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Plano de aula sobre a Rousseau e a política

- 21 min leitura

Autor: Sérgio Adas, Propostas de trabalho e ensino de filosofia: especificidade das habilidades; eixos temáticos-históricos e transversalidade.

Introdução

Esta proposta de trabalho quer explorar uma série de técnicas de estudo integradas ao exercício de uma dinâmica de grupo e à investigação de um tema a saber, o pensamento político de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).

Trata-se de uma tentativa de estabelecer uma ponte entre reflexões teóricas e estratégias didáticas. Seu desdobramento completo deve ocupar cerca de doze aulas. Ela se articula, no entanto, em três módulos, possibilitando maior clareza didática e flexibilidade de aplicação. O esquema com os três módulos visualiza o seu conjunto.

Módulo 1

Objetivos

  1. Expor os alunos ao estranhamento dos textos filosóficos, de imediato, sem prévias mediações expositivas ou conceituais que poderiam distanciá-los da experiência de entrar em contato direto com os textos filosóficos;
  2. Viabilizar um dos meios para um processo de ensino-aprendizagem em Filosofia no qual a especificidade do trabalho filosófico possa ser garantida — o “educar para a inteligibilidade” —, ou seja, acompanhar e orientar os alunos na descoberta de que podem compreender o funcionamento de uma configuração de pensamento a partir dos encadeamentos argumentativos e das relações conceituais presentes nos textos;
  3. Proporcionar aos alunos, por intermédio dos textos filosóficos, o conhecimento de problemas e terminologias próprios da Filosofia, conduzindo-os para a familiaridade com “estilos de interrogação” e “diretrizes conceituais” que, no intercurso do processo de sedimentação de referências enunciativas, venha lhes franquear a aquisição de meios para “orientar-se no pensamento”;
  4. Preparar os alunos para o exercício posterior de interpretação associada, quer em função do confronto entre tradições (Módulo II), quer perante temas atuais (Módulo III), com vistas à ampliação de seus referenciais de pensamento;
  5. Proporcionar aos alunos o exercício de técnicas de análise e interpretação de textos, bem como da experiência de dinâmica de grupo por meio de sessões de Grupos de Verbalização e de Observação.

Aula 1

Passo 1 – Introdução

Para realizar a contento o objetivo de proporcionar aos alunos um “mergulho” direto no texto filosófico, o(a) professor(a) terá, evidentemente, o cuidado de não despertar resistências ou bloqueios desnecessários, que obstam o aprendizado. Mesmo se a atividade for inusitada ou de surpresa, os textos devem ser recebidos com boas expectativas. Um dos modos de garantir esse caráter frutuoso é estabelecer, no início do ano e do semestre, um contrato pedagógico que assegure aos alunos a confiança num relacionamento produtivo com a disciplina.

Para esta primeira aula sugerimos que o (a) professor(a) escreva na lousa uma frase inspiradora, como a de Locke — “Ler traz ao espírito materiais para o conhecimento, mas só o pensar faz nosso o que lemos” (apud DVD 2 da série Filosofia no Ensino Médio. Produção: Atta Mídia e Educação. Duração: 167 min), e explique a importância de um confronto direto com o texto original dos filósofos — só isso nos possibilita uma impressão pessoal e garante uma compreensão genuína, em vez de ficarmos dependentes de notícias de segunda mão —, bem como a importância de conhecer técnicas de trabalho intelectual — forma-se assim uma prática eficaz e eficiente.

Passo 2 – contato inicial com os textos

Texto 1

Trecho do Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens

Concebo, na espécie humana, dois tipos de desigualdade: uma que chamo de natural ou física, por ser estabelecida pela natureza e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito e da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou política, porque depende de uma espécie de convenção e que é estabelecida ou, pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens. Esta consiste nos vários privilégios de que gozam alguns em prejuízo de outros, como o serem mais ricos, mais poderosos e homenageados do que estes, ou ainda por fazerem-se obedecer por eles.

Não se pode perguntar qual a fonte da desigualdade natural, porque a resposta estaria enunciada na simples definição da palavra. Pode-se, ainda menos, procurar a existência de qualquer ligação essencial entre essas duas desigualdades, pois, em outras palavras, seria perguntar se aqueles que mandavam valem necessariamente mais do que os que obedecem e se a força do corpo ou do espírito, a sabedoria e a virtude sempre se encontram, nos mesmos indivíduos, na proporção do poder ou da riqueza: tal seria uma boa questão para discutir entre escravos ouvidos por seus senhores, mas não convém a homens razoáveis e livres, que procuram a verdade.

