Uma simulação para refletir sobre o conceito de justiça
Uma das experiências incríveis que me fazem desejar retornar sempre para uma sala de aula são aqueles momentos em que os estudantes se engajam de corpo e alma na proposta, se divertem e têm uma experiência marcante de aprendizagem. Nem sempre é fácil combinar tudo isso. Por vezes a atividade é divertida, mas não produz aprendizagem significativa. O contrário também acontece: aprendizagens significativas como resultado de um trabalho duro.
Uma das formas de combinar aprendizagem e engajamento é através de jogos e simulações nas quais os estudantes desempenham papéis, cooperam e competem em grupos ou individualmente.
Por acaso encontrei em um artigo de Harry Brighouse uma ideia de simulação envolvendo conceitos do contratualismo de Rawls que parece ter tudo isso.
A ideia é que os estudantes são advogados de um cliente misterioso. Em seu nome, eles devem negociar com colegas um princípio de justiça que seja o mais satisfatório possível para seu cliente. Os colegas estão na mesma condição, representam um cliente misterioso, de modo que todos devem chegar a um acordo. Esse acordo deve ser muito bem pensado, porque o cliente não poderá voltar atrás depois que o contrato for assinado por seu representante.
O grande desafio para os advogados é que eles não sabem quais as características e interesses dos clientes. Não sabem se são negros ou brancos, ricos ou pobres, homens ou mulheres, não sabem absolutamente nada.
Para que a discussão não aconteça em um vácuo, algumas ideias de princípios podem ser disponibilizadas. No artigo do Harry encontramos a lista abaixo. Obviamente ela pode ser modificada, aumentada ou diminuída. E claro, é necessário vários esclarecimentos iniciais para que todos compreendam as implicações práticas de cada um dos princípios.
- Laissez-Faire: Os mercados funcionarão sem intervenção governamental, exceto para proteger a propriedade privada (incluindo a propriedade intelectual através da legislação de patenteamento e direitos autorais) e colocar limites modestos no surgimento de mercados oligopolistas e monopolistas.
- Igualdade de Recursos: As pessoas terão recursos aproximadamente iguais disponíveis para elas ao longo de suas vidas.
- Suficiência: Todos terão uma rede de segurança de “necessidades básicas” garantidas. Acima desse nível, os mercados determinarão recompensas, exceto quando a legislatura democraticamente eleita optar por restringi-las. (Se você selecionar este princípio, esteja preparado para explicar o que conta como necessidades básicas e a razão disso).
- Maximin: As desigualdades de recursos serão organizadas para que os menos favorecidos fiquem numa situação melhor da que estariam em qualquer outro princípio.
- Igualdade de Bem-Estar: Os recursos serão distribuídos para que todos estejam mais ou menos igualmente felizes.
- Você pode, se quiser, formular um compromisso entre esses princípios, ou formular um princípio totalmente diferente. Se assim for, deve ser preciso e você deve estar preparado para defendê-lo.
Muitas ideias podem ser acrescentadas dentro dessa proposta do Harry. Os advogados poderiam escrever cartas para seu cliente justificando a decisão adotada. Para auxiliar nessa tarefa, depois do acordo ser fechado, cada advogado poderia receber um envelope com informações sobre seu cliente. Nome, condição econômica, detalhes biográficos e qualquer informação imaginável irá tornar mais real a experiência e gerar reflexão.
Ainda não pude experimentar a ideia com meus alunos, mas me pareceu ótima e merece ser compartilhada.
Se resolver experimentá-la com seus alunos, tiver alguma sugestão de acréscimo ou mudança, não deixe de compartilhar conosco nos comentários. Essas conversas de professores nas redes são cheias de inspiração e novas ideias para tornar a experiência de aprendizagem de nossos alunos mais rica.