da crença religiosa e suas implicações para o futuro da sociedade, abordando a religião sob a ótica da psicanálise.

A tese central de Freud é que a religião é uma ilusão, criada pelo desejo humano de segurança psicológica e proteção contra as incertezas e perigos da vida. Ele argumenta que a religião, em essência, é uma construção mental que serve para aliviar a angústia existencial e oferecer um sentido de ordem e propósito num mundo caótico e muitas vezes hostil.

Freud também argumenta que à medida que as sociedades se tornam mais racionais e cientificamente orientadas, a necessidade da religião diminuirá. Ele vê o desenvolvimento da ciência e do pensamento racional como caminhos que eventualmente substituirão as funções psicológicas e sociais desempenhadas pela religião. No entanto, ele também reconhece que a transição para uma sociedade desprovida de crenças religiosas pode ser psicologicamente desafiadora, pois as religiões atendem a profundas necessidades emocionais e psicológicas.