Do que se trata, pois, precisamente neste Discurso? De assinalar, no progresso das coisas, o momento em que, sucedendo o direito à violência, submeteu-se a natureza à lei; de explicar por que encadeamento de prodígios o forte pode resolver-se a servir ao fraco, e o povo a comprar uma tranquilidade imaginária pelo preço de uma felicidade real (…)

Segunda parte

O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: “Defendei-vos de ouvir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e a terra não pertence a ninguém!” Grande é a possibilidade, porém, de que as coisas já então tivessem chegado ao ponto de não poder mais permanecer como eram, pois essa ideia de propriedade, dependendo de muitas ideias anteriores que só poderiam ter nascido sucessivamente, não se formou repentinamente no espírito humano. Foi preciso fazer-se muitos progressos, adquirir-se muita indústria e luzes, transmiti-las e aumentá-las de geração para geração, antes de chegar a esse último termo do estado de natureza. Retomemos, pois, as coisas de mais longe ainda e esforcemo-nos por ligar, de um único ponto de vista, em sua ordem mais natural, essa lenta sucessão de acontecimentos e de conhecimentos.

Fonte: ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. P ed. São Paulo: Nova Cultural, 1978, p. 235 e 259-260.

Texto 2

Trecho de Do contrato social

Livro Primeiro

Quero indagar se pode existir, na ordem civil, alguma regra de administração legítima e segura, tomando os h011tens como são e as leis como podem ser. Esforçar-me-ei sempre, nessa procura, para unir o que o direito permite ao que o interesse prescreve afim de que não fiquem separadas ajustiça e a utilidade. (…)

Capítulo I — Objeto desse primeiro livro

O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se aferros. O que se crê senhor dos demais não deixa de ser mais escravo do que eles. (…)

Se considerasse somente a força e o efeito que dela resulta, diria: “Quando um povo é obrigado a obedecer e o faz, age acertadamente; assim que pode sacudir esse jugo e o faz, age melhor ainda, porque, recuperando a liberdade pelo mesmo direito por que lha arrebataram, ou tem ele o direito de retomá-la ou não tinham o direito de subtraí-la”. A ordem social, porém, é um direito sagrado que serve de base a todos os outros. Tal direito, no entanto, não se origina da natureza: funda-se, portanto, em convenções. Trata-se, pois, de saber que convenções são essas. Antes de alcançar esse ponto, preciso deixar estabelecido o que acabo de adiantar.

Capítulo II – Das primeiras sociedades

A mais antiga de todas as sociedades, e a única natural, é a da família: ainda assim só se prendem os filhos ao pai enquanto dele necessitam para a própria conservação. Desde que tal necessidade cessa, desfaz-se o liame natural. Os filhos, isentos da obediência que devem ao pai, e este, isento dos cuidados que deve aos filhos, voltam todos a ser igualmente independentes. Se continuam unidos, já não é natural, mas voluntariamente, e a própria família só se mantém por convenção.

A família é, pois, se assim se quiser, o primeiro modelo das sociedades políticas: o chefe é a imagem do pai; o povo a dos filhos, e todos, tendo nascido iguais e livres, só alienam a sua liberdade em proveito próprio. A diferença toda está em que, na família, o amor do pai pelos filhos o paga pelos cuidados que lhes dispensa, enquanto no Estado o prazer de mandar substitui esse amor, que o chefe não dedica a seus povos. (.. .)

CAPÍTULO III – Do direito do mais forte

O mais forte nunca é suficientemente forte para ser sempre o senhor, senão transformando a sua força em direito e a obediência em dever. Daí o direito do mais forte — direito aparentemente tomado com ironia e na realidade estabelecido como princípio.

Jamais alcançaremos uma explicação dessa palavra? A força é um poder físico; não imagino que a moralidade possa resultar de seus efeitos. Ceder à força constitui ato de necessidade, não de vontade: quando muito, ato de prudência. Em que sentido poderá representar um dever?

