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3 livros que gostaria de ter lido quando comecei a trabalhar como professor 

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Esse ano completa dez anos que comecei a dar aulas de filosofia no ensino médio. Na época estava recém saindo da faculdade e lembro da sensação de entrar na sala de aula pela primeira vez, sendo completamente responsável por várias turmas em todos os aspectos: planejamento de currículo, das aulas, avaliação, aprovação ou reprovação de estudantes. Há vários aspectos disso que não temos sequer ideia durante os estágios na faculdade.

Muitas coisas não deram certo nesse início e fui obrigado a buscar meios para melhorar meu ensino. Aprendi e explorei muita coisa ao longo desse processo, mas teve três livros em especial que, olhando em retrospectiva, foram fundamentais, fizeram toda a diferença e hoje moldam minha forma de ensinar filosofia.

Planejamento para a compreensão

Planejamento para a compreensão é um conceito de planejamento de aula proposto no livro Planejamento para a Compreensão de Grant Wiggins e Jay McTighe. Os autores sugerem uma mudança na maneira como nós professores planejamos nossas aulas, focando no desenvolvimento de unidades de ensino que partem do fim para o início, ou seja, começa-se com o estabelecimento dos resultados de aprendizagem desejados e, a partir daí, se planeja o resto.

O conceito de começar o planejamento pelo fim é conhecido como planejamento reverso. A ideia é pensar primeiro sobre o que os alunos devem entender e ser capazes de fazer ao final de uma unidade de ensino e em seguida identificar quais estratégias serão usadas para avaliar se os estudantes realmente estão atingindo o que se deseja. A partir desses objetivos e avaliações, o professor então desenvolve atividades de aprendizagem que irão ajudar os alunos a construir o conhecimento e as habilidades necessárias para atingir esses objetivos. Esse enfoque ajuda a garantir que o ensino seja intencional e coerente, fazendo com os alunos compreendam o que estão estudando, e não apenas decorem conceitos para uma avaliação.

E o que significa compreensão? Como eu como professor sei que um estudante compreendeu? A compreensão é descrita pelos autores como a capacidade de os alunos fazerem sentido das ideias e conceitos estudados, aplicando-os de maneira eficaz em contextos novos e variados. Não se trata apenas de memorizar informações, mas de internalizar o conhecimento de forma que possa ser utilizado de maneira flexível e adaptativa. Um aluno, por exemplo, que decora o imperativo categórico e repete em uma pergunta do tipo “o que diz o imperativo categórico de Kant?” não compreendeu muita coisa. No entanto, um estudante que consegue explicar seu significado, analisar suas implicações em diferentes contextos do mundo real ou justificar escolhas morais a partir do uso das ideias de Kant certamente compreendeu em um nível significativo o conceito.

O conceito de planejamento para a compreensão foi muito significativo nessa minha formação após o término da faculdade por essas duas razões. Em primeiro lugar, por ajudar a explicitar o significado de “compreensão”; em segundo lugar, por apresentar uma estrutura de planejamento que ajuda a organizar sequências didáticas eficientes, que realmente promovam a compreensão desejada. Os planejamentos que reúso ano após ano com sucesso são aqueles que melhor incorporam os princípios propostos no livro.

Ensino baseado em projetos

Outro conceito que reforça a ideia de que o objetivo do ensino é garantir que os estudantes consigam aplicar de alguma forma seus conhecimentos é a ideia de ensino baseado em projetos. O livro mais instrutivo que li nesse sentido foi Aprendizagem Baseada em Projetos: Educação Diferenciada para o Século XXI, de Willian Bender, que oferece um olhar detalhado e prático sobre como implementar essa abordagem de maneira efetiva em sala de aula.

Todo professor provavelmente já ouviu falar em ensino por projetos durante sua formação. No entanto, saber até mesmo por onde começar a colocar em prática isso em sala de aula é outra história. O livro de Bender é estruturado de tal maneira que todos os aspectos da implementação dessa metodologia de aula são abordados, desde o planejamento até a execução, com alguns exemplos que são bem inspiradores.

