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Falácia do espantalho: significado e exemplos

- 4 min leitura

A falácia do espantalho ou homem de palha é uma tática muito usada em debates. Ela funciona assim: primeiro você ouve o que seu oponente diz, depois interpreta de forma distorcida, de modo que que o argumento dele pareça mais fraco do que realmente é. Por fim, ataca esse argumento, mostrando como é falho. Assim fica mais fácil de criticar o adversário. É como se, numa luta, você atacasse um espantalho e não a pessoa real.

A metáfora usada para dar nome a essa falácia é bastante expressiva. Ela se refere a uma estratégia de ataque ou rebelião que leva grupos de pessoas a criar uma espécie de boneco de palha do líder do grupo a ser atacado e transferir simbolicamente o ataque da pessoa para o boneco que a representa.

Primeiro exemplo

Imagine que a cena abaixo ocorre em um debate na televisão. O político A e B discutem sobre quais devem ser as prioridades do governo.

Político A –  Por que o governo só se preocupa com o crime quando questões como pobreza infantil e a destruição ambiental continuam a ser subestimadas?

Político B –  Estou surpreso que você pense que o crime é tão sem importância. Com o aumento alarmante da violência de gangues em nossas cidades, enfrentamos uma quebra de lei e ordem em grande escala. Os membros da oposição desejam uma sociedade em que as pessoas nunca poderiam se sentir seguras mesmo em suas próprias casas.

Nesse primeiro exemplo, o Político A defende a opinião de que questões como pobreza infantil e destruição ambiental deveriam ter mais prioridade na agenda do governo e não apenas a violência. Essa é sua opinião real.

O Político B, para criticar seu adversário, distorce essa opinião criando o que chamamos, metaforicamente, de espantalho: atribui a seu oponente a tese de que o crime é um problema social sem importância. Porém não era isso que o Político A estava defendendo. Assim, o Político B rejeita uma opinião que não era sustentada por ninguém e deixa seu adversário sem resposta, incorrendo na falácia do espantalho.

Segundo exemplo: Judith Butler no Brasil

No final no ano de 2017, Judith Butler, filósofa americana conhecida por seus estudos sobre gênero, veio ao Brasil participar de um Seminário sobre os fins da democracia. Inesperadamente, isso teve forte repercussão, incluindo abaixo-assinado contra sua vinda, protestos em frente ao local do seminário e no aeroporto.

O motivo central para tamanha comoção é expresso claramente na fala de um dos manifestantes

“A gente não está aqui pelo tema da palestra, a gente está aqui porque a Judith Butler é uma propagadora da ideologia de gênero, uma das principais criadoras e a que mais propaga isso aí”, disse o advogado Heverton Sodario, de 24 anos. “Não é contra as pessoas que são homossexuais ou contra o homem que quer se vestir de mulher. É contra uma ideologia que está sendo pregada às crianças, tentando dizer que mesmo que você nasça homem ou mulher, você pode ter um gênero diferente de isso aí. É um absurdo”, acrescentou.

A julgar pelo que foi dito aí, Butler é uma divulgadora da “ideologia de gênero”. Porém, é esse o caso? Ela defende algo dessa natureza? A resposta para essas perguntas é: não.

Esse foi um caso exemplar de falácia do espantalho. Toda a rejeição das ideais da autora e o protesto foi baseado numa distorção de seu pensamento.

Não é possível dizer que a falácia cometida pelos manifestantes foi intencional. De qualquer forma, ela revela uma falta de preocupação em entender o que realmente a filósofa defende. Podemos perceber, portanto, que uma forma de evitar a falácia do espantalho é prestando especial atenção ao que alguém realmente pensa, seja ouvindo ou lendo com atenção e boa-fé.

Por que é uma falácia?

Podemos considerar a falácia do espantalho um argumento falacioso por duas razões:

  1. Em primeiro lugar, porque ela é uma fuga do assunto em debate. Considere o primeiro caso analisado. Ao invés de criticar a opinião do Político A, o Político B fugiu da discussão refutando uma opinião que não era sustentada por ninguém. Outra maneira comum de dizer isso é afirmar que as colocações do Político B não foram relevantes. Isso viola uma das regras básicas de um debate, de ouvir com atenção o que nosso oponente está defendendo e compreender corretamente o que este quer dizer.
  2. Em segundo lugar, a falácia do espantalho pode ser considerada uma estratégia retórica destinada a ganhar a adesão do público mesmo sem bons argumentos. Considere o Caso 1. A segurança é um tema político que gera preocupação para grande parte da população. Ao sabermos que o Político A, supostamente, a considera um tema secundário, dificilmente o apoiaremos. Ou seja, diante de um público desatento, que não está disposto a avaliar com cuidado o que é dito pelos dois lados do debate, a afirmação do Político B pode ter o efeito de gerar apoio político, mesmo que qualquer argumento tenha sido usado.

Como identificar essa falácia?

Para identificar se estamos diante de uma falácia do espantalho é útil fazer duas perguntas:

  1. A opinião do oponente foi mal interpretada?
  2. Essa opinião mal interpretada foi a base para a crítica ou rejeição das ideias do oponente?

Caso a resposta para essas duas perguntas seja afirmativa, estamos diante de uma falácia do espantalho.

Referência e leitura adicional

Para conhecer mais, veja nossa lista de falácias com dezenas de textos didáticos abordando esse tema. Para uma análise mais aprofunda, sugerimos a leitura de Lógica Informal, um livro de Douglas Walton. Esse é o livro mais abrangente em português sobre o assunto.

Douglas Walton. Lógica Informal: manual de argumentação crítica. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.

Daniel Mello. Manifestantes protestam contra e a favor de filósofa Judith Butler em São Paulo. http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2017-11/manifestantes-se-confrontam-em-palestra-de-filosofa-judith-butler