Suponhamos, por um momento, esse pretenso direito. Afirmo que ele só redundará em inexplicável galimatias, pois, desde que a força faz o direito, o efeito toma o lugar da causa — toda a força que sobrepujar a primeira, sucedê-la-á nesse direito. Desde que se pode desobedecer impunemente, torna legítimo fazê-lo e, visto que o mais forte tem sempre razão, basta somente agir de modo a ser o mais forte. Ora, que direito será esse, que perece quando cessa a força? Se se impõe obedecer pela força, não se tem necessidade de obedecer por dever, e, se não se for mais forçado a obedecer, já não se estará obrigado a fazê-lo. Vê-se, pois, que a palavra direito nada acrescenta à força — nesse passo não significa absolutamente nada.

CAPÍTULO IV- Da escravidão

Visto que homem algum tem autoridade natural sobre seus semelhantes e que a força não produz qualquer direito só restam as convenções como base de toda a autoridade legítima existente entre os homens.

Fonte: ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1978, p. 21-26.

Passo 3 – Início da análise textual

Ainda na primeira aula, o(a) professor(a) começará a esclarecer os termos e o entendimento textual das frases de um dos textos, tarefa a ser continuada pelos alunos no trabalho extraclasse.

Passo 4 – lição de casa

  1. Como trabalho individual, a redação manuscrita de uma pequena biografia de Rousseau, mencionando suas obras mais conhecidas, suas principais ideias políticas e alguns traços do contexto sociopolítico em que viveu (cerca de três páginas).
  2. Cada aluno deverá ainda, consultando dicionários e enciclopédias, completar o domínio do vocabulário, das informações e dos conceitos dos textos lidos, buscando o seu entendimento mais claro.

O(A) professor(a) também terá, obviamente, a sua lição de casa, que é rever seus conhecimentos da matéria.

Aula 2

Passo 1 – introdução

O(A) professor(a) poderá solicitar a um aluno que leia a biografia de Rousseau, e a outros que complementem os dados, enquanto o(a) próprio(a) professor(a) sistematiza, na lousa, uma cronologia da vida do filósofo. O mesmo poderá ser feito quanto às ideias políticas de Rousseau, cuidando o (a) professor(a) de anotar na lousa os conceitos mais importantes que forem sendo mencionados, sem ainda se preocupar em esclarecer seu sentido de modo completo.

Passo 2 – análise temática dos textos

Divididos em pequenos grupos, os alunos compartilharão o entendimento dos conceitos e das informações contidas nos dois textos em pauta. Em seguida, passando agora a uma nova etapa de leitura, deverão atentar para o lugar ocupado pelos conceitos e para o encadeamento argumentativo dos textos, buscando localizar e anotar, conforme um esquema dado pelo(a) professor(a) na lousa, o assunto, as teses que o autor propõe e defende, o problema em questão (ou diante de quais problemas o autor se posiciona mediante suas teses), os argumentos (ou como o autor defende ou demonstra suas teses), e outras ideias, secundárias em relação à tese, que são aventadas, em cada um dos textos.

Cada grupo deverá produzir, dentro de um tempo delimitado pelo(a) professor(a), um quadro de respostas a esses itens, a ser registrado numa folha tipo flip-chart ou similar. Essas folhas serão em seguida afixadas na parede da sala de aula. O(A) professor(a) fará uma leitura dos resultados alcançados, tendo o cuidado de aceitar diferenças que não incorram em erros corrigindo eventuais leituras francamente incorretas.

Passo 3 – lição de casa

  1. Cada aluno deverá retomar, individualmente, a análise temática iniciada em grupo, buscando aprofundar a “escuta” do que o autor quis dize alcançando assim uma compreensão mais profunda e abrangente de mensagem. Para isso deverá ter copiado, das diversas folhas expostas aquelas respostas que lhe pareçam mais justas, reelaborando-as a modo.
  2. O(A) professor(a) pedirá, ainda, que cada aluno escreva agora uma interpretação, ou seja, um comentário pessoal sobre cada um dos textos (cerca de uma página, ao menos, para cada um). Trata-se de expressar ideias pessoais acerca do tema, da questão em jogo, das teses e argumentos do autor. Dito de outro modo: após entender o que o autor pensa, o aluno deve expressar agora o que ele, aluno, pensa.

Aula 3

Passo 1 – introdução

O (a) professor(a) explicará aos alunos o espírito e o funcionamento da dinâmica de grupo conhecida como Grupos de Verbalização e de Observação (GV-GO), cuidando em seguida de organizar os grupos de modo a se adequarem aos requerimentos técnicos da dinâmica e de se assegurar que os alunos entenderam como irão participar (ver explicação no boxe).