Sim, a filosofia é uma disciplina extremamente teórica e com poucas aplicações. Pensar em projetos pode parecer estranho. No entanto, se olhamos à nossa volta, ela está em todo lugar: questões argumentativas saltam aos olhos quando presenciamos debates de qualquer natureza, questões éticas quando conversamos sobre temas diversos, até mesmo sobre o menu de um restaurante, questões estéticas permeiam a vida de adolescentes que vivem imersos em suas músicas com seus fones de ouvido. 

Mas esse é apenas um dos aspectos da aprendizagem por projetos. Minhas aulas também se beneficiaram da ênfase no trabalho em grupo, na comunicação entre estudantes e na centralidade deles no processo de aprendizagem que é central nessa metodologia de ensino. 

Novamente, essa não são ideias novas, mas o mérito de Bender é mostrar uma estrutura de planejamento dentro da qual as peças se encaixam e conseguimos ver como uma aula por projetos poderia funcionar.

Trabalho em grupo

E isso nos trás ao terceiro conceito que redescobri de certa forma na minha formação continuada como professor: o trabalho em grupo.

Sim, já conhecia ele desde o ensino fundamental, portanto precisei aprender a ver nele possibilidades pedagógicas que minha experiência de estudante jamais revelou. Trabalho em grupo sempre foi pra mim como estudante sentar com os amigos, a pessoa mais inteligente no assunto fazer a atividade e todos colocam seu nome no trabalho. O que algo assim poderia ensinar?

Planejando o Trabalho em Grupo: Estratégias para Salas de Aula Heterogêneas, de Elizabeth G. Cohen, foi fundamental para mudar essa percepção, ver a importância do trabalho em grupo e sobretudo como organizá-lo para evitar problemas corriqueiros, como a dominância de alguns alunos e a passividade de outros. O livro ressalta que, quando bem estruturado, o trabalho em grupo pode promover o desenvolvimento de habilidades sociais, a capacidade de resolver problemas em equipe, e uma compreensão mais profunda do conteúdo estudado, especialmente de temas como os filosóficos.

Além disso, apresenta uma série de estratégias para serem usadas durante o planejamento do trabalho em grupo. Entre elas, a definição clara de objetivos e papéis dentro do grupo, a escolha dos integrantes do grupo pelo professor, considerando critérios como desempenho acadêmico, a criação de mecanismos de avaliação que valorizem tanto a contribuição individual quanto a coletiva, e a utilização de reflexões grupais para promover a autoavaliação e o feedback construtivo. 

Cohen também enfatiza a importância de estruturar tarefas que necessitem da contribuição de todos os membros para serem completadas, incentivando assim a interdependência positiva. Nem todas as tarefas são adequadas para o trabalho em grupo. A autora sugere ainda a implementação de normas de grupo negociadas coletivamente para promover um ambiente de respeito mútuo, além de técnicas para monitorar e ajustar dinâmicas de grupo disfuncionais. Essas estratégias são projetadas não apenas para otimizar o aprendizado acadêmico, mas também para desenvolver competências vitais como comunicação eficaz, resolução de problemas interpessoais, preparando os alunos para os desafios colaborativos da vida.

Planejamento, planejamento e mais planejamento

Hoje me sinto bem mais preparado do que o professor que entrava em uma sala de aula pela primeira vez há dez anos atrás. Há muitas coisas que contribuíram para isso: a experiência, o feedback dos estudantes, as inestimáveis trocas com colegas e a leitura de livros escritos por professores que encontraram formas muito efetivas de ensinar e compartilharam esse conhecimento por meio da escrita.

Essa última forma de aprender a ser professor em especial funcionou muito bem para mim ao longo desses anos de prática docente. No entanto, olhando para os três livros listados, há algo em comum entre eles que os tornam especialmente úteis nesse contexto: aliam boas teorias, muito bem justificadas, com estratégias de planejamento para tornar os ideais de ensino realidade. 

Se tem uma coisa que se percebe depois de dez anos em sala de aula como professor é que uma boa aula não é o resultado de inspiração ou momentos espontâneos de genialidade, mas de planejamento meticuloso. Há aulas que sempre funcionam satisfatoriamente, há aulas que nunca funcionam. A diferença entre elas é como foram organizadas. Os três livros que foram particularmente relevantes na minha formação continuada como professor me parece que fizeram a diferença justamente por alinharem de forma equilibrada teorias pedagógicas sólidas e o pragmatismo do planejamento diário.