Passo 2 – preparação da dinâmica e seu conteúdo

Já divididos nos grupos adequados à dinâmica, os alunos compartilharão os comentários redigidos em casa, cabendo a cada grupo a tarefa de compor, agora, um relatório das opiniões, argumentações e outras ideias aventadas sobre os dois textos de Rousseau.

O(A) professor(a) deverá propor algumas perguntas que orientam os alunos para o tratamento de articulações internas ao pensamento de Rousseau, tais como: Qual a importância da noção de direito natural na filosofia política de Rousseau? O que ela significa e qual seria sua relevância para a vida em sociedade? Como se poderiam relacionar os conceitos de soberania, vontade geral, cidadão e representação política no pensamento político de Rousseau?

Não é necessário que todos tenham as mesmas opiniões sobre os textos. Ao contrário, o comentário do grupo poderá conter posições diferenciadas ou mesmo antagônicas, sendo isso considerado, nesta etapa de estudo, uma riqueza de pensamento a ser posteriormente esclarecida.

O(A) professor(a) percorrerá os grupos, dirimindo dúvidas menores, mas deixando questões mais interessantes para os debates das próximas aulas, e auscultando a qualidade das reflexões que estiverem sendo realizadas.

Passo 3 – lição de casa

  1. Cada grupo ficará encarregado de completar seu relatório e de preparar-se para apresentá-lo, por meio de dois representantes, na dinâmica de GV-GO, nas aulas seguintes (apresentações referentes ao primeiro texto de Rousseau na quarta aula e apresentações referentes ao segundo texto na quinta aula).
  2. O(A) professor(a) poderá enfatizar para toda a classe novas questões significativas emergentes nas reflexões dos grupos.

Aula 4

Passo 1 – introdução

O(A) professor(a) prepara a classe para o funcionamento da dinâmica combinada e convoca os representantes das equipes, dando logo início ao trabalho. O tempo deverá ser bem controlado, para a realização dos três passos desta aula.

Os alunos escolhidos pelas equipes procedem à discussão, no grupo de verbalização, do primeiro texto de Rousseau, num tempo estimado em 20 min.

Passo 2 – segunda etapa do grupo GV-GO

Decorrida a discussão, cabe aos membros do grupo de observação proceder a suas intervenções, avaliando brevemente o processo da discussão e o comportamento dos membros do grupo de verbalização. Este segundo passo não deverá ultrapassar dez minutos de duração.

Passo 3 – reflexão sobre o texto

O (A) professor(a) deverá agora, com toda a classe, esclarecer alguns conceitos e argumentos que porventura não tenham ficado bem expressos na discussão promovida pelo grupo de verbalização, enfatizar os pontos mais importantes e aprofundar a compreensão do texto. O objetivo é ir construindo, gradativamente, uma compreensão dos posicionamentos básicos do autor selecionado, e alcançar, desse modo, clareza sobre sua configuração de pensamento.

Aula 5

Passo 1 e 2

Os dois primeiros passos desta aula são em tudo semelhantes aos da aula anterior, passando-se agora a focalizar o segundo texto de Rousseau.

Os alunos que na quarta aula participaram do grupo de verbalização irão compor, agora, o grupo de observação, e vice-versa.

Passo 3 – reflexão sobre os textos de Rousseau

Questões e posicionamentos decisivos expressos durante as duas aulas poderão ser enfatizados nessa reflexão que consolida o trabalho de leitura de Rousseau e prepara os módulos seguintes. O (A) professor(a) poderá logo remeter os alunos para novas questões, como, por exemplo, as seguintes: Rousseau faz parte de uma tradição de pensadores chamados contratualistas, pois empreende uma justificação do pacto social ou da vida política após ter recorrido ao estudo (hipotético) da evolução histórica do homem para poder julgar sua condição atual. Desse modo, quais são as conclusões a que chega sobre a natureza humana? Com relação à desigualdade (de poder, de riqueza etc.) existente entre os homens, pode-se dizer que ela seria autorizada pela “lei natural”?

Passo 4 – lição de casa

Estudar ou revisar, em livros didáticos: a História da Inglaterra, desde o início do século XVII (final do período Elisabetano) até meados do século XVIII (governo de William Pitt, o velho); a História da França desde o reinado de Luis XIV até a Revolução de 1789; e o movimento cultural do Iluminismo nos dois países.

Módulo II

Objetivos

  1. Auxiliar os alunos na constituição de uma “retórica” (entendida como língua e linguagem) a partir da assimilação de um repertório de topoi e que funcione como uma “língua da segurança.”
  2. Para tanto, essa etapa busca lançar os alunos ao “re-trabalho” com as ideias de Rousseau, incitando-os ao desenvolvimento do autodidatismo, por intermédio de pesquisa organizada em estudos dirigidos onde possam buscar uma melhor compreensão dos argumentos e conceitos oriundos do pensamento político do filósofo, consultando-se textos de diferentes modalidades discursivas.
  3. Concretizar um dos esforços do ensino de Filosofia no Ensino Médio, qual seja o de levar os estudantes a adentrarem seus campos, assimilarem sua linguagem própria, investigarem seu fazer-se no tempo, seus sistemas, seus filósofos e suas ideias, representações e legados constituintes, vistos, se possível, sob a perspectiva do diálogo e confronto entre tradições.
  4. Introduzir os alunos nas técnicas básicas de pesquisa e de fichamento, além de dar continuidade ao trabalho com GV-GO, iniciado no segundo módulo.

Aula 1

Passo 1 – contextualização histórica

Tendo em vista a contextualização mais fina dos alunos nas questões políticas e sociais da época, o (a) professor(a) poderá lançar mão de algumas cenas de filmes. Recomendamos Danton, o processo da Revolução dirigido por Andrzej Wadja, produção franco-polonesa de 1982.

Outra possibilidade é uma preleção dialogada, aproveitando informações colhidas pela atividade extraclasse dos alunos, e enfatizando momentos decisivos como a Revolução Gloriosa de 1688, a edição da Enciclopédia a partir de 1751, as reações ao terremoto de Lisboa de 1754, a Independência Americana em 1776, culminando na Revolução Francesa de 1789 (que revalorizou a importância de Rousseau).

O (A) professor(a) mostrará, principalmente, a pertinência histórica dos conceitos, das teses e dos argumentos do filósofo de Genebra lançará algumas pistas sobre a sua relação com o pensamento Iluminista de sua época, como também com os de Hobbes e de Locke. É sobre essa relação que serão focadas as próximas etapas do exercício de GV-GO, concluindo o exercício iniciado no Módulo anterior.

Passo 2 – lição de casa

Pesquisar, em fontes indicadas, o pensamento político de Thomas Hobbes (1588-1679) e de Locke (1632-1704), procurando em seguida anotar algumas possibilidades de comparação entre os conceitos usados por Rousseau e esses autores.

Para tanto, o(a) professor(a):

  1. Explicará uma técnica simples de fichamento de textos;
  2. Indicará artigos em jornais e revistas, capítulos de livros didáticos, e algumas obras especializadas, nas quais são tratados aspectos da filosofia política de Rousseau, Hobbes e Locke. Se possível, indicar, após consulta à biblioteca da escola, quais livros didáticos ou outros devem ser consultados e os intervalos dos números de página, para que os alunos possam focar bem seus esforços.

Aula 2

Passo 1 – introdução

Uma cronologia das vidas de Hobbes e de Locke e os conceitos importantes em seu pensamento político poderão ser registrados na lousa, em moldes semelhantes ao que foi realizado na introdução da segunda aula do “Módulo I”. O professor poderá incluir, caso não emerjam dos alunos, noções essenciais para a época como absolutismo versus burguesia, comunidade versus sociedade, súditos versus indivíduos ou cidadãos, cultura rural agrícola versus economia urbana manufatureira e industrial, avanços da ciência versus conservadorismo cristão, racionalismo versus valorização dos sentimentos em Rousseau etc.

Caso julgue conveniente, o (a) professor(a) poderá oferecer uma aula expositiva mais bem elaborada sobre os conceitos básicos dos três autores, vistos comparativamente. Para tanto oferecemos, no final dos capítulos, o anexo IV, com um modelo de transparência.

Passo 2 – trabalhos em grupos

Divididos nos mesmos grupos que atuaram na dinâmica do “Módulo I”, os alunos compartilharão suas pesquisas sobre as ideias políticas de Hobbes e Locke, procurando estabelecer possibilidades de contextualização da filosofia política de Rousseau em relação a esses autores.

O (A) professor(a), caso julgue necessário, poderá alertar para questões pertinentes, como por exemplo: Quais seriam as diferenças entre as concepções de soberania adotadas por esses pensadores? Qual entendimento possuem sobre a relação entre direitos naturais e propriedade privada? O que é o Estado civil nos três autores? Como se posicionam diante do direito ao uso da força e da violência?

Os grupos devem se preparar para expor suas ideias, por intermédio de dois representantes, na dinâmica das próximas aulas. Na aula seguinte será discutido o pensamento de Hobbes e a relação Hobbes-Rousseau, e na outra, a quarta aula deste módulo, o pensamento de Locke e a respectiva relação com Rousseau.

Passo 3 – lição de casa

Para completar seu relatório, cada grupo deveria continuar a pesquisa no sentido de encontrar trechos dos próprios autores que fundamentem as ideias que o grupo deseja enfatizar.

Aula 3 e 4

Apenas metade da classe teve oportunidade de participar, até agora, da dinâmica GV-GO. São, em princípio, os alunos restantes que deverão agora assumir os papéis de verbalizadores e observadores, devendo o (a) professor(a) fazer os ajustes necessários. No caso da classe com menos de 40 alunos, ele saberá avaliar se deve reconvocar os alunos mais talentosos ou então justamente aqueles que precisam de mais exercício. No caso de uma classe mais numerosa, repetimos que deverá ter, previamente, dedicado funções especiais a quem não for convocado para a dinâmica.

Estas duas aulas seguirão uma estrutura semelhante à da quarta e quinta aulas do primeiro módulo.

Na terceira aula o grupo de verbalização focalizará Hobbes e Rousseau, e o outro grupo cumprirá sua tarefa de observação e comentário.

Na quarta aula os papéis se inverterão, e a discussão versará sobre Locke e Rousseau.

No terceiro passo de cada aula, o (a) professor(a) aproveitará as intervenções e observações dos alunos para aprofundar aquilo que julgar mais interessante.

Preparando o trabalho do terceiro módulo, o (a) professor(a) deverá chamar a atenção dos alunos para situações atuais que refletem conceitos forjados por aqueles autores ou em seu tempo, e para a pertinência desses conceitos para a análise de situações de nossa época. É centralizando as discussões e reflexões nesses conceitos que os alunos poderão consolidar, aos poucos, a sua “coleção” de topoi.

No final da quarta aula – lição de casa

Solicitar aos alunos que tragam de casa, para a atividade da próxima aula, um dicionário.

MÓDULO III

Objetivos

  1. Proporcionar a ocasião para o desenvolvimento e expressão do pensamento crítico dos alunos, levando-os a vincular os problemas e conceitos filosóficos estudados com a realidade sócio histórica e vivencial com as quais se confrontam.
  2. Reafirmar e conscientizar os alunos acerca de um princípio básico: o de que a crítica não vem antes de um preparo lento e constante de apreensão e “ressignificação” de referenciais de pensamento para exercê-la.
  3. Operacionalizar o trabalho de composição entre textos filosóficos primários (Módulos I e II) e outros de natureza diversa — no caso, um texto de opinião (Texto 3) —, remetendo os alunos, ao mesmo tempo, para o exercício da habilidade da escrita por intermédio de uma atividade de interpretação associada.

Aula 1

Passo 1 – leitura

Confirmando a vertente de colocar os alunos em contato direto com texto de Filosofia, selecionamos o artigo seguinte que constitui ótimo exemplo d uso dos conceitos pelo autor que acabamos de estudar — Rousseau — para compreensão de fatos vivenciais, no caso da vida política de nosso país.

Trata-se, portanto, de começar lendo o texto com os alunos, sem explicações prévias.

Texto 3

Despotismo parlamentar e golpe de Estado

1 (A) “Todo poder emana do povo.” Esta verdade tem sido aviltada em nossa terra pois que assumem todas as magistraturas. Após 30 anos ainda sentimos a presença das causas geradoras do golpe institucional que desgraçou a nossa República. Entre elas, avulta o insensível Congresso Nacional, dirigido não raro para fins estranhos ao país.

2 Após o segundo governo Vargas, tivemos o bloqueio sistemático a Jânio Quadros e a chantagem contra João Goulart. Nestas horas, o Legislativo só ensinou desobediência e medo aos cidadãos. Hoje, ele apresenta um insulto após outro à ordem civil, provoca de modo cálido o braço militar. Sendo apenas funcionários eminentes da vida pública, os atuais ocupantes do nosso Estado, em plano federativo, imaginam-se investidos pelo direito divino. É preciso que eles se convertam à pátria comum.

3 Não é lícito aos dirigentes usurpar o poder soberano que só ao povo pertence. Citemos Rousseau. O filósofo não pode ser perseguido pelo Congresso, lépido quando intimida jornalistas e acadêmicos livres, lento no corretivo dos seus membros indecorosos. Diz o “Contrato Social”: o déspota se coloca acima das próprias leis. Incontáveis atos despóticos situam nossos representantes acima da cidadania. Como esta última é o verdadeiro soberano, os políticos praticam, no cotidiano, um golpe contínuo,

4 Eles ensinam tirania no plenário. “Um tirano”, para Rousseau, “pode não ser déspota, mas um déspota é sempre um tirano”. Um magistrado que age em benefício próprio trai a República. Se o faz em sessão secreta, a covardia do sigilo cobre esta vergonha. Com isso nossa gente é iniciada na pedagogia da má-fé. E nenhuma comunhão política vive sem a confiança na palavra.

5 (B) A imprudência de muitos parlamentares era, pois, anarquia. Por causa deles, “todos os simples cidadãos, repostos de direito em sua liberdade natural, estão forçados, mas não obrigados a obedecer” (Rousseau). Legisladores que rasgam as leis subvertem a sociedade política, cujo princípio é a igual dignidade de todos. Tais políticos imaginam que na urna ocorre um pacto servil.

6 Nele, o candidato a déspota diria ao eleitor: “Estabeleço contigo uma convenção ficando tudo a teu cargo e tudo em meu proveito, convenção essa a que obedecerei enquanto me aprouver e que tu observarás enquanto for do meu agrado ” (sempre Rousseau). Daí a arrogância dos que, eleitos, pensam ter adquirido um feudo. Vasta camada de acadêmicos coloca-se sob as ordens destes tiranetes, Motivo? “A verdade não leva à fortuna, e o povo não dá embaixadas, cátedras ou pensões ” (lúcido Rousseau!).

7 Após votar em benefício próprio (marca absoluta de tirania), somem os membros do Congresso, abandonando o interesse público. Ficam desvalidos os trabalhadores, ludibriados os empresários honestos, desiludidos os cientistas e técnicos, atormentados os mestres. Os poderosos eleitos não dirigem as classes para o universal, ajudam a ampliar o fosso entre riqueza e miséria. “Essas duas condições, inseparáveis naturalmente, são ambas funestas ao bem comum — de uma saem os fautores da tirania e da outra os tiranos. É sempre entre elas que se faz o tráfico da liberdade pública; uma compra e a outra a vende” (“Contrato Social”). Milhões conseguidos entre riquíssimos servem para distribuir tostões nas campanhas eleitorais onde o povo soberano, faminto, vende sua dignidade livre por bagatelas.

8 Rousseau recorda o costume antigo, forte entre os gregos, de “confiar o estabelecimento das leis aos estrangeiros”. Vamos seguir o exemplo helênico, importando legisladores? Se o preço e a qualidade do produto nacional não correspondem ao justo, a importação de similares estrangeiros baixa o preço, melhora a qualidade. Nesta concorrência, talvez nossos parlamentares voltem ao plenário e às comissões, legislando em proveito coletivo.

9 (C) Mas não os culpemos por todos os nossos males. Eles são o resultado do absenteísmo político a que nos acostumamos desde a ditadura castrense. Ainda Rousseau traz a lição: “O arrefecimento do amor à pátria, o interesse particular, a grandeza dos Estados, os abusos do governo fizeram com que se imaginasse o recurso dos deputados ou representantes do povo”. Deputados são apenas funcionários do povo soberano. Caso contrário, desempenham o papel de usurpadores. Ninguém estima quem exerce esta função desprezível por natureza.

10 Finalizemos com Rousseau: “O povo inglês pensa ser livre e muito se engana pois só o é durante a eleição dos parlamentares; uma vez eleitos, ele é escravo, não é nada”. Brasileiros: mudando-se o nome, a fábula narra a nossa vida política. Mas o Parlamento, quando unido ao soberano, é sagrado. Cidadãos, civis e militares, devemos manter a prudência e a coragem de recusar os golpes de Estado. É mais eficaz não reconduzir ao Congresso os vendilhões ali instalados. Por sua causa, nossos filhos e netos não podem sofrer as violências dos torturadores, a censura à imprensa e todo o inferno imanente aos regimes ditatoriais. Com serenidade e firmeza, usemos o voto para afastar o despotismo, assegurando a democracia, tão vital quanto o ar que respiramos.

Passo 2 – análise textual

Para esta atividade os alunos haviam sido avisados de que deveriam trazer seus dicionários. Em todo caso, o (a) professor(a) providenciará, antes da aula, alguns exemplares na biblioteca para eventuais “esquecediços”, pois, mesmo sendo realizada em duplas, a consulta pessoal e a presença de eventuais edições diferentes são importantes.

A versão do artigo de Romano, como a vemos nesta página e na anterior, salienta o vocabulário que talvez apresente novidades semânticas aos alunos. Eles poderão esclarecer o significado de todas as palavras cujo significado não dominem perfeitamente.

O (A) professor(a) comentará, em seguida, sobre os indicadores cronológicos e político-históricos do texto sem deixar de resgatar, ainda que minimamente, o contexto político em que ele foi elaborado (1994).

Para um diálogo em classe ou como indicação para a atividade extraclasse, o (a) professor(a) poderá explorar com os alunos as “tensões” e a riqueza conceitual entre as expressões e termos empregados no texto, averiguando não somente a função que desempenham na sua malha argumentativa e valorativa como também suas relações com a Filosofia Política de Rousseau ou com a Ciência Política em geral. (Destacamos, no texto, palavras e expressões importantes de serem trabalhadas nesta atividade.)

Passo 3 – lição de casa

Caberá aos alunos dar continuidade aos trabalhos de análise textual e iniciar a análise temática bem como a interpretação pessoal do artigo lido em classe.

Aula 2

Passo 1 – trabalho em grupo

Reunidos nos seus grupos, os alunos compartilharão o resultado da atividade extraclasse num esforço de reflexão conjunta, e selecionarão entre si duas questões ou colocações relevantes — seja do ponto de vista teórico ou quanto à aplicação de todas as ideias estudadas na realidade vivencial — a serem expressas para toda a classe.

Passo 2 -diálogo e reflexão coletiva

Cada grupo terá, num tempo determinado pelo(a) professor(a), espaço para seu representante realizar a intervenção combinada.

Após todos se apresentarem, a palavra deverá ser franqueada para impressões, ideias, perguntas etc., segundo o espírito de uma comunidade de investigação.

Passo 3 – trabalho de casa

Como fechamento da proposta de trabalho, o (a) professor(a) deve estimular os alunos a algum tipo de produção pessoal.

Uma sugestão evidente, que deixamos aqui, é orientar os alunos para redigirem (a partir de acontecimentos da vida política brasileira atual ou recente) uma dissertação sobre um tema que considerem oportuno ser analisado, com base nos conceitos e argumentos do pensamento político de Rousseau. Poderão apoiar-se, para tanto, em todos os textos já consultados, ou mesmo em novas fontes por eles buscadas.

Solicita-se, desse modo, um esforço de “fusão” e rearticulação entre as leituras realizadas, incorporando as anotações e discussões da sala de aula e, ainda, dando espaço para novas conquistas do gosto pela pesquisa e investigação. Desse modo, sem perder de vista os objetivos deste terceiro módulo, inclui-se também o espaço para a bem-vinda criatividade dos estudantes.

Sugerimos, finalmente, que esse trabalho não seja cobrado na próxima aula, mas tenha, dentro das condições reais que o (a) professor(a) conhece, um prazo suficiente para sua cuidadosa elaboração.

Aula 3 – avaliação final

Após o percurso das onze aulas desta proposta de trabalho, um espaço adequado deve ser reservado para a avaliação de todo o processo, por parte dos alunos e depois por parte do(a) professor(a).

Um modo possível é, dando continuidade à forma de diálogo já experimentada na segunda aula, que os alunos se reúnam em grupo para responder a perguntas semelhantes às seguintes:

  1. O que aprendemos de Filosofia?
  2. O que aprendemos de processos de estudo e de trabalho em equipe?
  3. O que levamos destas aulas para nossas vidas?
  4. O que fez falta?

Em seguida, um representante do grupo expõe o que o grupo quiser falar dessas questões para a classe ou para o (a) professor(a).

Ouvidos os alunos, o (a) professor(a) também deve apresentar suas observações e considerações.

A palavra deverá, em seguida, ser franqueada a todos os estudantes.

No caso dessa atividade não ocupar toda a aula, o (a) professor(a) poderá usar o tempo ainda disponível para um “discurso” final sobre a relevância do autor estudado, ou de algum outro aspecto que julgar pertinente.